quinta-feira, 11 de outubro de 2018

BOLSONARO, UM CANALHA EM ESTADO PURO


Por todo o mundo, as consciências dos democratas de primeira água, independentemente da sua inclinação ideológica ou partidária, estão a tocar a rebate perante a iminência de um “canalha em estado puro” ascender ao mais alto cargo do Estado brasileiro. Proliferam os artigos de opinião no sentido de se promover uma reflexão global sobre o abismo em que está colocada a democracia brasileira e, ainda que por enquanto remotamente, o regime democrático em muitos países não afectados pela peste ideológica da extrema-direita, no seu condição mais radical.
É verdade que as populações que vivem em países democráticos se sentem defraudadas com a forma como foi resolvida a crise de 2008 em que a factura foi paga apenas pelos mais pobres, com consequências gravíssimas nos salários e no crescimento das desigualdades sociais. Esta situação tem vindo a gerar um sentimento de revolta em sectores significativos da população de muitos países, muito propício ao aparecimento de messias ou salvadores da pátria que falam às pessoas aquilo que elas querem ouvir e com hipotéticas soluções fáceis captam com facilidade o voto dos descontentes. Será esta uma das explicações, não a única, para o que poderá estar a acontecer no Brasil onde Bolsonaro, um canalha no verdadeiro sentido da palavra poderá vir a ganhar as eleições presidenciais cuja 2ª volta tem lugar no dia 28 de Outubro.
O texto que aqui deixamos a seguir é parte de um artigo de opinião que Francisco Assis, não exactamente um esquerdista, assina no “Público” de hoje.

Carlos Alberto Brilhante Ustra foi um dos maiores, senão mesmo o maior torcionário, no tempo da ditadura militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Em 2008 foi o primeiro oficial condenado por sequestro e tortura. Comprovadamente, maltratou física e psicologicamente centenas de pessoas e chegou ao limite de obrigar crianças a presenciarem o dilacerante espectáculo do espancamento dos respectivos progenitores. Nunca reconheceu os seus crimes nem manifestou o mais leve arrependimento pelos seus actos desumanos. Era um canalha. Morreu em 2015, em Brasília, na cama de um hospital.
Foi precisamente este torcionário miserável que o então deputado federal Jair Bolsonaro homenageou no momento em que votou a favor do impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Nessa ocasião, Bolsonaro pronunciou uma declaração que o define integralmente: dedicou o seu voto à “memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”. É impossível imaginar, naquele contexto, uma afirmação mais vil, um comportamento mais indigno, uma atitude mais asquerosa. Bolsonaro revelou-se ali o que ele verdadeiramente é: um canalha em estado puro.
O que é um canalha em estado puro? É alguém que contraria qualquer tipo de critério moral e se coloca num plano comportamental pré ou anticivilizacional. Quem elogia o torturador de uma jovem mulher absolutamente indefesa atribui-se a si próprio um estatuto praticamente sub-humano. Bolsonaro é dessa estirpe, desse rol de gente que leva à interrogação sobre o que subsiste de humano no homem que literalmente se desumaniza. Theodore Adorno levou essa questão até ao limite do pensável, quando formulou a sua célebre afirmação: “escrever um poema depois de Auschwitz é um acto bárbaro e isso corrói até mesmo o conhecimento de porque se tornou impossível escrever poemas”. E, contudo, a poesia sobreviveu. O Homem resiste ao que de desumanizador ele inscreve na história. Isso não é razão para renunciar à denúncia da barbárie.
A barbárie tem muitos rostos: é estúpida, boçal, intolerante, sectária, fanática, simplista, racista, xenófoba, homofóbica, sexista, classista, irremediavelmente preconceituosa, inevitavelmente primária. Jair Bolsonaro é um dos rostos perfeitos dessa barbárie em versão actual. Tudo nele aponta para a pequenez: é um ser intelectualmente medíocre, eticamente execrável, politicamente vulgar. Nele observa-se uma prodigiosa ausência de qualquer tipo de grandeza e uma assustadora presença de tudo quanto invalida um cidadão para o desempenho da mais humilde função pública. Por isso mesmo ele é extraordinariamente perigoso: é a expressão quase exemplar do homem sem qualidades subitamente erigido a um papel de liderança.
Bolsonaro não é Hitler, não é Mussolini, não é sequer Franco. Em bom rigor, se quisermos ater-nos a um debate intelectual de natureza escolástica, ele não é bem a representação do fascismo. Há nele, contudo, na dimensão medíocre que a sua pobre personalidade proporciona, tudo aquilo de que a tradição fascista historicamente se alimentou. O anti-iluminismo, a exaltação sumária da unicidade nacional, a apologia da violência, o culto irracional do chefe. Bolsonaro é pouco mais do que um analfabeto ideológico com todos os perigos que isso mesmo encerra. Ele e a sua prole de jovens tontos significam hoje o maior perigo com que se depara o mundo ocidental.

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