quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O CONSUMO DE ÁLCOOL EM PORTUGAL MATA MAIS DO QUE O DE DROGA


  Afirma Amilcar Correia, a certa altura do editorial de hoje do “Público” (transcrito a seguir), e estamos em absoluto acordo, que “as substâncias às quais chamamos droga são aceites, toleradas ou proibidas em função das normas de cada uma das sociedades”. O exemplo mais recente desta realidade tem a ver com a discussão actualmente em curso em Portugal sobre a despenalização da cannabis para fins terapêuticos. Apesar de haver um forte consenso entre os profissionais da saúde sobre a utilidade da aplicação desta droga em determinadas enfermidades, a sua diablolização ainda cria fortes resistências como temos tido oportunidade de observar.
Por outro lado, sabe-se pelas estatísticas que morre mais gente devido ao consumo excessivo de álcool do que por overdoses de droga. Então, por que razão, esta última situação merece uma preocupação superior à anterior? Será que se continua a pensar que, como dizia Salazar “beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses”?
O mérito da abordagem do tema do consumo excessivo de álcool é que estamos perante um problema de saúde pública que gasta vastos recursos ao país e tem tido pouca atenção por parte dos poderes públicos. É quase natural sermos um dos países do mundo em que o consumo de álcool é maior…
Há um marco na história da diabolização da droga em Portugal, quando o marcelismo desencantou, no início dos anos 70 do século passado, uma campanha chamada Droga, Loucura e Morte para dramatizar as consequências da utilização de estupefacientes cujo consumo era irrelevante no país retardado de então. Como bem sabemos, o consumo de droga só assumiu proporções preocupantes mais tarde, na sequência da instauração de um regime democrático, de uma maior liberdade individual e da abertura da sociedade e do país a outras influências. As substâncias às quais chamamos droga são aceites, toleradas ou proibidas em função das normas de cada uma das sociedades. E, na nossa, o álcool, apesar da relevância já então tinha, nunca mereceu preocupação semelhante nem qualquer silogismo. Não é de estranhar, pois, que os relatórios nacionais e internacionais refiram, com regularidade, que o número de mortes causadas por intoxicações alcoólicas seja superior ao de mortes provocadas por overdoses de droga, tanto em Portugal como na Europa. O relatório A Situação do País em Matéria de Álcool, apresentado ontem no Parlamento, diz isso mesmo: o número de óbitos por álcool em 2016 subiu face aos dois anos anteriores e o número de mortes por overdose baixou 33%, quebrando um ciclo de aumentos desde 2014.

Mas diz mais: o número de doentes em tratamento no ambulatório da rede pública com problemas de alcoolismo aumentou e o número de internamentos em unidades de alcoologia diminuiu. Falta saber se estamos num processo de transição de um serviço para outro ou se aquela diferença de deve às conhecidas debilidades de algumas unidades. Dois exemplos: a Unidade de Alcoologia do Centro encerrou no final do ano por não dispor de verbas para pagar horas extraordinárias a assistentes operacionais; o tempo de espera por um internamento numa daquelas unidades pode ser superior a dois meses.

Mas se este é um quadro relativamente estável, e que não representa particulares alterações face a relatórios anteriores, o mesmo não se pode dizer de alterações comportamentais, que nos remetem para um aumento quer da frequência do binge drinking (consumo rápido e excessivo), quer do consumo entre as mulheres e as faixas etárias mais velhas. Não vale a pena diabolizar o consumo de álcool. Mas talvez seja prudente conceder-lhe mais atenção.


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