Por outro lado, sabe-se pelas estatísticas que
morre mais gente devido ao consumo excessivo de álcool do que por overdoses de
droga. Então, por que razão, esta última situação merece uma preocupação
superior à anterior? Será que se continua a pensar que, como dizia Salazar “beber
vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses”?
O mérito da abordagem do tema do consumo excessivo
de álcool é que estamos perante um problema de saúde pública que gasta vastos
recursos ao país e tem tido pouca atenção por parte dos poderes públicos. É quase
natural sermos um dos países do mundo em que o consumo de álcool é maior…
Há um marco na história da diabolização
da droga em Portugal, quando o marcelismo desencantou, no início dos anos 70 do
século passado, uma campanha chamada Droga, Loucura
e Morte para dramatizar as consequências da utilização de
estupefacientes cujo consumo era irrelevante no país retardado de então. Como
bem sabemos, o consumo de droga só assumiu proporções preocupantes mais tarde,
na sequência da instauração de um regime democrático, de uma maior liberdade
individual e da abertura da sociedade e do país a outras influências. As substâncias
às quais chamamos droga são aceites, toleradas ou proibidas em função das
normas de cada uma das sociedades. E, na nossa, o álcool, apesar da relevância
já então tinha, nunca mereceu preocupação semelhante nem qualquer silogismo.
Não é de estranhar, pois, que os relatórios nacionais e internacionais refiram,
com regularidade, que o número de mortes causadas por intoxicações alcoólicas
seja superior ao de mortes provocadas por overdoses
de droga, tanto em Portugal como na Europa. O relatório A Situação do País em Matéria de
Álcool, apresentado ontem no Parlamento, diz isso mesmo: o número
de óbitos por álcool em 2016 subiu face aos dois anos anteriores e o número de
mortes por overdose
baixou 33%, quebrando um ciclo de aumentos desde 2014.
Mas diz mais: o número de doentes em
tratamento no ambulatório da rede pública com problemas de alcoolismo aumentou
e o número de internamentos em unidades de alcoologia diminuiu. Falta saber se
estamos num processo de transição de um serviço para outro ou se aquela
diferença de deve às conhecidas debilidades de algumas unidades. Dois exemplos:
a Unidade de Alcoologia do Centro encerrou no final do ano por não
dispor de verbas para pagar horas extraordinárias a assistentes operacionais; o tempo de espera por
um internamento numa daquelas unidades pode ser superior a dois meses.
Mas se este é um quadro relativamente
estável, e que não representa particulares alterações face a relatórios
anteriores, o mesmo não se pode dizer de alterações comportamentais, que nos
remetem para um aumento quer da frequência do binge drinking
(consumo rápido e excessivo), quer do consumo entre as mulheres e as faixas
etárias mais velhas. Não vale a pena diabolizar o consumo de álcool. Mas talvez
seja prudente conceder-lhe mais atenção.
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