quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

EM DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO SER HUMANO



“O Relatório Anual da Amnistia Internacional sobre o estado dos direitos humanos no mundo” é o pano de fundo do excelente artigo de opinião assinado por Pedro A. Neto, Director-executivo da Amnistia Internacional Portugal no “Público” de hoje e que transcrevemos a seguir.
De realçar que o texto aborda a situação no nosso país, onde há sinais crescentes de discriminação a que urge pôr cobro pois devemos ter em atenção que há portugueses espalhados por todo o mundo.
De qualquer maneira, Pedro Neto também deixa um sinal positivo que perpassa pelo mundo, pela acção da “sociedade civil” que não se encontra “silenciosa perante o ataque à liberdade de expressão e aos direitos fundamentais do ser humano”.

Até há pouco tempo era considerado alarmismo a mais comparar o atual panorama político mundial aos perigosos anos 30 e 40 do século XX europeu. Hoje, essa questão paira no ar insistentemente: estamos na mesma atmosfera perigosa que precedeu a Segunda Guerra Mundial?

Líderes mundiais semearam retóricas de ódio e de discriminação, confundiram a opinião pública com notícias inventadas. Dos Estados Unidos à Turquia, à Hungria, às Filipinas, à Líbia, a Myanmar. Até em Portugal vimos já a discriminação e uma retórica aberta e perigosa que considera que algumas pessoas são menos humanas que outras.

O Relatório Anual da Amnistia Internacional sobre o estado dos direitos humanos no mundo mostra que já estamos a viver as consequências dessa retórica discriminatória. Desde os refugiados que vivem num limbo, sem segurança e à mercê do ódio daqueles que os perseguem e não deixam viver devido à sua religião ou etnia.

Nos primeiros dias do atual Presidente dos EUA em funções vimos a tentativa deste em demonizar todos os refugiados, muçulmanos e mexicanos. Vimos também a limpeza étnica dos rohingya em Myanmar. Na Hungria vimos as fronteiras do acolhimento fecharem-se aos refugiados. No Egito testemunhámos a perseguição feita a cristãos, a homossexuais, a ONG e a defensores de direitos humanos, especialmente dos direitos das mulheres.

Portugal não é exceção no que diz respeito à discriminação. País aberto ao mundo, continuamos a discriminar os outros. São muitas as formas como em Portugal alguns consideram os seus semelhantes menos humanos, seja por discriminação étnica e racial, seja pela discriminação e violência de género, seja no impedimento de acesso a condições dignas de habitação para os mais pobres e frágeis, com especial relevo das pessoas de ascendência africana e das comunidades ciganas, desalojadas à força e sem acesso a programas de realojamento dignos.

Também no acolhimento aos refugiados, o país falhou as metas a que se comprometeu e, em muitos casos, o purgatório da espera que viveram antes de chegar a Portugal continuou cá, com a demora burocrática da falta de meios e de vontade. Em Portugal igualmente, algumas vozes utilizam já a retórica discriminatória para tentar ganhar dividendos sociais e políticos.

Além destes sinais no mundo que são de divisão, de conflito e de exclusão, o relatório da Amnistia Internacional conta também outra história — uma de resistência. Por todos os cantos do mundo, inclusive Portugal, as pessoas estão a sacudir o fatalismo do mal e a atravessar-se no caminho dos que procuram a divisão, o medo, o ódio e a discriminação.

Em Portugal, vimos demolições serem interrompidas por ativistas e vimos ativistas a denunciarem corajosamente, e sob ameaças, atentados ao meio ambiente. Vimos nas margens do Mediterrâneo pessoas a acolherem e a ajudarem refugiados quando os seus líderes falharam nessa missão. Vimos por toda a África movimentos de pessoas, mesmo em países onde isso era impensável há poucos anos, a galvanizar a vontade popular na exigência de direitos humanos e justiça. Nos EUA, milhares de pessoas, pacificamente, obstruíram o caminho à Administração americana: foram para aeroportos acolher refugiados; marcharam pela rua as mulheres — e os homens por elas e com elas — e o movimento Black Lives Matter, na defesa de um país sem discriminação; ativistas ambientais resistiram face-a-face à força no caso de Standing Rock, na proteção de um bem como a água, tão importante para a vida de todos. Na China, mesmo proibidos, os ativistas lembraram Tiananmen.

A sociedade civil nunca fica silenciosa perante o ataque à liberdade de expressão e aos direitos fundamentais do ser humano. É a nossa vez de falar e de agir, de dizer como está o mundo pelos olhos e voz de quem vive nele sem filtros e sem medos. Agora é a hora da coragem na defesa dos direitos humanos. Vivemos tempos de desafio e de coragem em que, mais do que nunca, a verdade tem de contrariar o ódio.

Há uma lição que nunca podemos esquecer. Na História, sempre que líderes tentaram reprimir, demonizar e discriminar, houve sempre pessoas a levantarem-se e a saírem do silêncio para, com coragem, exigirem liberdade onde ela falta, exigirem igualdade onde ela é necessária e exigirem dignidade em todo o mundo e para todas as pessoas.

Agora, é a nossa vez.

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