“O Relatório Anual da Amnistia
Internacional sobre o estado dos direitos humanos no mundo” é o pano de fundo
do excelente artigo de opinião assinado por Pedro A. Neto, Director-executivo da
Amnistia Internacional Portugal no “Público” de hoje e que transcrevemos a
seguir.
De realçar que o texto aborda a
situação no nosso país, onde há sinais crescentes de discriminação a que urge pôr
cobro pois devemos ter em atenção que há portugueses espalhados por todo o
mundo.
De qualquer maneira, Pedro Neto também
deixa um sinal positivo que perpassa pelo mundo, pela acção da “sociedade civil”
que não se encontra “silenciosa perante o ataque à liberdade de expressão e aos
direitos fundamentais do ser humano”.
Até há pouco tempo era considerado alarmismo a mais comparar o
atual panorama político mundial aos perigosos anos 30 e 40 do século XX
europeu. Hoje, essa questão paira no ar insistentemente: estamos na mesma
atmosfera perigosa que precedeu a Segunda Guerra Mundial?
Líderes mundiais semearam retóricas de ódio e de discriminação,
confundiram a opinião pública com notícias inventadas. Dos Estados Unidos à
Turquia, à Hungria, às Filipinas, à Líbia, a Myanmar. Até em Portugal vimos já
a discriminação e uma retórica aberta e perigosa que considera que algumas
pessoas são menos humanas que outras.
O Relatório Anual da Amnistia Internacional sobre o estado dos
direitos humanos no mundo mostra que já estamos a viver as consequências dessa
retórica discriminatória. Desde os refugiados que vivem num limbo, sem
segurança e à mercê do ódio daqueles que os perseguem e não deixam viver devido
à sua religião ou etnia.
Nos primeiros dias do atual Presidente dos EUA em funções vimos
a tentativa deste em demonizar todos os refugiados, muçulmanos e mexicanos.
Vimos também a limpeza étnica dos rohingya em Myanmar. Na Hungria vimos as
fronteiras do acolhimento fecharem-se aos refugiados. No Egito testemunhámos a
perseguição feita a cristãos, a homossexuais, a ONG e a defensores de direitos
humanos, especialmente dos direitos das mulheres.
Portugal não é exceção no que diz respeito à discriminação. País
aberto ao mundo, continuamos a discriminar os outros. São muitas as formas como
em Portugal alguns consideram os seus semelhantes menos humanos, seja por
discriminação étnica e racial, seja pela discriminação e violência de género,
seja no impedimento de acesso a condições dignas de habitação para os mais
pobres e frágeis, com especial relevo das pessoas de ascendência africana e das
comunidades ciganas, desalojadas à força e sem acesso a programas de
realojamento dignos.
Também no acolhimento aos refugiados, o país falhou as metas a
que se comprometeu e, em muitos casos, o purgatório da espera que viveram antes
de chegar a Portugal continuou cá, com a demora burocrática da falta de meios e
de vontade. Em Portugal igualmente, algumas vozes utilizam já a retórica
discriminatória para tentar ganhar dividendos sociais e políticos.
Além destes sinais no mundo que são de divisão, de conflito e de
exclusão, o relatório da Amnistia Internacional conta também outra história —
uma de resistência. Por todos os cantos do mundo, inclusive Portugal, as
pessoas estão a sacudir o fatalismo do mal e a atravessar-se no caminho dos que
procuram a divisão, o medo, o ódio e a discriminação.
Em Portugal, vimos demolições serem interrompidas por ativistas
e vimos ativistas a denunciarem corajosamente, e sob ameaças, atentados ao meio
ambiente. Vimos nas margens do Mediterrâneo pessoas a acolherem e a ajudarem
refugiados quando os seus líderes falharam nessa missão. Vimos por toda a
África movimentos de pessoas, mesmo em países onde isso era impensável há
poucos anos, a galvanizar a vontade popular na exigência de direitos humanos e
justiça. Nos EUA, milhares de pessoas, pacificamente, obstruíram o caminho à
Administração americana: foram para aeroportos acolher refugiados; marcharam
pela rua as mulheres — e os homens por elas e com elas — e o movimento Black
Lives Matter, na defesa de um país sem discriminação;
ativistas ambientais resistiram face-a-face à força no caso de Standing Rock,
na proteção de um bem como a água, tão importante para a vida de todos. Na
China, mesmo proibidos, os ativistas lembraram Tiananmen.
A sociedade civil nunca fica silenciosa perante o ataque à
liberdade de expressão e aos direitos fundamentais do ser humano. É a nossa vez
de falar e de agir, de dizer como está o mundo pelos olhos e voz de quem vive
nele sem filtros e sem medos. Agora é a hora da coragem na defesa dos direitos
humanos. Vivemos tempos de desafio e de coragem em que, mais do que nunca, a
verdade tem de contrariar o ódio.
Há uma lição que nunca podemos esquecer. Na História, sempre que
líderes tentaram reprimir, demonizar e discriminar, houve sempre pessoas a
levantarem-se e a saírem do silêncio para, com coragem, exigirem liberdade onde
ela falta, exigirem igualdade onde ela é necessária e exigirem dignidade em
todo o mundo e para todas as pessoas.
Agora, é a nossa vez.
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