sábado, 15 de setembro de 2018

HABITAÇÃO, UM CALVÁRIO PARA A ACTUAL JUVENTUDE


O texto que aqui deixamos a seguir (*) é, por assim dizer, um exemplo entre muitos do calvário por que passa uma parte significativa da juventude actual no momento em que decide sair de casa dos pais e constituir família. Com maior incidência nos grandes centros onde a especulação imobiliária já ganhou raízes, um jovem casal com um baixo rendimento e pouca segurança em termos de estabilidade de emprego chega rapidamente à conclusão de que não consegue arrendar nem comprar casa.
Esta curta história, também é uma chamada de atenção para os poderes públicos no sentido de serem tomadas medidas para que seja aliviado o calvário de quem necessita uma casa para habitar, em especial quando se é jovem.
Em 2016, quando decidi sair de casa dos meus pais, quisemos apostar no arrendamento. Os mais velhos, apesar de terem uma cultura muito mais orientada para a compra de casa, também já andam cá há mais tempo e acham que, apesar de tudo, o arrendamento é mais fácil, não se paga IMI nem condomínio e quando se estiver mal pode-se sempre mudar. E como éramos uns jovens inexperientes e sem dinheiro para dar de entrada para um crédito à habitação, decidimo-nos pelo arrendamento.
Lembro-me de que tínhamos um valor acordado e que fizemos uma busca intensa. No centro do Porto era impossível pensarmos nisso, na altura já um T0 rondava os 600 euros, por isso decidimos ir para as periferias. Em Gondomar, pensávamos que iríamos conseguir arranjar algo pelo valor por nós estipulado, mas ou eram zonas quase sem transportes, ou não tinham electrodomésticos na cozinha, ou não queriam fazer contrato e, posteriormente, passar recibo que comprovasse o nosso pagamento.
Não tivemos remédio e decidimos aumentar o valor que tínhamos estipulado no início. Um ano mais tarde, em 2017, um casal de amigos começou a mesma aventura, procuravam algo parecido com o nosso, na mesma zona ou perto, e foi nesse momento que percebi que havia uma grande bolha no mercado de arrendamento, uma especulação digna de um espectáculo. Um T2 já rondava os 500 euros e se eles fossem para mais perto do metro, um T2 ainda mais pequeno já custava 650 — já para não falar num T1 que tinha o valor de 450 euros.
Segundo o portal de imobiliário Imovirtual, o preço dos apartamentos para arrendar registou um aumento de 26% em 2017 face a 2016, o que quer dizer que, por um lado, eu ainda arrendei numa altura mais ao menos boa. Se fosse hoje nunca poderia arrendar um T2 por 600 euros porque, por incrível que pareça, 600 euros é o meu ordenado. Lá se ia a taxa de esforço que, em teoria, tinha que preservar. Para mim não dava.
Uma família com dois filhos que ganhe pelo menos 1200 euros líquidos nunca consegue viver com um arrendamento que ronde os 600 euros e depois pagar água, luz, telefone, comida e despesas extra. E se em 2017 já era uma tarefa difícil arrendar, hoje ainda está mais complicado. Esse casal amigo acabou por comprar casa, fizeram as contas e acharam que até lhes compensava mais. Segundo o Instituto Nacional da Estatística (INE), no Porto, a renda de uma casa com 100 metros quadrados custa 677 euros por mês; por sua vez, o custo mensal desta casa será de 450 euros, ao longo de 30 anos. As contas são dolorosas. Mas a verdade é que compensa, apesar dos muitos factores que o INE não refere.
Pedir um crédito à habitação não é assim tão simples, caso contrário tínhamos todos casa própria e não precisávamos do arrendamento nem de alguns senhorios que mais parecem sanguessugas na hora de pedir o valor da renda. É necessário que um dos elementos do casal esteja efectivo numa empresa — coisa que, com 25 anos, digamos que é um bocadinho difícil, ainda que não impossível —, depois precisa de auferir ordenados superiores ao ordenado mínimo — não é impossível, mas é difícil —, em alguns casos é necessário fiador (e nem todos estão para ser fiadores, certo?). Fora isto tudo, se o banco perceber que nós não temos as condições para prosseguir, oferecem-nos imóveis de banco que, por ironia ou não, foram deixadas por famílias que não conseguiram as prestações, as comissões, os seguros, o condomínio, os impostos, o que resultou na entrega da casa ao banco.
Como o banco só nos empresta 80% do valor da casa — e há quem diga que os avaliadores dão mais a quem conhecem do que a quem não conhecem —, o resto somos nós que colocamos, independentemente dos mil que forem. Por isso eu sou aquela do "nem-nem", hoje em dia não podia nem arrendar nem comprar casa. O que aí vem? Nem eu sei, provavelmente vai ficar pior, dada a pouca oferta, os valores exagerados e a falta de poder económico. O certo é que, de caminho, é impossível travar esta ventania imobiliária e trazer de novo um lar possível ou, neste caso, uma casa possível.
(*) Ana Carolina Rocha, Público

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