O
texto que aqui deixamos a seguir (*) é, por assim dizer, um exemplo entre muitos
do calvário por que passa uma parte significativa da juventude actual no
momento em que decide sair de casa dos pais e constituir família. Com maior incidência
nos grandes centros onde a especulação imobiliária já ganhou raízes, um jovem
casal com um baixo rendimento e pouca segurança em termos de estabilidade de
emprego chega rapidamente à conclusão de que não consegue arrendar nem comprar
casa.
Esta
curta história, também é uma chamada de atenção para os poderes públicos no
sentido de serem tomadas medidas para que seja aliviado o calvário de quem
necessita uma casa para habitar, em especial quando se é jovem.
Em
2016, quando decidi sair de casa dos meus pais, quisemos apostar no
arrendamento. Os mais velhos, apesar de terem uma cultura muito mais orientada
para a compra de casa, também já andam cá há mais tempo e acham que, apesar de
tudo, o arrendamento é mais fácil, não se paga IMI nem condomínio e quando se
estiver mal pode-se sempre mudar. E como éramos uns jovens inexperientes e sem
dinheiro para dar de entrada para um crédito à habitação, decidimo-nos pelo
arrendamento.
Lembro-me
de que tínhamos um valor acordado e que fizemos uma busca intensa. No centro do
Porto era impossível pensarmos nisso, na altura já um T0 rondava os 600 euros,
por isso decidimos ir para as periferias. Em Gondomar, pensávamos que iríamos
conseguir arranjar algo pelo valor por nós estipulado, mas ou eram zonas quase
sem transportes, ou não tinham electrodomésticos na cozinha, ou não queriam
fazer contrato e, posteriormente, passar recibo que comprovasse o nosso
pagamento.
Não
tivemos remédio e decidimos aumentar o valor que tínhamos estipulado no início.
Um ano mais tarde, em 2017, um casal de amigos começou a mesma aventura,
procuravam algo parecido com o nosso, na mesma zona ou perto, e foi nesse
momento que percebi que havia uma grande bolha no mercado de arrendamento, uma
especulação digna de um espectáculo. Um T2 já rondava os 500 euros e se eles
fossem para mais perto do metro, um T2 ainda mais pequeno já custava 650 — já
para não falar num T1 que tinha o valor de 450 euros.
Segundo o
portal de imobiliário Imovirtual, o preço dos apartamentos para arrendar
registou um aumento de 26% em 2017 face a 2016, o que quer dizer que, por um
lado, eu ainda arrendei numa altura mais ao menos boa. Se fosse hoje nunca
poderia arrendar um T2 por 600 euros porque, por incrível que pareça, 600 euros
é o meu ordenado. Lá se ia a taxa de esforço que, em teoria, tinha que
preservar. Para mim não dava.
Uma família
com dois filhos que ganhe pelo menos 1200 euros líquidos nunca consegue viver
com um arrendamento que ronde os 600 euros e depois pagar água, luz, telefone,
comida e despesas extra. E se em 2017 já era uma tarefa difícil arrendar, hoje
ainda está mais complicado. Esse casal amigo acabou por comprar casa, fizeram
as contas e acharam que até lhes compensava mais. Segundo o Instituto Nacional
da Estatística (INE), no Porto, a renda de uma casa com 100 metros quadrados
custa 677 euros por mês; por sua vez, o custo mensal desta casa será de 450
euros, ao longo de 30 anos. As contas são dolorosas. Mas a verdade é que
compensa, apesar dos muitos factores que o INE não refere.
Pedir um
crédito à habitação não é assim tão simples, caso contrário tínhamos todos casa
própria e não precisávamos do arrendamento nem de alguns senhorios que mais
parecem sanguessugas na hora de pedir o valor da renda. É necessário que um dos
elementos do casal esteja efectivo numa empresa — coisa que, com 25 anos,
digamos que é um bocadinho difícil, ainda que não impossível —, depois precisa
de auferir ordenados superiores ao ordenado mínimo — não é impossível, mas
é difícil —, em alguns casos é necessário fiador (e nem todos estão para ser
fiadores, certo?). Fora isto tudo, se o banco perceber que nós não temos
as condições para prosseguir, oferecem-nos imóveis de banco que, por ironia ou
não, foram deixadas por famílias que não conseguiram as prestações, as
comissões, os seguros, o condomínio, os impostos, o que resultou na entrega da
casa ao banco.
Como o banco
só nos empresta 80% do valor da casa — e há quem diga que os avaliadores dão
mais a quem conhecem do que a quem não conhecem —, o resto somos nós que
colocamos, independentemente dos mil que forem. Por isso eu sou aquela do
"nem-nem", hoje em dia não podia nem arrendar nem comprar casa. O que
aí vem? Nem eu sei, provavelmente vai ficar pior, dada a pouca oferta, os
valores exagerados e a falta de poder económico. O certo é que, de caminho, é
impossível travar esta ventania imobiliária e trazer de novo um lar possível
ou, neste caso, uma casa possível.
(*) Ana Carolina Rocha,
Público
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