Associadas
às alterações climáticas há problemáticas de grande gravidade que se têm vindo
a desenvolver quase sem darmos por isso – muitas vezes são-nos ocultadas por
interesses ilegítimos – como é o caso dos chamados refugiados do clima. Estamos
a falar de populações que são muitas vezes severamente afectadas pelas
alterações do clima e que têm necessidade de se deslocar dos seus locais de
origem por ser impossível lá sobreviverem. Neste momento já há estimativas que
se referem a 25 milhões de pessoas nesta situação com uma tendência crescente
de aumento.
Se
actualmente o conceito geral de refugiado já se encontra bem definido a verdade
é que, juridicamente, o estatuto de “refugiado climático” não existe. É sobre esta
problemática que incide Cláudia Pedra (*), autora do texto seguinte que
transcrevemos do “Público” de hoje.
A ONU estima que, em 2050, 250 milhões de pessoas
serão severamente afectadas pelas alterações climáticas. O Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) fala de mais de 20 milhões de
pessoas que se encontram nesta situação, só na última década. A Cruz Vermelha
estima que sejam 25 milhões.
Números à parte, vejamos os factos. A Convenção
sobre o Estatuto de Refugiado de 1951, com a revisão do protocolo de 1967,
apresenta um conceito muito específico de refugiado. O refugiado tem de ser uma
pessoa perseguida por razões de raça, religião, nacionalidade, associação a
determinado grupo social ou opinião política, que está fora do seu país e não
pode pedir a sua protecção. Muito embora se oiça frequentemente a expressão
“refugiado climático”, a verdade é que juridicamente o estatuto não existe.
Estas pessoas são, actualmente, consideradas migrantes económicos. Isto apesar
da discussão recorrente nas últimas duas décadas e de muitas definições
informais discutidas em grupos de trabalho e fóruns internacionais.
Hoje é comummente aceite que os “refugiados ou
deslocados ambientais” são as pessoas forçadas a deixar o lugar em que vivem,
em virtude de eventos climáticos e ambientais, que colocam em perigo a sua
existência ou afectam seriamente a sua condição de vida. Mas o que são eventos
climáticos? Têm de ser extremos como o afundamento de países (por exemplo
Kiribati)? Ou poderão ser questões como a erosão dos solos, o aquecimento da
água do mar, a contaminação da água potável, a destruição da biodiversidade, a
que assistimos um pouco por todo o mundo?
Em 2013/2014 o mundo seguiu atentamente o que se
passava na Nova Zelândia. Dois casos apareciam nas notícias mundiais: Siego
Alesana, do Tuvalu, e Ioane Teitiota, do Kiribati. Ambos fugiam dos seus países
insulares, que se estão a afundar. Os desfechos dos casos foram diferentes, uma
vez que Siego Alesana viu o seu estatuto de imigrante ser regularizado,
enquanto Ioane Teitiota, que tinha pedido asilo alegando ser um refugiado
climático, viu o seu pedido ser recusado pelo Supremo Tribunal da Nova
Zelândia. E isso ilustra bem as discrepâncias das respostas e a controvérsia da
questão dos refugiados climáticos. Depois da polémica internacional, a Nova
Zelândia admitiu criar uma nova categoria de visto humanitário para pessoas que
moram em regiões do Pacífico vulneráveis ao aumento do mar, que seria limitado
a 100 pessoas anualmente. Podíamos discutir as limitações desta proposta. Já as
nações insulares apostam agora em programas de formação, para criar mão-de-obra
qualificada para futuras migrações. Foi também criado um grupo sobre alterações
climáticas e mobilidade humana que fornece protecção internacional, segundo
certas especificações.
Não havendo “refugiados climáticos”, actualmente quais
poderão ser as estratégias à luz do direito internacional? A modificação da
Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados ou a própria Convenção-Quadro
sobre as Alterações Climáticas, para incluir a protecção dos refugiados ou
deslocados climáticos ou a elaboração de uma nova convenção internacional
específica, são opções a ser estudadas. A União Africana já avançou com um
texto regional que assegura alguma protecção aos deslocados ambientais. Existe
também um projecto de Convenção Internacional sobre o Estatuto Internacional
dos Deslocados Ambientais, proposto por um grupo de juristas franceses. Outras
estratégias mais polémicas sugerem a criação de enclaves noutros países para
acomodar esses “refugiados”. Isto apesar de a história nos ensinar quão
complexos e conflituosos podem ser os enclaves.
Os motivos políticos profundos por detrás da não
consagração do conceito de refugiado climático são claros, uma vez que a
revisão do conceito de refugiado para abranger as pessoas afectadas pelas
alterações climáticas obrigaria os Estados a aceitarem conceder protecção por
tempo indeterminado, como qualquer refugiado. E isso numa escala de centenas de
milhões, em vez das dezenas de milhões de refugiados actuais. As implicações
políticas, logísticas, financeiras são mais do que muitas e por isso o estatuto
teima em não chegar.
Enquanto
a estratégia jurídica continua em debate interminável, surge a questão da
urgência. Há regiões e países inteiros que estão a ficar inabitáveis. Enterrar
a cabeça na areia, à espera de uma solução milagrosa, não é opção. Assim como
não o é deixar à discricionariedade dos Estados e regiões. Sabendo das
violações de direitos humanos graves cometidas por muitos Estados e da pouca
protecção garantida àqueles que não são claramente detentores de protecção
internacional, estamos a navegar em terreno perigoso em termos de direitos
humanos.
Ignorar
o fenómeno, até ele tomar proporções catastróficas, poderá levar a inúmeras
perdas de vida humana, como a situação no Mediterrâneo tão lugubremente
demonstra. Agora restará saber donde virá a coragem política para definir
claramente que estas pessoas não são imigrantes mas refugiados climáticos. Com
toda a protecção que isso implica.
(*) Directora da Associação de Estudos
Estratégicos e Internacionais
Sem comentários:
Enviar um comentário