quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Alemanha: dissensões na coligação de governo


Angela MerkelEstá instalado o desentendimento na coligação de direita CDU-FDP, no poder na Alemanha. Por João Alexandrino Fernandes, de Tübingen, Alemanha, para o Esquerda.net

Segundo as últimas notícias que têm vindo a ser publicadas pelos meios de comunicação social, está instalado o desentendimento na coligação de direita CDU-FDP, no poder na Alemanha. O fundamento imediato das divergências reside na planeada redução fiscal, acordada no contrato de coligação celebrado entre estas duas forças políticas em resultado das eleições do passado dia 27 de Setembro de 2009, estimada em cerca de 15.000 a 20.000 milhões de euros até ao final de 2011.

Conforme vários analistas alemães já tinham apontado, (pode ver-se sobre este assunto a nossa informação com o título "A Alemanha depois das eleições", aqui publicada em 13.11.09) este plano de redução de receitas do Estado terá que ser financiado com novo recurso ao crédito por parte do mesmo Estado e portanto implicará um correspondente aumento da já exorbitante dívida pública. E também, como agora admite o próprio ministro das Finanças, implicaria cortes massivos nos serviços do Estado: o mesmo é dizer, que, para além do novo endividamento do Estado, com o correspondente acréscimo dos juros da dívida pública, para pagar a redução fiscal se teriam ainda que reduzir massivamente contribuições de carácter social, como é o caso das prestações financeiras de apoio ao desemprego e do financiamento da saúde. Ou seja, acabará naturalmente por ser a parte da população mais desfavorecida, porque mais dependente do Estado, a pagar as reduções de impostos, que apenas ou essencialmente beneficiam os estratos sociais mais favorecidos.

O partido que sempre fez desta redução condição de participação no governo foi o FDP. Como também já alguns analistas alemães tinham previsto, (ver a nossa informação de Novembro acima referida), a redução, neste momento, não seria praticável e levaria a conflitos entre a CDU e o FDP, sobretudo entre este último e os ministros-presidentes dos Estados-federados governados pela CDU, o que também já aconteceu em dois casos, embora não tenha causado consequências de maior, porque que os ministros-presidentes decidiram optar pelo alinhamento, pelo menos por agora, com a orientação do governo federal.

Porém, neste momento, é o próprio ministro federal das Finanças que vem assumir que o governo não tem margem de actuação financeira para estes planos e, portanto, assumir as divergências com o FDP no interior do próprio governo federal, pondo em causa o que ficara estabelecido no contrato de coligação. Wolfgang Schäuble diz que a redução, embora pudesse ficar decidida agora, teria que ver a sua concretização prática adiada pelo menos para 2012 ou 2013, aguardando uma eventual recuperação de economia.

O FDP, no entanto, continua a insistir no cumprimento imediato do contrato de coligação, já que foi esta a razão determinante pela qual o FDP quis participar no poder. Porém, o propósito de cumprir semelhante pretensão de redução das receitas do Estado, financiada por sua vez por novos créditos a assumir pelo mesmo Estado e por cortes massivos nas prestações sociais, nas condições actuais da Alemanha, depois do ano de crise financeira de 2009, das verbas colossais gastas pelo Estado no seu contexto, das falência que já ocorreram, estão a ocorrer e que ainda se prevê ocorram em 2010, constitui um tal atentado à razão que mesmo o próprio parceiro de coligação, a CDU, que está muito longe de ser um partido de esquerda, ou de alguma forma conotado com a esquerda, aparenta ter dificuldades em assumir.

Porém, o que parece ainda mais difícil de explicar é a atitude da CDU: este partido não sabia já antes de celebrar o contrato de coligação qual era a situação económica do país? Afinal, antes das eleições de Setembro de 2009, a CDU tinha estado no governo em coligação com o SPD, sob a mesma chanceler Angela Merkel. Surpreende portanto que tenha celebrado um contrato de coligação com o FDP para, quase logo a seguir, constatar que o governo não tem meios para o cumprir.

Segundo o jornal "Süddeutsche Zeitung", citado pelo Der Spiegel, pode estar-se aqui perante uma simples atitude de defesa da imagem política da CDU, ou seja, um simples calculismo político da CDU. Com a proposta de adiamento para 2012 ou 2013, o que a CDU pretenderia seria forçar o FDP a apresentar, também ele, as propostas de poupança interna impopulares, necessárias ao financiamento da redução fiscal já para 2011, com a finalidade de que, perante a opinião pública, não surja o FDP como o partido que concede os benefícios e a CDU como o partido que toma as medidas impopulares para os financiar.

Em qualquer caso, a divergência está instalada. Na própria CDU já surgem vozes de crítica a Angela Merkel, censurando alguma falta de liderança e exigindo-lhe que intervenha mais. Está entretanto agendada uma reunião entre os chefes da coligação para o próximo dia 17 de Janeiro. E no dia 28 de Janeiro terá lugar em Londres a conferência internacional sobre o Afeganistão, onde será debatido o molde futuro da participação da Alemanha na guerra, passando pela questão de saber se o governo alemão irá enviar mais soldados, e em que número. Actualmente encontram-se no Afeganistão cerca de 4 300 soldados, estando autorizado pelo parlamento alemão a participação de um máximo de 4500.

João Alexandrino Fernandes

Fontes: „Streit bei Schwarz-Gelb - Finanzministerium rechnet FDP Steuer-Pleite vor", de 12. de Janeiro de 2010; „Budgetmisere-Finanzministerium will Steuerreform auf nach 2011 verschieben", de 09 de Janeiro de 2010, ambos em Der Spiegel, edição online, www.spiegel.de. „Bundeswehr unterstütz Afghanistan auch 2010", em www.bundesregierung.de, 03.12.09; „Bundeswehr in Afghanistan - Berlin plant Truppenzusage in London", em Frankfurter Allgemeine Zeitung, edição online de 07.01.2010, www.faz.de; „Guttenberg kündigt konzept für Afghanistan an", em Süddeutsche Zeitung, edição online de 07.01.10, www.sueddeutsche.de.

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