sábado, 12 de maio de 2012

AUSTERIDADE DERROTADA NA GRÉCIA


O regime político em que vivemos, denominado democracia, está cheio de truques destinados a manter permanentemente no poder as forças partidárias ideologicamente próximas das convicções políticas dominantes. A desculpa é a necessidade de se formarem “maiorias sólidas”, chegando-se ao ponto, como acontece na Grécia, de o partido que tiver mais votos obter um “bónus” de 50 deputados. Em linguagem futebolística, chegar a uma maioria absoluta desta forma, chama-se “vencer na secretaria”. A vontade popular é completamente falseada tendo-se em atenção que uma das forças partidárias é beneficiada de forma clara, em detrimento das outras e da verdade democrática, sem qualquer justificação.

Desta vez, nem com todas as jogadas de “secretaria”, os partidos do sistema conseguiram obter uma maioria absoluta para continuarem como mandatários das políticas austeritárias ordenadas pela troika. O povo grego decidiu dar um murro na mesa e dizer que está farto de ser enganado.

Qualquer que seja a leitura que se queira fazer dos resultados das eleições na Grécia, há um ponto comum e inevitável: as políticas de austeridade sofreram uma clamorosa derrota apesar das “jogadas de secretaria” e das chantagens de Bruxelas e de Berlim.

A partir de agora, essas chantagens vão-se intensificar, tendo como principal alvo segundo partido mais votado, o SYRIZA, sistematicamente designado como “esquerda radical”, em sentido pejorativo e como forma de amedrontar os eleitores.

O texto da eurodeputada do BE, Marisa Matias, que hoje vem publicado no “Diário As Beiras” salienta as medidas “radicais” que o SYRIZA propõe para a Grécia e o pânico que isso está a causar na UE, não vá o resto da Europa ser contaminada…



E A GRÉCIA AQUI TÃO PERTO

Há alguns meses escrevi sobre a torrente que é o texto”A mais estranha das criaturas”, do poeta Nazim Hikmet. Diz-nos ele: “tu não és um, tu não és cinco, tu és milhões”.

A mais estranha das criaturas é “mais estranha do que o peixe, que vive no mar sem saber o mar”. Referi, na altura, que parecia ser esta a imagem clara dos tempos que vivemos: somos todos parte de uma estranheza cujos contornos estão ainda pouco definidos. A estranheza do futuro próximo e das escolhas que são feitas em nosso nome, a estranheza de nós, criaturas estranhas, não sabermos em que mar vivemos. Os tempos conturbados seriam, por tudo isto, uma oportunidade para transformar a estranheza em responsabilidade e resgatar as oportunidades.

O povo grego deu-nos, no passado domingo, uma oportunidade. Sim, uma oportunidade. Os resultados eleitorais mostraram um sinal claro: a austeridade foi a votos e perdeu em grande. Os dois partidos que lhe deram suporte viram a sua votação reduzida em mais de metade. Por causa de uma lei absurda, que dá de mão beijada 50 lugares ao partido que tiver mais votos, o que, nas urnas, se traduziu numa diferença percentual residual entre o partido mais votado (Nova Democracia) e o segundo mais votado (Syriza) acabou por representar uma diferença significativa nos assentos parlamentares. Como disse Alexis Tsypras, líder da coligação Syriza, tiveram o apoio do povo, mas num contexto assim seria impossível conseguir maioria no apoio parlamentar.

Quando este texto for publicado pode até haver já governo formado. Será certamente fraco e obediente, mas nada será como dantes. As sondagens publicadas na quarta-feira quase duplicavam as intenções de voto da coligação Syriza, passando assim claramente para a primeira posição. Bruxelas dificilmente deixará e tentará arranjar um governo à força. As medidas “radicais” propostas por esta força política – que representa na Grécia o que o Bloco de Esquerda representa em Portugal –, passam por coisas tão estranhas como a recusa das medidas do resgate, a defesa de políticas de devolver aos “de baixo” o que lhes tem sido retirado, o reforço da democracia e o reforço de um europeísmo de esquerda assente na convergência. Bruxelas não quererá que tal radicalidade tenha lugar na sociedade grega porque isso implica uma mudança para toda a Europa. Nestes tempos estranhos, os gregos falaram por eles e por nós. As implicações destas eleições para as nossas vidas são amplas e profundas. Bruxelas pode mesmo nem deixar a reviravolta, mas voltarão a deixar os gregos que Bruxelas saia impune?

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