O professor Júlio Mota, docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, há poucos dias jubilado, é o autor deste excelente texto que retirámos do Diário As Beiras de hoje (30/5). Nele se faz a analogia entre o incêndio de Roma que terá sido “ordenado” por Nero e as políticas recessivas agora impostas aos estados mais “fragilizados”. A conclusão é que, se a solução para estes estados não é a saída do euro mas também não é a permanência na moeda única, então, é muito provável que a solução esteja na modificação da zona euro, de modo a que passe a dar mais atenção aos cidadãos do que aos mercados… Concordamos plenamente!
VENTOS E TEMPESTADES
Lembro-me do que se diz de Nero: que “terá mandado” incendiar Roma, por sonhar com uma cidade arquitectonicamente diferente! Nero, um assassino, nas palavras de Séneca, de Suetone, de Plínio, ou, antes pelo contrário, Nero, o poeta, o político, oposto à casta dos senadores e da nobreza? Nero, um letrado, um cantor, um músico, um político que pretendia as suas ligações directas com o povo, que acusou os cristãos de serem os responsáveis pelo incêndio?
O incêndio de Roma – forma radical de impor um novo plano de ocupação dos solos e de remodelar a capital do Império e edificar à sua desmedida a sua morada, o imponente Domus Aurea? Um cenário onde poderia colocar em prática a sua ligação com a plebe? Punição, renovação, redenção, é esta uma das leituras para o crime hediondo, se crime houve, de Roma a arder.
No mínimo, diríamos que é curiosa esta argumentação, sendo este paralelismo com a situação actual que nos leva a pensar nos Neros modernos, dada a ideia de punição, de expiação, de redenção agora presente nas políticas impostas aos Estados fragilizados. Os cristãos acusados por Nero são substituídos pelos trabalhadores que têm de pagar a crise e para a qual não contribuíram.
Forçada esta analogia? Dir-me-ão que o paralelismo com Nero é abusiva mas que dizer então da posição assumida por um analista do BNP, Mathieu Mucherie, quando afirma: “Nós somos todos vítimas de uma seita (o Bundesbank) a quem se terá dado as chaves do Vaticano e os códigos para a utilização da força de destruição maciça, da força de destruição nuclear, da força política capaz de destruir a Europa”.
Forçada esta analogia? Mas que dizer ainda de um texto de Edward Hugh quando relativamente às políticas de austeridade diz: “Naturalmente, a austeridade não é popular e, evidentemente, não funcionou conforme se esperava, mas isto também já era sabido antes de se iniciar esta trajectória e, por isso, não é realmente uma surpresa. Mas que alternativa aplicar para uma periferia prisioneira da e na zona euro, pois se deixarem a moeda única e entrarem em incumprimento face ao pagamento das suas dívidas, ficarão numa situação de verdadeiro caos. Mas, permanecendo na moeda única, estes países ficarão igualmente num caos! Claro que os países da Zona Euro poderiam ter um casamento à força, mutualizar as dívidas, ter um excedente da balança corrente e tornar-se um segundo Japão. Mas para onde foi o Japão? Neste quadro não existem respostas fáceis e são esperadas algumas ainda bem mais difíceis de aceitar”.
Se assim é, se o pior ainda está para vir, e sendo a situação o que já é, podemos pois legitimamente afirmar que a Europa está então sujeita aos Neros modernos que, por sua vez e por serem mais velhos que a referência, que o modelo, agem de modo a que a Europa se venha a desfazer em lume de chama lenta que não se vislumbra mas que queima intensamente, a menos que os consigamos impedir de levar a cabo a obra de destruição que têm estado a realizar.
Não há saída fora do euro é a opinião de Edward Hugh e é a nossa opinião também, mas não se vislumbra saída dentro da zona euro tal qual ela está. A solução não estará nem em sair, nem em ficar na zona euro como está, mas em modificar a zona euro e de, através dela, encontrar hoje solução para os problemas de ontem, dando-lhes resposta pela construção, não de um amanhã dos mercados mas de um amanhã dos cidadãos. E é contra o projecto de uma outra Europa que não seja a dos capitais que se colocam os fundamentalistas, como estes três anos o mostraram à saciedade e como o mostram à evidência também, as declarações do presidente do Bundesbank.
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