Sem um desenvolvimento sustentável a humanidade caminha para o colapso em pouco tempo. O sistema capitalista e, em especial a sua agressiva versão atual identificada pelo neoliberalismo, está provado, é incompatível com um desenvolvimento sustentável. Os mercados e o capital financeiro, entidades não submetidas a qualquer escrutínio democrático, não podem continuar a determinar o nosso destino coletivo, ignorando a vontade e os interesses da maioria da população e a sobrevivência da humanidade. Por exemplo, é cruel que existam no mundo cerca de mil milhões de pessoas com fome, ao mesmo tempo que se assiste a uma especulação desenfreada à volta do cultivo de produtos para a alimentação das populações. Em detrimento destas, opta-se por cultivos que se destinem à produção de biocombustíveis simplesmente porque proporcionam negócios mais rentáveis para alguns. Este é um dos muitos exemplos que poderemos apontar e que vem referido no texto seguinte que transcrevemos da edição de ontem do “Diário de Coimbra”.
Rio+20: Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
Realiza-se em Junho, no Rio de Janeiro, a conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Este grande evento, que se anuncia com a designação abreviada de Rio+20, acontece duas décadas após a conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A conferência de 1992, dita Cimeira do Rio ou Cimeira da Terra, mobilizou governos e organizações da sociedade civil de forma extraordinária, tendo contado com a presença de mais de cem chefes de Estado e com a participação de cerca de cem mil pessoas noa diversos eventos associados.
Escolho este tema porque acredito no papel persuasor das organizações internacionais, em especial das Nações Unidas (utopia e realismo; haverá outro alicerce para o progresso da humanidade?). Entendo que uma crise mundial como a que vivemos, deve incitar à procura de compromissos e todas as oportunidades criadoras de consenso global devem se abertamente aproveitadas. Por outro lado, o desalento que subjuga as sociedades em resultado da crise financeira, não estará muito distante do sentimento que sobreveio ao descrédito em que caíram as sucessivas tentativas de comprometer os Estados com modelos de governação sustentável, respeitando o ambiente global. Apesar dos objectivos da sustentabilidade, as últimas duas décadas promoveram um modelo económico baseado no consumo, que foi convivendo com níveis escandalosos de pobreza e de desigualdade.
Justifica-se, em parte, este insucesso, pelo facto dos objectivos da Cimeira do Rio terem sodo traçados sobre pressupostos que colocavam a sustentabilidade ambiental na base da sustentabilidade social e económica, em coerência aliás com a conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (Estocolmo de 1972). Seja como for, o número de convenções e de acordos internacionais resultantes das sucessivas conferências globais é impressionante, pese embora a sua implantação tenha defraudado as piores espectativas. Por outro lado, a presunção de que o desenvolvimento humano e a preservação do ambiente poderiam ser objectivos realistas num quadro de princípios e valores associados a um sistema económico projectado sem ter em conta esses objectivos, revelou-se um equívoco. Este sistema aprofundou as desigualdades, delapidou os recursos naturais e colocou a humanidade à beira do abismo, comprometendo a salvaguarda dos sistemas que suportam a vida no planeta. O próprio sistema financeiro se tornou mais instável e foi vivendo sobressaltos arrasadores desde a cimeira do Rio, em especial destaque para a mais recente crise da dívida, em 2008.
Um dos exemplos que melhor revela o absurdo do actual sistema de valores, é o que se tem verificado no sector alimentar. O mundo tem cerca de mil milhões de pessoas com excesso de peso e aproximadamente o mesmo número de cidadãos al alimentados. O comércio global neste sector tornou-se de tal forma movediço e manipulado pela especulação dos mercados financeiros, que assistimos a uma feroz competição entre o uso do solo agrícola para consumo humano e o seu (ab)uso para culturas que servem para alimentar automóveis (biocombustíveis).
A cimeira Rio+20 realiza-se num tempo de profunda incerteza, mas oferece uma nova oportunidade para celebrar compromissos e precipitar outro modelo de desenvolvimento. Certamente que haverá lugar para acordos urgentes, que permitam afirmar a conservação da natureza e reivindicar o uso sustentável dos recursos naturais e um combate mais efectivo às alterações climáticas, mas o acordo que a humanidade mais reclama, passa pela definição de uma agenda política para a transição do modelo económico, colocando a sustentabilidade económica na base das transformações desejadas. (Helena Freitas, Professora da Universidade de Coimbra)
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