Numa altura em que se assiste a uma generalizada descrença de grande parte da população sobre o futuro que nos espera, a que se junta um agressivo sistema de desinformação que contribui ainda mais para distrair as pessoas do verdadeiro significado do que vai acontecendo à nossa volta, torna-se importante que os menos vulneráveis à propaganda traiçoeira divulguem, o mais possível a realidade que nos cerca, despida de quaisquer subterfúgios. Por isso, não resistimos a deixar aqui um excerto da crónica que Sousa Tavares assina esta semana no “Expresso” com o título O BODO AOS POBRES.
Terça-feira passada, o que a Jerónimo Martins fez foi um gesto de pura arrogância empresarial, uma operação reveladora do profundo desprezo e desrespeito pelos seus clientes, disfarçada de caridadezinha social. E não apenas por o fazer sem aviso num primeiro de maio – o que, já de si e para mais na situação atual, revela uma profunda ignorância histórica e uma atitude de “vale tudo”. Mas atirar descontos de 50% aos pobres, como outrora os senhores ricos atiravam moedas aos pedintes à porta das igrejas e ficar a gozar o espetáculo da multidão a disputar a esmola, é a direita novecentista no seu pior, é juntar o insulto à pobreza.
Na televisão, vi o sr. Luís Araújo, chefe de vendas do Pingo Doce, afirmar que o espetáculo degradante vivido nas lojas do grupo era “espectável” – ou seja, fora previsto e aprovado. E ouvi-o também afirmar, sem um pingo doce de vergonha, que a operação fora motivada pelo desejo de “não faltar aos nossos consumidores no momento em que eles mais precisam”, pois que era “altura de ajudar os consumidores e os cidadãos”. Só não o ouvi responder às perguntas que mais interessavam: perderam ou ganharam dinheiro com a operação? Se perderam, quer dizer que ocorrerem no crime de dumping e que a margem de lucro é tamanha que se podem dar ao luxo de perder voluntariamente dinheiro (a menos que sejam os seus fornecedores quem venha a ser chamado a pagar esta genial operação de marketing…); mas se, afinal, ganharam dinheiro, onde está a generosidade para com os seus consumidores? E outra pergunta que gostaríamos de ver respondida é por que razão, sendo tanta a preocupação social do Pingo Doce com as dificuldades dos seus clientes, em lugar de um blitz de 50% de desconto, que durante um dia nos transformou num país de quarto mundo, não baixam antes os preços 10% durante, digamos, seis meses ou um ano inteiro”? O que mais não faltam são ideias, decerto menos espetaculares, para nos compensar pelos impostos que aqui deixaram de pagar, ao contrário de todos nós… (…)
Sem comentários:
Enviar um comentário