A sociedade europeia encontra-se em grande agitação, à procura de um novo rumo, numa altura em que, bem vistas as coisas, as políticas neoliberais, além de não conseguirem resolver os problemas prementes que nos afligem, vêm, antes, agravá-los. Também não é menos certo que a esquerda, muito dividida por culpa própria e, em grande parte capturada pela doutrina neoliberal, não tem apresentado alternativas com força suficiente para motivar as populações para uma mudança necessária. Como resultado de tudo isto, cresce a desilusão dos cidadãos que acabam, muitas vezes como forma de protesto, por entregar o seu voto a partidos de extrema-direita, xenófobos ou mesmo declaradamente nazis.
O texto seguinte, que transcrevemos do “Diário de Coimbra” de hoje, aborda esta temática, tendo como pano de fundo as importantes eleições que no próximo domingo vão ter lugar em França e na Grécia, terminando com significativas advertências que devemos ter em conta.
Já é tempo
Por razões diferentes as eleições presidenciais francesas e as legislativas na Grécia, no próximo domingo, não deixarão de expressar os movimentos contraditórios, que devassam as sociedades europeias.
Se o que resta da esquerda europeia vê a eleição do socialista Francois Hollande como o início de uma reviravolta nas políticas indigentes, que têm sido seguidas nos últimos anos, o que, convenhamos, é um cargo demasiado para um só homem, não menos importante e, até paradoxal, é a vontade subliminar da extrema-direita de Marine Le Pen na derrota de Sarkozy, já que só lhe interessa a refundação da direita francesa, garantida pelo 18% que obteve na primeira volta das presidenciais, já nas próximas eleições legislativas, que decorrem entre 10 e 17 de Junho.
No caso grego, além da curiosidade em conhecer os resultados dos dois partidos que têm governado o país, desde o fim da ditadura militar (1974) – os socialistas do Pasok e a direita da Nova Democracia – a questão de fundo poderá materializar-se na expressão eleitoral que terá o partido neonazi (Gregos Independentes) ou as formações que defendem a desobediência civil.
Se o voto popular grego vier a reforçar o movimento nazi, que já esteve na origem da guerra civil, após o último conflito mundial, acompanhará a tendência que se tem vindo a verificar em vários países europeus. Recordo ao “Democratas Suecos”, os “Verdadeiros Finlandeses” (19%), o “Partido do Povo da Dinamarca”, que participou ou apoiou parlamentarmente os dois últimos governos, o “Partido Popular do Progresso da Noruega” (22,9%), de onde saiu já célebre assassino Breivik, o “Jobbik”, que defende o regresso à “Grande Hungria”, o austríaco “Partido para a Liberdade” (18%), a “Liga do Norte”, na Itália, os flamengos do Vlaams Blok, os xenófobos suíços da UDC e PVV de Greet Wilders, terceira formação holandesa responsável pela recente queda do governo e sem pretender ser exaustivo, não evocando os ex-países do leste europeu.
Tudo isto acontece quando o empobrecimento generalizado se banaliza e se assiste à transformação da dívida financeira em dívida social, responsabilizando os mercados ou as agências de notação por tais derivas.
Já é tempo, cinco anos depois da explosão da crise, de nos entendermos e constatarmos que o modelo capitalista que nos propõem é completamente incapaz de assegurar a prosperidade e o bem-estar das nossas sociedades.
Já é tempo de deixarmos de evocar os paraísos fiscais, os fundos especulativos, os mercados de derivados, o permanente vendaval nos preços das matérias-primas ou as indecentes disparidades de rendimentos como explicação possível para este mal viver.
Já é tempo e no respeito pelas gerações passadas, que tantos sacrifícios fizeram para nos legar uma sociedade mais justa, de qualificar o momento presente como resultante de um totalitarismo financeiro e, nesta qualidade, ter de ser combatido.
O saque de dinheiros públicos, que representa o caso BPN, não é um mero caso de polícia, com as inconsequências habituais da justiça. Antes deve ser encarado nesse entendimento. (João Marques, diplomado em ciências da comunicação)
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