domingo, 1 de julho de 2012

A CAMINHO DO ABISMO

Uma parte significativa do povo português já deve ter chegado à conclusão de que os sacrifícios que nos foram pedidos há 1 ano em nome de amanhãs que cantam não serviram para nada porque neste momento nos encontramos pior do que na mesma altura de 2011. A estratégia adoptada pelo Governo só podia dar neste monumental falhanço como muita gente previu. Aliás, nem sequer seria necessário ter muitos conhecimentos de economia para antecipar a situação actual. Bastava um raciocínio simples e alguns conhecimentos de história.

Mais uma vez os números não enganam e são de tal maneira eloquentes que não são passíveis de qualquer manipulação. Como é fácil verificar pelos números que vieram a público, os desvios em relação ao que fora previsto são brutais e não podem se assacados aos efeitos da conjuntura internacional. Trata-se, isso sim, de muita incompetência a que se juntam monumentais doses de fanatismo ideológico e desconhecimento da realidade portuguesa como afirma Nicolau Santos no suplemento Economia do Expresso de ontem e que se transcreve as seguir.

 
A caminho de um falhanço colossal

Não poupemos nas palavras. Um ano após ter tomado posse e definido uma estratégia que foi claramente mais longe do que aquilo que estava acordado com a troika, o Governo está á beira de um falhanço colossal em matéria de Orçamento de Estado.

Não é caso para todos os que disseram e escreveram que esta estratégia só podia acabar nisto se ufanarem. Estando à beira do abismo o primeiro-ministro já admitiu que não hesitará em dar o passo em frente, só para provar aos mercados e aos nossos parceiros externos a sua fortíssima determinação em ultrapassar o acordo com a troika, mesmo que isso signifique lançar medidas de austeridade, que cairão em coma do já muito fustigado lombo da generalidade dos portugueses, na alegórica linguagem do primeiro-ministro.

Se fosse outro Executivo a protagonizar este falhanço, cairia o Carmo e a Trindade com acusações de incompetência e incapacidade para travar o despesismo do Estado. Ora perante um Governo que calculou que o IVA ia crescer 11,6% e está confrontado com uma descida de 2,8% até Maio; com uma quebra nos impostos sobre veículos que estava prevista ser de 6,5% e já vai em 47% (!); com um recuo esperado de 2,1% no imposto sobre produtos petrolíferos, que ascende já a 8,4%; com um aumento do subsídio de desemprego de 23%, quando o Executivo apontava para 3,8%; e com uma quebra nas contribuições dos trabalhadores e empresas para a segurança social de 3% quando se esperava apenas 1% - o que se pode dizer senão que se trata de um falhanço verdadeiramente colossal da equipa das Finanças e, em particular, do brilhantíssimo e competentíssimo ministro Vítor Gaspar?

Não, não douremos a pílula. Este descalabro não resulta das alterações dramáticas da conjuntura internacional, que tenham desvirtuado drasticamente as bases em que assenta o Orçamento de estado de 2012. Este descalabro resulta do profundo desconhecimento de como funciona a economia portuguesa, reduzida a uma folha de Excel onde qualquer medida X terá sempre o resultado Y; resulta da desvalorização ostensiva dos sucessivos sinas de estrangulamento financeiro das pequenas e média empresas nacionais, devido à brutal travagem no crédito bancário; resulta da convicção profunda de que depois de falirem milhares de empresas, de explodir o desemprego e da economia atravessar uma profunda recessão, se reerguerá das cinzas com grande facilidade como uma fénix renascida; e resulta ainda do autismo germânico do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, que nunca puseram em causa se seria possível fazer o ajustamento previsto de acordo com a troika, no tempo, com o financiamento e as condições que nos foram exigidas.

Diz-nos o ministro das Finanças que na análise da sua equipa a economia portuguesa ainda não está em fase de exaustão fiscal. Se a esta afirmação juntarmos a do primeiro-ministro, que admite novas medidas de austeridade se necessárias, então só podemos recear que mais impostos venham a ser lançados sobre o rendimento das famílias e empresas – a não ser que a troika nos dê mais tempo para cumprir o défice de 3% ou que aceite que receitas extraordinárias contem para o défice deste ano. Em qualquer caso, quando é mais do que evidente que o garrote fiscal está a estrangular a economia e que mais impostos vão provocar ainda mais recessão e menos receita fiscal, é extraordinário que o primeiro-ministro e ministro das Finanças insistam neste caminho. Já não é fé na receita, mas apenas a mais absoluta irracionalidade.

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