A marcha dos mineiros asturianos e lioneses em direcção a Madrid não tem tido na comunicação social portuguesa o relevo que a sua importância justificaria. Basta para isso termos em atenção as centenas de milhares de pessoas que lhes manifestaram o seu apoio à chegada à capital espanhola. Para além da defesa dos seus postos de trabalho, a acção dos mineiros também é simbólica em relação à denúncia do favorecimento do sector financeiro em detrimento de quem produz riqueza. Em Espanha e por toda a Europa, a banca é apoiada com dinheiros públicos com prejuízo para sectores como a saúde, a escola ou os apoios sociais, e nefastas influências no desemprego para só mencionarmos os principais.
Como diz Daniel Oliveira no texto seguinte que assina no “Expresso” de hoje, “com pequenas variações, a história repete-se por quase toda a Europa”. Trata-se de mais uma das muitas denúncias que os sectores que se opõem ao terrorismo neoliberal vêm fazendo desde a eclosão da crise.
Centenas de mineiros das Astúrias e de Lyon marcharam durante 19 dias. Ao longo de centenas de quilómetros, foram sendo sovados pela polícia. Mas a “Marcha Negra” acabou por chegar a Madrid. E tinha 400 mil pessoas à sua espera. Um protesto motivado por razões que até podem ser discutíveis – o fim dos apoios do Estado às minas –, rapidamente se transformou num símbolo para um país enraivecido. Mais do que o resgate às minas, era o resgate dos bancos que estava em causa. Como é que um governo tão generoso com quem nada produz pode ser tão avaro com a vida de quem trabalha? A esta pergunta o governo respondeu sem rodeios: com uma carga policial.
Com pequenas variações, a história repete-se por quase toda a Europa. O dinheiro que os trabalhadores descontam do seu salário para pagar impostos é usado, diretamente ou através dos juros pagos pelos “resgates” europeus, para salvar os bancos. Porque não sobra mais, retiram-se meios ao Serviço Nacional de Saúde, à Escola Pública e aos apoios sociais e transferem-se funções do Estado para o privado. Mas o resgate do setor financeiro não se faz apenas à custa do Estado Social. Faz-se à custa do crescimento do emprego.
Por todos os governos da Europa, os quadros dos maiores grupos financeiros ocupam, já sem delegarem essa função em ninguém, os ministérios-chave. Em Espanha o ministro da Economia é Luís Guindos, ex-presidente da Lehmon Brothers (instituição financeira que deu o tiro de partida para a catástrofe) em Espanha e em Portugal. Num ambiente de selvajaria política, onde já nem as aparências interessam, os ocupantes do poder garantem para si e para os seus um estatuto de exceção que os deixe a salvo de sacrifícios. Como aquele que o nosso governo ofereceu aos quadros partidários que instalou no Estado, dando-lhes os subsídios que retirou aos restantes funcionários públicos. E quando as pessoas se revoltam usa-se o mais velho dos argumentos: o bastão.
Vivemos um tempo histórico. Não sei se dele resultará uma “revolução sem esperança”, imposta através da subversão da democracia, ou se assistimos apenas à pilhagem antes da derrocada final de um setor financeiro que, desde o final dos anos 70, se habituou a viver acima da lei. Sei que quem julga que pode continuar a fazer a política de sempre, como se vivesse num clima de normalidade democrática, estará condenado á irrelevância. Esta austeridade é incompatível com a democracia. Agora é escolher: ou uma ou outra.
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