A Igreja Católica é uma instituição profundamente conservadora e muitas vezes acusada, com razão, de se colocar ao lado de ricos e poderosos contra aqueles a quem preferencialmente deveria dar o seu apoio. Também sucede, muitas vezes, que faz vista grossa a manifestas situações de injustiça social com origem numa inadmissível e iníqua distribuição da riqueza. Mas os tempos que correm não deixam ninguém indiferente perante as causas da profunda degradação social a que estamos a assistir em Portugal. Felizmente que temos vindo a assistir a tomadas de posição de figuras de relevo – e outras – da hierarquia católica, que denunciam abertamente o poder económico e o “poder político que o serve” pela responsabilidade do empobrecimento a que estão a ser lançadas centenas de milhares de pessoas. O texto seguinte constitui uma parte de um artigo de opinião, São corrupções, Senhor…!, que extraímos do “Diário de Coimbra” do domingo (8/7), onde se descreve uma desassombrada denúncia, por parte de um pároco, da corrupção com que somos confrontados todos os dias.
Não me passava pela cabeça ouvir tão vigoroso e empolgante discurso, na saudação à Rainha Santa, como o proferido na noite de quinta-feira [5 Julho] pelo pároco de S. Bartolomeu, Jesus Ramos. Há que denunciar a corrupção, “sem medo”, como disse o orador.
Não sou um devoto da Rainha Santa, porque me faltam evidências históricas para acreditar nos seus milagres. Mas satisfaço-me com as lendas que a contam como Rainha dos Pobres e pessoa sensibilizada pelas enormes injustiças sociais. E foi por aqui que Jesus Ramos começou o seu bem estruturado discurso.
Denunciou a corrupção do poder económico e do poder político que o serve, como o maior ataque que se faz às sociedades contemporâneas, responsável pelo empobrecimento de milhares de cidadãos e famílias. Através dele, a Igreja cumpriu o seu dever e só não se entende que não tenha sido o chefe da diocese a fazê-lo, juntando a sua voz às dos bispos Januário Torgal Ferreira e José Policarpo. Para além de acto criminoso que a justiça julga com grande lentidão e por vezes mal, por compreensível falta de provas, a corrupção é também, aos olhos da Igreja, um acto pecaminoso a que a sua hierarquia não pode ficar indiferente. Por isso, o padre Jesus Ramos esteve muito bem e cumpriu um dever que lhe é imposto pela doutrina social da Igreja.
Repare-se nisto. O dinheiro é um bem finito e, por isso, para aumentar no bolso de alguém, tem necessariamente de faltar no bolso de outro. Portanto, quando obtido de forma ilícita, como é caso da corrupção, está-se na presença de um crime que lesa as sociedades, ao ponto, como agora está a acontecer, de atirar para a pobreza milhares de famílias. E para piorar as coisas, tenta-se transformar o empobrecimento numa cultura de poder e numa inevitabilidade. Retiram-se oportunidades de escolha aos cidadãos, para depois se consumar uma autêntica usurpação ilegítima do poder político. Tudo isto, implícita ou explicitamente, esteve no discurso de Jesus Ramos.
Pena foi que Miguel Relvas não tivesse ouvido aquela alocução que, na melhor das hipóteses, o teria enchido de vergonha. Como sempre, está atentar escudar-se na legalidade de uma licenciatura, com 34 cadeiras e seis semestres, concluída em apenas um ano e quatro exames. E a mentira, para ele, não passa de um lapso. Ao que parece, a Universidade Lusófona acreditou piamente no curriculum que ele apresentou e deu-lhe, por isso, a aprovação automática e administrativa em 30 cadeiras, ou coisa parecida. Podíamos supor que o CV de Miguel Relvas é qualquer coisa de excepcional, capaz de conduzir o Conselho Científico de uma douta e honrada universidade e de insuspeita e de insuspeita probidade. Mas esse CV devia ser sindicado, porque o aluno Relvas já tinha mentido, sobre a mesma matéria, ao parlamento. Quantos portugueses serão capazes, hoje, de acreditar numa única palavra pronunciada por Relvas? Provavelmente, já nem a própria família. (…) (Sérgio Borges)
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