O actual governo, faz jus à área ideológica radical a que pertence na gravíssima questão do desemprego, considerando-o apenas um dano colateral das brutais medidas de austeridade. Passos e Portas revelam um criminoso alheamento em relação à destruição de postos de trabalho que não pára de crescer e cujo fim não está à vista. Como se sabe, Portugal tem a terceira mais alta taxa de desemprego da zona euro, logo a seguir à Espanha e à Grécia. Como consequência, a pobreza aumenta a olhos vistos sem que se vejam quaisquer medidas para a conter. Também cresce a percepção de que há cada vez mais gente que, apesar de ter trabalho e salário, este é tão baixo que não consegue tirar muitas famílias da situação de pobreza.
Este texto que retirámos do “Público” de hoje, aborda, de forma muito significativa, esta problemática, a consequência mais grave da austeridade que nos foi imposta do exterior, aceite e aumentada pela troika interna.
CRISE SOCIAL E DEMOCRACIA
Num ambiente de pós-crise financeira internacional - ante uma inexplicável ausência de reforma do sistema financeiro internacional e o agudizar das situações financeiras, económicas e sociais de muitos países -, confrontados com a necessidade de gerir as fortes "sequelas" sociais desta crise, os denominados "países do Sul" da Europa enfrentam o maior problema de qualquer sociedade: o aumento do desemprego.
Com os dados do Eurostat a indicarem que a taxa de desemprego na zona euro atingiu, em Maio último, os 11,1%, encontrando-se desempregadas 17,56 milhões de pessoas (mais 88 mil do que no mês anterior), é sobretudo de assinalar a existência de uma forte disparidade entre as taxas de desemprego das economias da zona euro, ou seja, as apuradas nos países do centro e do Norte da Europa, por um lado, e nos países do Sul, por outro. De facto, enquanto a Espanha (com 24,6%), a Grécia (com 21,9% em Março último) e Portugal (15,2%) assinalam as mais altas taxas de desemprego, outros países, como a Áustria (com 4,1%), a Holanda (com 5,1%), o Luxemburgo (com 5,4%) e a Alemanha (com 5,6%) sobressaem com as mais baixas.
E, perante um conjunto de severas políticas de austeridade (de natureza financeira, fiscal, social e laboral) impostas nos "países do Sul" da zona euro, prevendo-se uma contração do PIB este ano, estima-se que as taxas de desemprego nestes países aumentem, ainda mais, nos próximos meses. Nestes países, mas muito em particular em Portugal, preocupa não só a subida do desemprego, como, a par, o tendencial aumento da pobreza. A este respeito, diversos estudos internacionais (em particular os desenvolvidos pelo Eurofound - The European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions) demonstram que, em consequência da crise de 2007/2008, nos países da União Europeia a pobreza tem aumentado junto de muitos agregados familiares da chamada "classe média", pelo que importa identicamente - atendendo ao objectivo de definir estratégias de coesão social - considerar esta realidade multidimensional e, especificamente, o fenómeno social mais inquietante da actualidade: "a nova pobreza". É que para lá da denominada "pobreza geracional" - isto é a pobreza que resulta de um ciclo de pessoas que "nascem pobres, vivem pobres e morrem pobres", transmitindo geracionalmente esse ciclo de vida - emerge agora uma outra realidade: muitas famílias, que antes desta crise não eram pobres, confrontadas com inesperadas situações de desemprego ou, mesmo trabalhando mas sofrendo reduções salariais, resvalam para situações de pobreza.
Ora, como o vai demonstrando a investigação nesta matéria, trabalhar e deter um emprego, por si só, já não é suficiente para afastar as famílias da pobreza ou do risco de pobreza, dado que muitas auferem rendimentos de tal forma baixos que são insuficientes para satisfazer as suas carências básicas e, neste sentido, urge reconhecer - designadamente atento o desígnio de um crescimento inclusivo - o fenómeno da pobreza associado ao desemprego e ao crescente número de trabalhadores pobres (working poor) como um problema prioritário no âmbito das políticas públicas.
Assim, diante desta realidade, e a perceção de que pode aumentar junto de alguns grupos da população o sentimento de injustiça e de falta de equidade social, exige-se uma acrescida sensibilidade social por parte do poder político para lidar com eventuais situações de manifestação de descontentamento social.
Desde logo, porque são as fortes crises sociais que colocam os maiores desafios à democracia e - como enfatizava o ensaísta português António Sérgio - " (...) é de necessidade que seja assim, porque a autoridade nunca pode ser senão um meio (...) e a autoridade só se justifica quando é um meio para a liberdade". (Glória Rebelo)
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