terça-feira, 16 de julho de 2013

COMPROMISSO ANTIDEMOCRÁTICO


É por demais conhecida a opinião do Bloco sobre o actual Presidente da República. Neste blog também já deixámos bem expresso o nosso ponto de vista sobre este tema, para que não restem quaisquer dúvidas. Não vale a pena, por isso, nos estarmos a repetir.

De qualquer maneira, há uma evidência que não podemos deixar de realçar: o 2º mandato do prof. Cavaco tem sido uma confirmação, pela negativa, do seu fraco apego pela democracia, como podemos confirmar através da sua recente declaração ao país, onde propõe aos partidos do arco da troika o já tão comentado “compromisso de salvação nacional”. Ao contrário do que já alguém apelidou de “delírios” do Presidente, estamos, isso sim, perante uma bem delineada estratégia para amarrar os três partidos a um conjunto de acordos que esvaziem de significado os próximos actos eleitorais para a Assembleia da República. Em especial, o PS deve estar muito atento para não se deixar enredar voluntariamente nesta teia, muito inteligentemente urdida, diga-se de passagem, mas não indetectável.

Como muito bem afirma Daniel Oliveira no Expresso de sábado passado (16/7), a estratégia de Cavaco é “marcar o resultado antes de o jogo começar”, ou seja, apenas ouvir os portugueses quando tudo de essencial estiver decidido, confrontando-os com “inevitabilidades sem discussão”.

Sendo que em toda a trama não se encontra qualquer indício de ilegalidade, a verdade é que, como afirma hoje Vítor Malheiros no excelente texto que assina no Público, ela configura aquilo a que, com alguma pertinência, se pode apelidar de um “golpe de estado light”. Não é por acaso que toda a direita, através dos seus porta-vozes na comunicação social, aplaude a proposta presidencial.

Como complemento, achámos interessante deixar um excerto do texto acima referido.

A InSaNa [Iniciativa de Salvação Nacional] tem alguns pressupostos claros. Cavaco Silva acha que a salvação nacional só se alcança se se obedecer sem hesitações ao memorando da troika e às suas diferentes versões, actuais e futuras; se os três partidos do arco da troika deixarem de discutir política entre si e concordarem com cortes de 4700 milhões de euros no Estado; se, na campanha das próximas eleições legislativas, não houver "crispação entre as diversas forças partidárias", o que se consegue se todos defenderem a mesma política; se for o Presidente da República a tutelar os partidos, porque estes, entregues a si mesmos, não defendem o interesse nacional; se se votarem ao ostracismo os partidos que defendem políticas alternativas à troika; e se só se recorrer a eleições em último caso, porque elas são um factor de instabilidade.

A intervenção de Cavaco merece críticas de muitos pontos de vista. É criticável, antes de mais, porque se insere numa retórica antidemocrática contra os partidos que a crise tem vulgarizado e que se vê avalizada. É ilegítima porque pretende impor aos partidos que assinaram o memorando um programa político para o imediato, para as próximas eleições e para o Governo que sairá delas. É ilegítima porque contraria o que o próprio Presidente tem dito sobre a leitura que faz dos seus poderes e sobre a dependência do Governo perante o Parlamento. É ilegítima porque impõe o Presidente como tutor do Governo. É ilegítima porque visa limitar a liberdade de acção dos partidos em geral e dos que formam ou podem vir a formar Governo em particular, limitando o confronto ideológico e o debate político que estão na base das escolhas democráticas. É ilegítima, finalmente, porque faz uma opção ideológica sectária, que pretende impor uma prática governativa que nada permite defender que seja maioritária.

Poder-se-ia defender que tudo isso é aceitável em nome da "emergência nacional". Mas o Presidente não tenta apenas desbloquear o sistema, dando-lhe um empurrão para que ele possa andar sozinho. A tutela que Cavaco quer impor é uma tutela de longo prazo, que visa amputar o espectro político de opções à esquerda e condicionar a acção política durante muitos anos. Cavaco acha que a democracia não é do interesse nacional e propõe-se dirigir o país, mantendo os partidos, o Parlamento e o Governo numa situação de capacidade diminuída, como verdadeiro vice-rei da troika. É um golpe de Estado light, que formalmente não ultrapassa os poderes constitucionais do Presidente e que os partidos do arco da troika aceitam por pusilanimidade.

John Stuart Mill dizia que um dos principais argumentos em favor da liberdade de expressão era o facto de ela garantir que não se abafava a verdade. A questão é semelhante: e se a opção que Cavaco tenta reprimir e abafar fosse a única salvação possível? E se a renegociação, com uma moratória ao pagamento de juros e o corte da dívida, fosse a única opção possível, como pensam a maior parte dos economistas não comprometidos com os bancos e os partidos excluídos por Cavaco? E se a opção que Cavaco está a impor apenas garantisse a destruição do país e a escravidão dos portugueses?

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