É por demais conhecida a
opinião do Bloco sobre o actual Presidente da República. Neste blog também já
deixámos bem expresso o nosso ponto de vista sobre este tema, para que não
restem quaisquer dúvidas. Não vale a pena, por isso, nos estarmos a repetir.
De qualquer maneira, há
uma evidência que não podemos deixar de realçar: o 2º mandato do prof. Cavaco
tem sido uma confirmação, pela negativa, do seu fraco apego pela democracia,
como podemos confirmar através da sua recente declaração ao país, onde propõe
aos partidos do arco da troika o já tão comentado “compromisso de salvação
nacional”. Ao contrário do que já alguém apelidou de “delírios” do Presidente,
estamos, isso sim, perante uma bem delineada estratégia para amarrar os três
partidos a um conjunto de acordos que esvaziem de significado os próximos actos
eleitorais para a Assembleia da República. Em especial, o PS deve estar muito
atento para não se deixar enredar voluntariamente nesta teia, muito
inteligentemente urdida, diga-se de passagem, mas não indetectável.
Como muito bem afirma
Daniel Oliveira no Expresso de sábado passado (16/7), a estratégia de Cavaco é
“marcar o resultado antes de o jogo começar”, ou seja, apenas ouvir os
portugueses quando tudo de essencial estiver decidido, confrontando-os com
“inevitabilidades sem discussão”.
Sendo que em toda a trama
não se encontra qualquer indício de ilegalidade, a verdade é que, como afirma
hoje Vítor Malheiros no excelente
texto que assina no Público, ela configura aquilo a que, com alguma pertinência,
se pode apelidar de um “golpe de estado light”. Não é por acaso que toda a
direita, através dos seus porta-vozes na comunicação social, aplaude a proposta
presidencial.
Como complemento, achámos
interessante deixar um excerto do texto acima referido.
A
InSaNa [Iniciativa de
Salvação Nacional] tem alguns
pressupostos claros. Cavaco Silva acha que a salvação nacional só se alcança se
se obedecer sem hesitações ao memorando da troika e às suas diferentes versões, actuais e futuras; se os
três partidos do arco da troika
deixarem de discutir política entre si e concordarem com cortes de 4700 milhões
de euros no Estado; se, na campanha das próximas eleições legislativas, não
houver "crispação entre as diversas forças partidárias", o que se
consegue se todos defenderem a mesma política; se for o Presidente da República
a tutelar os partidos, porque estes, entregues a si mesmos, não defendem o
interesse nacional; se se votarem ao ostracismo os partidos que defendem
políticas alternativas à troika;
e se só se recorrer a eleições em último caso, porque elas são um factor de
instabilidade.
A
intervenção de Cavaco merece críticas de muitos pontos de vista. É criticável,
antes de mais, porque se insere numa retórica antidemocrática contra os
partidos que a crise tem vulgarizado e que se vê avalizada. É ilegítima porque
pretende impor aos partidos que assinaram o memorando um programa político para
o imediato, para as próximas eleições e para o Governo que sairá delas. É
ilegítima porque contraria o que o próprio Presidente tem dito sobre a leitura
que faz dos seus poderes e sobre a dependência do Governo perante o Parlamento.
É ilegítima porque impõe o Presidente como tutor do Governo. É ilegítima porque
visa limitar a liberdade de acção dos partidos em geral e dos que formam ou
podem vir a formar Governo em particular, limitando o confronto ideológico e o
debate político que estão na base das escolhas democráticas. É ilegítima,
finalmente, porque faz uma opção ideológica sectária, que pretende impor uma
prática governativa que nada permite defender que seja maioritária.
Poder-se-ia
defender que tudo isso é aceitável em nome da "emergência nacional".
Mas o Presidente não tenta apenas desbloquear o sistema, dando-lhe um empurrão
para que ele possa andar sozinho. A tutela que Cavaco quer impor é uma tutela de
longo prazo, que visa amputar o espectro político de opções à esquerda e
condicionar a acção política durante muitos anos. Cavaco acha que a democracia
não é do interesse nacional e propõe-se dirigir o país, mantendo os partidos, o
Parlamento e o Governo numa situação de capacidade diminuída, como verdadeiro
vice-rei da troika. É um golpe
de Estado light, que
formalmente não ultrapassa os poderes constitucionais do Presidente e que os
partidos do arco da troika
aceitam por pusilanimidade.
John
Stuart Mill dizia que um dos principais argumentos em favor da liberdade de
expressão era o facto de ela garantir que não se abafava a verdade. A questão é
semelhante: e se a opção que Cavaco tenta reprimir e abafar fosse a única
salvação possível? E se a renegociação, com uma moratória ao pagamento de juros
e o corte da dívida, fosse a única opção possível, como pensam a maior parte
dos economistas não comprometidos com os bancos e os partidos excluídos por
Cavaco? E se a opção que Cavaco está a impor apenas garantisse a destruição do
país e a escravidão dos portugueses?
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