A forma como Cavaco Silva
está a tutelar as reuniões entre os partidos do arco da troika está a tornar-se
surrealista. Não acreditamos que, num qualquer país com a democracia
consolidada isto pudesse acontecer. Faz lembrar um pai que, em idade avançada, não
confia, na totalidade, aos seus filhos a gestão dos negócios de família
enviando, para o representar um seu empregado de confiança que lhe vai
relatando as ocorrências. Bem vistas as coisas, o Presidente da República está
a enviar, inadvertidamente, uma mensagem aos portugueses, no sentido de não
confiarem nos dirigentes dos três partidos envolvidos no chamado “compromisso
de salvação nacional”.
Mas não tenhamos quaisquer
ilusões sobre as verdadeiras intenções de Cavaco perante o monumental
descalabro a que levaram as políticas empreendidas pela actual maioria de
direita. Nada como tornar o PS muleta dessas políticas e ostracizar a restante
esquerda, neste momento com um potencial de intenções de voto, na ordem dos
20%. Para a direita pura e dura, esta jogada, a resultar, seria magistral e,
por isso, a aplaudiu com entusiasmo.
Também é esta a ideia que
encontrámos neste texto que transcrevemos do Diário de Coimbra do passado
domingo.
Ao nível (de) Cavaco Silva (*)
Cavaco
Silva decidiu prolongar o layoff de Passos Coelho e Paulo Portas e reincidiu na
sua atávica confusão, entre crise política e crise governamental. Quando se esperava
uma clarificação, o Presidente da República interrompeu a sua greve de
silêncio, para aumentar a confusão.
Recusou
liminarmente a possibilidade de dissolver, no imediato, o parlamento e convocar
eleições antecipadas, mas deixou essa possibilidade em aberto, para Junho de
2014, dependendo de um acordo entre os três partidos que assinaram o Memorando
de Entendimento. Com isto, deixou toda a gente insatisfeita, da esquerda à
direita.
Os
partidos da esquerda, porque queriam eleições já, correspondendo com essa
reivindicação a um desejo largamente maioritário, na sociedade portuguesa. Os
da direita, porque ficaram sem saber o que pensa o Presidente da proposta de
nova estrutura governamental que lhe apresentaram. Ficaram ainda com mais uma razão
de queixa. A confiança política que Cavaco lhes deu é de curto prazo, só dura
até Junho de 2014, altura em que termina o Programa de Assistência Financeira.
A
proposta de antecipação de eleições para o verão do próximo ano é cínica, ou
pouco inteligente, ou acumula essas duas propriedades. Nessa altura estaremos
sensivelmente a um ano do fim da legislatura, portanto, colocam-se os mesmos
constrangimentos de prazos usados agora por Cavaco, para não dissolver o
parlamento. Se o calendário se processasse com a velocidade por ele enunciada,
a antecipação das eleições traria um magro resultado de cinco ou seis meses.
Portanto, seria um esforço irrelevante, numa análise de custo/benefício.
Além
diss, a dissolução do parlamento, como o presidente tem repetido, é uma bomba
atómica, para uso exclusivo em situações de crise extrema. Isso quer dizer que
Cavaco Silva está a adivinhar uma situação de crise, com um ano de
antecedência. Comentadores, analistas e outros observadores podem fazê-lo. Mas
esse exercício especulativo deve estar interdito àquele que tem, como dever
constitucional, zelar pelo bom funcionamento e estabilidade das instituições.
Mais uma vez, Cavaco caiu numa contradição insanável.
No
cerne de tudo isto estão os anticorpos que Cavaco vem desenvolvendo, de há
muitos anos a esta parte, contra a esquerda política, sindical e sociológica e,
de forma muito concreta, contra o Partido Socialista. Ao renovar a sua estafada
proposta de acordo de regime – ele não usou a expressão – juntando os socialistas
à direita e excluindo o PCP e o Bloco de Esquerda, o Presidente da República
quis apenas neutralizar toda a esquerda. Dito de outra foram, Cavaco quer que o
PS faça respiração boca-a-boca a um Governo que já é um pré-cadáver, de modo a
que os socialistas não capitalizem o descontentamento geral.
É
evidente que António José Seguro não pode aceitar tal coisa, que o isolaria de
grande parte do partido e do seu eleitorado tradicional.
É
difícil, num só discurso, cometer tanta asneira. A crise governativa agravou-se,
a crispação política e a intolerância aumentaram. Ao excluir de qualquer
solução dois partidos que, no seu conjunto valem 20 por cento do todo nacional,
Cavaco Silva entrou em campanha eleitoral, abdicando do papel de árbitro que a
lei lhe confere e que, obviamente, exige imparcialidade.
Compete
ao Presidente da República contribuir para a coesão nacional, evitando que as
legítimas diferenças de opinião – um bem inalienável da democracia – se
transformem num factor de clivagem social.
Mas,
com este discurso, Cavaco Silva deu novo fôlego à direita dos interesses e à
direita trauliteira que veio abertamente pedir soluções de músculo, contra a
esquerda reivindicativa. O exemplo mais eloquente foi dado pela imatura
Assunção Esteves. A presidente do parlamento não admite que o protesto alheio
incomode os seus privilégios. E, sem perda de tempo, passou ao insulto, de que
ainda não se retratou. Se os protestos na galeria não foram bonitos, a reacção
de Assunção Esteves foi muito feia. E ignorou que a presença de cidadãos nas
galerias resulta de um direito legal, e não de qualquer decisão benevolente da
presidente.
Vi,
no entanto, que a direita das ideias, a direita inteligente e elegante foi
rápida a demarcar-se, tanto do discurso do Presidente da República, como da
reacção nervosa de Assunção Esteves. Nenhum deles contribui para a resolução da
crise político-governativa.
(*)
Sérgio Ferreira Borges
Sem comentários:
Enviar um comentário