quarta-feira, 17 de julho de 2013

ESTRATÉGIA DE CAVACO


A forma como Cavaco Silva está a tutelar as reuniões entre os partidos do arco da troika está a tornar-se surrealista. Não acreditamos que, num qualquer país com a democracia consolidada isto pudesse acontecer. Faz lembrar um pai que, em idade avançada, não confia, na totalidade, aos seus filhos a gestão dos negócios de família enviando, para o representar um seu empregado de confiança que lhe vai relatando as ocorrências. Bem vistas as coisas, o Presidente da República está a enviar, inadvertidamente, uma mensagem aos portugueses, no sentido de não confiarem nos dirigentes dos três partidos envolvidos no chamado “compromisso de salvação nacional”.

Mas não tenhamos quaisquer ilusões sobre as verdadeiras intenções de Cavaco perante o monumental descalabro a que levaram as políticas empreendidas pela actual maioria de direita. Nada como tornar o PS muleta dessas políticas e ostracizar a restante esquerda, neste momento com um potencial de intenções de voto, na ordem dos 20%. Para a direita pura e dura, esta jogada, a resultar, seria magistral e, por isso, a aplaudiu com entusiasmo.

Também é esta a ideia que encontrámos neste texto que transcrevemos do Diário de Coimbra do passado domingo.

 

Ao nível (de) Cavaco Silva (*)

Cavaco Silva decidiu prolongar o layoff de Passos Coelho e Paulo Portas e reincidiu na sua atávica confusão, entre crise política e crise governamental. Quando se esperava uma clarificação, o Presidente da República interrompeu a sua greve de silêncio, para aumentar a confusão.

Recusou liminarmente a possibilidade de dissolver, no imediato, o parlamento e convocar eleições antecipadas, mas deixou essa possibilidade em aberto, para Junho de 2014, dependendo de um acordo entre os três partidos que assinaram o Memorando de Entendimento. Com isto, deixou toda a gente insatisfeita, da esquerda à direita.

Os partidos da esquerda, porque queriam eleições já, correspondendo com essa reivindicação a um desejo largamente maioritário, na sociedade portuguesa. Os da direita, porque ficaram sem saber o que pensa o Presidente da proposta de nova estrutura governamental que lhe apresentaram. Ficaram ainda com mais uma razão de queixa. A confiança política que Cavaco lhes deu é de curto prazo, só dura até Junho de 2014, altura em que termina o Programa de Assistência Financeira.

A proposta de antecipação de eleições para o verão do próximo ano é cínica, ou pouco inteligente, ou acumula essas duas propriedades. Nessa altura estaremos sensivelmente a um ano do fim da legislatura, portanto, colocam-se os mesmos constrangimentos de prazos usados agora por Cavaco, para não dissolver o parlamento. Se o calendário se processasse com a velocidade por ele enunciada, a antecipação das eleições traria um magro resultado de cinco ou seis meses. Portanto, seria um esforço irrelevante, numa análise de custo/benefício.

Além diss, a dissolução do parlamento, como o presidente tem repetido, é uma bomba atómica, para uso exclusivo em situações de crise extrema. Isso quer dizer que Cavaco Silva está a adivinhar uma situação de crise, com um ano de antecedência. Comentadores, analistas e outros observadores podem fazê-lo. Mas esse exercício especulativo deve estar interdito àquele que tem, como dever constitucional, zelar pelo bom funcionamento e estabilidade das instituições. Mais uma vez, Cavaco caiu numa contradição insanável.

No cerne de tudo isto estão os anticorpos que Cavaco vem desenvolvendo, de há muitos anos a esta parte, contra a esquerda política, sindical e sociológica e, de forma muito concreta, contra o Partido Socialista. Ao renovar a sua estafada proposta de acordo de regime – ele não usou a expressão – juntando os socialistas à direita e excluindo o PCP e o Bloco de Esquerda, o Presidente da República quis apenas neutralizar toda a esquerda. Dito de outra foram, Cavaco quer que o PS faça respiração boca-a-boca a um Governo que já é um pré-cadáver, de modo a que os socialistas não capitalizem o descontentamento geral.

É evidente que António José Seguro não pode aceitar tal coisa, que o isolaria de grande parte do partido e do seu eleitorado tradicional.

É difícil, num só discurso, cometer tanta asneira. A crise governativa agravou-se, a crispação política e a intolerância aumentaram. Ao excluir de qualquer solução dois partidos que, no seu conjunto valem 20 por cento do todo nacional, Cavaco Silva entrou em campanha eleitoral, abdicando do papel de árbitro que a lei lhe confere e que, obviamente, exige imparcialidade.

Compete ao Presidente da República contribuir para a coesão nacional, evitando que as legítimas diferenças de opinião – um bem inalienável da democracia – se transformem num factor de clivagem social.

Mas, com este discurso, Cavaco Silva deu novo fôlego à direita dos interesses e à direita trauliteira que veio abertamente pedir soluções de músculo, contra a esquerda reivindicativa. O exemplo mais eloquente foi dado pela imatura Assunção Esteves. A presidente do parlamento não admite que o protesto alheio incomode os seus privilégios. E, sem perda de tempo, passou ao insulto, de que ainda não se retratou. Se os protestos na galeria não foram bonitos, a reacção de Assunção Esteves foi muito feia. E ignorou que a presença de cidadãos nas galerias resulta de um direito legal, e não de qualquer decisão benevolente da presidente.

Vi, no entanto, que a direita das ideias, a direita inteligente e elegante foi rápida a demarcar-se, tanto do discurso do Presidente da República, como da reacção nervosa de Assunção Esteves. Nenhum deles contribui para a resolução da crise político-governativa. 

(*) Sérgio Ferreira Borges

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