Na realidade, temos vindo
a assistir nos últimos dias a um espectáculo “deprimente”, proporcionado, em
conjunto, pelo Governo e Presidente da República. Não fosse a proverbial tendência
dos portugueses para aligeirarem situações sérias, dando-lhes um forte sentido
de humor, estaríamos a sofrer os efeitos de uma depressão colectiva pela
incerteza que nos trazem os caminhos trilhados pela actual governação. Verifica-se
um nulo sentido de Estado, perante egoístas interesses individuais ou de
pequenos grupos representados no Governo. Não há volta a dar a esta gente,
mesmo depois – e talvez por isso – de nos ser garantida pela enésima vez a “coesão”
do Executivo.
Transcrevemos a seguir um
interessante artigo de opinião que encontrámos no Diário de Coimbra de ontem,
onde é feita uma atenta análise das demissões de Portas e Gaspar.
Comédia negra! (*)
Muitas
vezes anunciei aqui o fim deste Governo, mas sem me atrever a vaticinar um
espectáculo tão deprimente como aquele que nos tem sido oferecido, nos últimos
dias. Se não é inédito, é pelo menos raro, em qualquer latitude.
Uma
ministra a tomar posse, ao mesmo tempo que outro ministro ausente escreve a sua
carta de demissão, irrevogável, por dois dias. Depois esquecida em troca de
mais uns amendoins. Palavra de ministro é de curto prazo.
A
opinião pública acha que o Governo caiu e ao Primeiro-Ministro não resta mais
nada, a não ser pedir a sua própria exoneração, ao dormente Presidente da
República.
A
esta hora, já toda a gente parece esquecida da outra demissão, do das Finanças,
que foi a ignição de todo este processo. Uma carta, essa sim, importante,
porque constitui um verdadeiro libelo de autoacusação. Ele reconhece que falhou
em toda a escala.
Quando
o Tribunal Constitucional lhe chumbou quatro normas do Orçamento de Estado,
escrevi aqui que ele já não tinha condições políticas, para se manter na governação.
Fui muito contraditado, por outras análises. Agora, na epístola da demissão, é
ele próprio a confessar que, nessa altura e por essa razão, apresentou os seus
próprios pedidos de demissão. Porque terá levado a demissão até ao fim desta
vez, e claudicou nas outras?
A
resposta é fácil. O dos Negócios Estrangeiros, que não gostava dele, nem com
ketchup, pôs a circular rumores que deitaram abaixo a decrépita moral de
Gaspar. Desses rumores, constava que o Primeiro-Ministro já estava por tudo,
isto é, já não se importaria com a demissão de Gaspar. Porquê? Porque Cavaco
Silva, o inamovível Presidente da República lhe tinha feito críticas severas ao
trabalho do Ministro das Finanças.
Quando
este chorrilho de intriga lhe invadiu os pavilhões auriculares, Gaspar telefonou
a Passos Coelho e bombardeou-o com perguntas de pormenor, sem conseguir
repostas satisfatórias. Era noite de sexta-feira.
Gaspar
telefonou a um amigo comum, dele e de Cavaco. Despejou-lhe os seus estados de
alma e disse-lhe que, sem um sinal de Belém sairia do Governo. O amigo
prontificou-se a interferir, para que o Presidente desmentisse essas críticas. Gaspar
esperou, em vão, por esse desmentido, até à noite de domingo. Como esse sinal não
apareceu, telefonou a Passos Coelho, aque comunicou a inabalável decisão de se
pôr a andar. O outro solicitou-lhe que ponderasse a decisão, mas Gaspar não acreditou
na convicção do pedido. Sem tempo a perder, começou a redigir a carta de demissão,
de que tinha já um draft, desde a sexta-feira anterior.
Ainda
nesse telefonema, convencido da inevitabilidade da demissão, Passos Coelho
pediu uns dias, para arranjar uma alternativa. Mas foi Gaspar que a inventou. Disse
que só poderia ser um dos secretários de Estado a subir a ministro, porque eram
os únicos que podiam dialogar com a Troika e estamos em vésperas de oitava avaliação.
Coelho concordou e o nome de Maria Luís Albuquerque foi de imediato
consensualizado.
Explicação
para tanta demissão: a oitava avaliação da troika vem aí, em Novembro, há os
subsídios dos funcionários públicos para pagar e a situação financeira é muito
pior do que se supõe. Por isso, Gaspar pôs-se ao fresco e Portas fez uma fita,
sem que se perceba muito bem onde quer chegar. Aumentar o seu peso no Governo? Essa
pode ser uma resposta, mas eu acho que ele queria mesmo fugir, como o demo se
pira da cruz.
O
seu comportamento e o do CDS, não é exactamente uma novidade. Se exceptuarmos
as lideranças de Francisco Lucas Pires e de Adriano Moreira, constatamos a longa
história de traições do CDS. Que o digam Mário Soares, Francisco Pinto
Balsemão, Marcelo rebelo de Sousa, Santana Lopes e, de algum modo, Sá Carneiro,
quando a AD se desfez, para o CDS, com mais olhos que barriga se deixar contar
nas eleições autárquicas de 1982. É bom que Seguro se recorde disto.
O
que temos visto, nesta semana sem Governo, é indecoroso. Lembra aquele espectáculo
arrepiante que vi, tantas vezes, na infância: uma galinha decapitada,
insistindo numa fuga condenada ao fracasso. É isso que o Governo tem feito, sem
cabeça, sem liderança, continua a correr sem se saber para onde, com o impávido
Cavaco a assistir. Uma comédia negra, de maus costumes!
(*) Sérgio Ferreira Borges
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