segunda-feira, 8 de julho de 2013

NULO SENTIDO DE ESTADO


Na realidade, temos vindo a assistir nos últimos dias a um espectáculo “deprimente”, proporcionado, em conjunto, pelo Governo e Presidente da República. Não fosse a proverbial tendência dos portugueses para aligeirarem situações sérias, dando-lhes um forte sentido de humor, estaríamos a sofrer os efeitos de uma depressão colectiva pela incerteza que nos trazem os caminhos trilhados pela actual governação. Verifica-se um nulo sentido de Estado, perante egoístas interesses individuais ou de pequenos grupos representados no Governo. Não há volta a dar a esta gente, mesmo depois – e talvez por isso – de nos ser garantida pela enésima vez a “coesão” do Executivo.
Transcrevemos a seguir um interessante artigo de opinião que encontrámos no Diário de Coimbra de ontem, onde é feita uma atenta análise das demissões de Portas e Gaspar.

 

Comédia negra! (*)

Muitas vezes anunciei aqui o fim deste Governo, mas sem me atrever a vaticinar um espectáculo tão deprimente como aquele que nos tem sido oferecido, nos últimos dias. Se não é inédito, é pelo menos raro, em qualquer latitude.

Uma ministra a tomar posse, ao mesmo tempo que outro ministro ausente escreve a sua carta de demissão, irrevogável, por dois dias. Depois esquecida em troca de mais uns amendoins. Palavra de ministro é de curto prazo.

A opinião pública acha que o Governo caiu e ao Primeiro-Ministro não resta mais nada, a não ser pedir a sua própria exoneração, ao dormente Presidente da República.

A esta hora, já toda a gente parece esquecida da outra demissão, do das Finanças, que foi a ignição de todo este processo. Uma carta, essa sim, importante, porque constitui um verdadeiro libelo de autoacusação. Ele reconhece que falhou em toda a escala.

Quando o Tribunal Constitucional lhe chumbou quatro normas do Orçamento de Estado, escrevi aqui que ele já não tinha condições políticas, para se manter na governação. Fui muito contraditado, por outras análises. Agora, na epístola da demissão, é ele próprio a confessar que, nessa altura e por essa razão, apresentou os seus próprios pedidos de demissão. Porque terá levado a demissão até ao fim desta vez, e claudicou nas outras?

A resposta é fácil. O dos Negócios Estrangeiros, que não gostava dele, nem com ketchup, pôs a circular rumores que deitaram abaixo a decrépita moral de Gaspar. Desses rumores, constava que o Primeiro-Ministro já estava por tudo, isto é, já não se importaria com a demissão de Gaspar. Porquê? Porque Cavaco Silva, o inamovível Presidente da República lhe tinha feito críticas severas ao trabalho do Ministro das Finanças.

Quando este chorrilho de intriga lhe invadiu os pavilhões auriculares, Gaspar telefonou a Passos Coelho e bombardeou-o com perguntas de pormenor, sem conseguir repostas satisfatórias. Era noite de sexta-feira.

Gaspar telefonou a um amigo comum, dele e de Cavaco. Despejou-lhe os seus estados de alma e disse-lhe que, sem um sinal de Belém sairia do Governo. O amigo prontificou-se a interferir, para que o Presidente desmentisse essas críticas. Gaspar esperou, em vão, por esse desmentido, até à noite de domingo. Como esse sinal não apareceu, telefonou a Passos Coelho, aque comunicou a inabalável decisão de se pôr a andar. O outro solicitou-lhe que ponderasse a decisão, mas Gaspar não acreditou na convicção do pedido. Sem tempo a perder, começou a redigir a carta de demissão, de que tinha já um draft, desde a sexta-feira anterior.

Ainda nesse telefonema, convencido da inevitabilidade da demissão, Passos Coelho pediu uns dias, para arranjar uma alternativa. Mas foi Gaspar que a inventou. Disse que só poderia ser um dos secretários de Estado a subir a ministro, porque eram os únicos que podiam dialogar com a Troika e estamos em vésperas de oitava avaliação. Coelho concordou e o nome de Maria Luís Albuquerque foi de imediato consensualizado.

Explicação para tanta demissão: a oitava avaliação da troika vem aí, em Novembro, há os subsídios dos funcionários públicos para pagar e a situação financeira é muito pior do que se supõe. Por isso, Gaspar pôs-se ao fresco e Portas fez uma fita, sem que se perceba muito bem onde quer chegar. Aumentar o seu peso no Governo? Essa pode ser uma resposta, mas eu acho que ele queria mesmo fugir, como o demo se pira da cruz.

O seu comportamento e o do CDS, não é exactamente uma novidade. Se exceptuarmos as lideranças de Francisco Lucas Pires e de Adriano Moreira, constatamos a longa história de traições do CDS. Que o digam Mário Soares, Francisco Pinto Balsemão, Marcelo rebelo de Sousa, Santana Lopes e, de algum modo, Sá Carneiro, quando a AD se desfez, para o CDS, com mais olhos que barriga se deixar contar nas eleições autárquicas de 1982. É bom que Seguro se recorde disto.

O que temos visto, nesta semana sem Governo, é indecoroso. Lembra aquele espectáculo arrepiante que vi, tantas vezes, na infância: uma galinha decapitada, insistindo numa fuga condenada ao fracasso. É isso que o Governo tem feito, sem cabeça, sem liderança, continua a correr sem se saber para onde, com o impávido Cavaco a assistir. Uma comédia negra, de maus costumes!

(*) Sérgio Ferreira Borges

Sem comentários:

Enviar um comentário