domingo, 7 de julho de 2013

MORTO-VIVO



A semana política começou com a demissão do ministro das Finanças e a publicação da carta que a acompanha. Essa carta acabou por assumir o estatuto de um facto político relevante, na medida em que Vitor Gaspar afirma claramente que falhou, embora não admita que a receita falhou também. Ele continua convencido de que a receita era boa mas a sua aplicação não foi eficaz fundamentalmente devido a uma deficiente liderança no Governo que permitiu uma série de incompreensões e resistências. Aliás, o fanatismo ideológico de Gaspar não lhe permite ir mais longe nem ninguém esperaria tal.

De qualquer maneira, a demissão do ministro das Finanças parece ter sido o primeiro capítulo da crise política que se seguiu, com os posteriores episódios caricatos, largamente divulgados e comentados na comunicação social e na blogosfera.

O entendimento, entretanto obtido entre Portas e Passos, não garante nada em relação ao futuro deste Governo, antes prolongando por mais tempo o sofrimento dos portugueses. É óbvia a necessidade da realização de eleições antecipadas que tragam alguma clarificação política ao país. Entre os comentadores de várias áreas, que todos os dias vêm exprimindo a sua opinião nos diversos órgãos de comunicação social, existe a forte convicção de que os arranjos agora levados a cabo por Portas e Passos não vão trazer qualquer estabilidade e, como afirma Daniel Oliveira, no Expresso de ontem, o Governo passou a ser um “morto-vivo”.

 

DA CONFISSÃO À CEGUEIRA

Vítor Gaspar demitiu-se com uma carta que se resume numa palavra: falhei. Ouvir, como temos ouvido, que Portugal até começava a dar sinais de recuperação não é apenas um insulto à nossa inteligência. É um insulto à confissão do obreiro da estratégia de obediência cega à troika. Com esta demissão, Passos Coelho teve a possibilidade de mudar levemente a agulha e ganhar algum tempo. Mas escolher Paulo Macedo seria o reconhecimento de um falhanço que também era seu e o reforço dos seus críticos no Governo. Mais preocupado com a sua força interna do que com a força do seu Governo, optou por um Vitor Gaspar da loja dos 300: a sua indefectível ex-professora, rodeada de suspeitas por causa dos swaps. Ao optar pela continuidade em pior mostrou não perceber as razões profundas da demissão do seu ministro das Finanças. E fê-lo contra Portas. No dia seguinte, Portas demitiu-se. A escolha do ministro das finanças não era uma mera questão de nomes. Era, como se viu com Gaspar ou Teixeira dos Santos, uma questão política central para qualquer governo. Paulo Portas punha, com a sua demissão, fim a uma coligação. E fazia-o sem falar com ninguém do CDS. Portas não traiu Passos, que tem esticado a corda para ver onde ela parte. Mas traiu o seu próprio partido e o CDS deixou claro que estar cansado de Passos e Gaspar é muito diferente de querer correr o risco de ser consequente.

A comunicação social tratou de lançar o pânico na opinião pública, para quem não é claro que o aumento dos juros, provocado por meia dúzia de pequenos especuladores nos mercados secundários (ao contrário de há dois anos, não é aí que nos estamos a financiar), é muito menos relevante do que parece para a nossa dívida, detida por credores internacionais institucionais e pela banca nacional. E para quem não é claro que os efeitos das quedas das bolsas, num só dia, são irrelevantes (a bolsa portuguesa tem hoje uma função marginal no financiamento das empresas nacionais) quando comparados com os efeitos económicos duradouros que Gaspar deixou como rasto para muitos anos. Não nego que a instabilidade política tem efeitos económicos e financeiros. O que quero realçar é que a estabilidade anémica em que vivemos tem efeitos bem mais estruturais e irreversíveis. A troika, através do BCE e da Comissão Europeia, reforçou a confiança em Passos e na nova ministra. A credibilidade interna do Governo é assunto que considera irrelevante. Não aprendeu nada com Monti e os efeitos devastadores que se seguiram na vida política italiana.

Nas negociações que se seguiram, forçadas pelo ambiente de histeria e a resistência interna no CDS, e que à hora em que escrevo este texto ainda não estão encerradas, Portas passou a ideia de que todo este circo tinha como único objectivo uma mera luta palaciana por poder interno. Mas pouco há a salvar. Depois desta semana, este Governo é, seja qual for o arranjo que se encontre, um morto-vivo. Todos os atalhos que fujam a eleições deixarão este ou outro governo insuportavelmente frágil perante o exterior. E, acima de tudo, degradarão ainda mais a confiança dos cidadãos na comatosa democracia e nas suas desacreditadas instituições. Pena que o presidente não perceba que instabilidade é aquilo a que assistimos esta semana. E que não compreenda o profundo cansaço que isto provoca em quem está a sofrer tanto.

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