quarta-feira, 10 de julho de 2013

JANELA DE OPORTUNIDADE


Adensa-se cada vez mais a ideia de que a saída de Vítor Gaspar tem, como pano de fundo, a aproximação de um segundo resgate qualquer que seja o nome por que venha a ficar conhecido. Ainda nada está confirmado oficialmente mas vai-se falando nessa possibilidade (o Presidente da República já o fez) para que os portugueses se vão habituando à ideia. Negá-la, com pouca convicção, como faz a maioria de direita, também tem exactamente essa finalidade. Quando a bomba chegar, a intenção é que os estragos políticos sejam menores. De qualquer maneira, o que está a acontecer já estava previsto, há muito tempo, pela verdadeira esquerda, aos poucos confirmado pelo fiasco das contas do ex-ministro Gaspar. As vozes que chamavam a atenção para o abismo que se aproximava foram apelidadas de esquerdistas, extremistas, radicais e outros mimos do mesmo tipo, mas a verdade é que as suas previsões vão sendo sucessivamente confirmadas o que até não é grande novidade, dadas as evidências do caminho que se ia percorrendo e dos exemplos que vinham de fora.
Chegada a hora da verdade, com o barco a afundar-se, eis que Paulo Portas encontra uma “janela de oportunidade”, jogando de forma a ganhar sempre, qualquer que fosse a decisão que tomasse, sair ou ficar. É esta a opinião de Rui Tavares no texto que assina hoje no Público e que transcrevemos a seguir. O seu raciocínio faz muito sentido.

 

Um chilique com método

A densa atrama-se, ou melhor, a trama adensa-se. Na reunião do Conselho Nacional do CDS, Paulo Portas terá dito, segundo a imprensa, uma coisa que me ficou atrás da orelha: "Não posso esperar que se revejam na decisão. Não fico nem ficarei nada incomodado que não a compreendam e [se] a criticarem".

Isto não parece uma frase dita por alguém que teve um descontrole emocional. Isto parece uma frase dita por alguém que não pode dizer tudo.

A peça perdida do quebra-cabeças está, quase com certeza, na notícia do El País que dá conta de um segundo resgate que está a ser preparado para Portugal, desta feita sem o FMI. Sim, Bruxelas nega; e como não? Mas que o país se encaminha a passos largos para um segundo resgate, ninguém o pode negar. Graças às contas de Gaspar, o défice orçamental anda no dobro do previsto, o défice estrutural é seis vezes maior do que o requerido pelo malfadado "tratado orçamental", e o total da dívida pública está no dobro do que devia e aumentou 20 por cento com a aplicação da política de austeridade que supostamente serviria para "pagar dívidas". Como toda a gente na União segue as mesmas políticas idiotas, o "motor das exportações" deu um soluço há dois anos para se engasgar logo de seguida. Nada que não tivesse sido previsto desde o início, mas já se sabe que não se pode dar razão à esquerda.

Da mesma forma, não se pode dar razão à evidência de que vem aí um segundo resgate. Daí que esse resgate vá ser à espanhola, um resgate-sem-nome. O elemento essencial é que se poderá dizer que a troika vai embora. Tecnicamente, é verdade, uma vez que uma das pernas da troika desaparece. Na verdade, é mentira, mas já lá vamos.

Se conhecia esta janela de oportunidade, Portas sabia que ela envolvia riscos e recompensas. Daí a sua estratégia maniqueísta. Ambos os resultados compensavam: sair do Governo agora significaria saltar antes do segundo resgate; ficar no Governo agora só se fosse para açambarcar as vantagens políticas. Mandou-se a moeda ao ar, saiu coroa. Passos Coelho fica com a parte chata e Portas com um "governo dentro do Governo" para umas medidas de crescimento aqui e ali que, no meio da penúria geral, vão parecer o bodo aos pobres. Isto valia bem um risco controlado de perda de popularidade agora, a coberto da incompreensão, por dois anos de "ministro da coordenação económica" a visitar empresas e a fingir que a magia funciona.

Num célebre ensaio, Max Weber dividiu a ética política em "ética da convicção" e ética da responsabilidade. Longe de qualquer consideração ética, o golpe de Paulo Portas esquece algumas coisas.

1) Que "a menos que ocorra uma mudança radical e desejável na política europeia", como escrevia Pedro Adão e Silva recentemente, "o pós-troika é um eufemismo para um período que será em quase tudo igual àquele que hoje vivemos".

2) Que numa depressão europeia generalizada, as "medidas de crescimento" não serão mais do que paliativos.

3) Que aquilo de que Portugal necessita é de uma profunda renegociação da dívida e saída do memorando.

4) Que se espera dos políticos um mínimo de patriotismo, e não esta preocupação primeira consigo, depois com o partido, e nunca com o país. Para impor esse mínimo dos mínimos, e não para caucionar golpadas, deveria servir o Presidente da República.

Em suma, foi um chilique. Mas um chilique com método. Um chilique para atingir um fim.

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