Adensa-se cada vez mais a
ideia de que a saída de Vítor Gaspar tem, como pano de fundo, a aproximação de
um segundo resgate qualquer que seja o nome por que venha a ficar conhecido.
Ainda nada está confirmado oficialmente mas vai-se falando nessa possibilidade
(o Presidente da República já o fez) para que os portugueses se vão habituando
à ideia. Negá-la, com pouca convicção, como faz a maioria de direita, também tem
exactamente essa finalidade. Quando a bomba chegar, a intenção é que os
estragos políticos sejam menores. De qualquer maneira, o que está a acontecer
já estava previsto, há muito tempo, pela verdadeira esquerda, aos poucos
confirmado pelo fiasco das contas do ex-ministro Gaspar. As vozes que chamavam
a atenção para o abismo que se aproximava foram apelidadas de esquerdistas,
extremistas, radicais e outros mimos do mesmo tipo, mas a verdade é que as suas
previsões vão sendo sucessivamente confirmadas o que até não é grande novidade,
dadas as evidências do caminho que se ia percorrendo e dos exemplos que vinham
de fora.
Chegada a hora da verdade,
com o barco a afundar-se, eis que Paulo Portas encontra uma “janela de
oportunidade”, jogando de forma a ganhar sempre, qualquer que fosse a decisão que
tomasse, sair ou ficar. É esta a opinião de Rui Tavares no texto que assina
hoje no Público e que transcrevemos a seguir. O seu raciocínio faz muito
sentido.
Um
chilique com método
A
densa atrama-se, ou melhor, a trama adensa-se. Na reunião do Conselho Nacional
do CDS, Paulo Portas terá dito, segundo a imprensa, uma coisa que me ficou
atrás da orelha: "Não posso esperar que se revejam na decisão. Não fico
nem ficarei nada incomodado que não a compreendam e [se] a criticarem".
Isto
não parece uma frase dita por alguém que teve um descontrole emocional. Isto
parece uma frase dita por alguém que não pode dizer tudo.
A
peça perdida do quebra-cabeças está, quase com certeza, na notícia do El País que dá conta de um segundo
resgate que está a ser preparado para Portugal, desta feita sem o FMI. Sim,
Bruxelas nega; e como não? Mas que o país se encaminha a passos largos para um
segundo resgate, ninguém o pode negar. Graças às contas de Gaspar, o défice
orçamental anda no dobro do previsto, o défice estrutural é seis vezes maior do
que o requerido pelo malfadado "tratado orçamental", e o total da
dívida pública está no dobro do que devia e aumentou 20 por cento com a
aplicação da política de austeridade que supostamente serviria para "pagar
dívidas". Como toda a gente na União segue as mesmas políticas idiotas, o
"motor das exportações" deu um soluço há dois anos para se engasgar
logo de seguida. Nada que não tivesse sido previsto desde o início, mas já se
sabe que não se pode dar razão à esquerda.
Da
mesma forma, não se pode dar razão à evidência de que vem aí um segundo
resgate. Daí que esse resgate vá ser à espanhola, um resgate-sem-nome. O
elemento essencial é que se poderá dizer que a troika vai embora. Tecnicamente, é verdade, uma vez que uma das
pernas da troika desaparece. Na
verdade, é mentira, mas já lá vamos.
Se
conhecia esta janela de oportunidade, Portas sabia que ela envolvia riscos e
recompensas. Daí a sua estratégia maniqueísta. Ambos os resultados compensavam:
sair do Governo agora significaria saltar antes do segundo resgate; ficar no
Governo agora só se fosse para açambarcar as vantagens políticas. Mandou-se a
moeda ao ar, saiu coroa. Passos Coelho fica com a parte chata e Portas com um
"governo dentro do Governo" para umas medidas de crescimento aqui e
ali que, no meio da penúria geral, vão parecer o bodo aos pobres. Isto valia
bem um risco controlado de perda de popularidade agora, a coberto da
incompreensão, por dois anos de "ministro da coordenação económica" a
visitar empresas e a fingir que a magia funciona.
Num
célebre ensaio, Max Weber dividiu a ética política em "ética da
convicção" e ética da responsabilidade. Longe de qualquer consideração
ética, o golpe de Paulo Portas esquece algumas coisas.
1)
Que "a menos que ocorra uma mudança radical e desejável na política
europeia", como escrevia Pedro Adão e Silva recentemente, "o pós-troika é um eufemismo para um período
que será em quase tudo igual àquele que hoje vivemos".
2)
Que numa depressão europeia generalizada, as "medidas de crescimento"
não serão mais do que paliativos.
3)
Que aquilo de que Portugal necessita é de uma profunda renegociação da dívida e
saída do memorando.
4)
Que se espera dos políticos um mínimo de patriotismo, e não esta preocupação
primeira consigo, depois com o partido, e nunca com o país. Para impor esse
mínimo dos mínimos, e não para caucionar golpadas, deveria servir o Presidente
da República.
Em
suma, foi um chilique. Mas um chilique com método. Um chilique para atingir um
fim.
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