sexta-feira, 19 de julho de 2013

"NO BOM CAMINHO"... DA GRÉCIA


A intervenção da troika na Grécia teve lugar um ano antes de Portugal e, a toda a hora nos chegam notícias e imagens altamente chocantes sobre o resultado desta intervenção. O país encontra-se como que ocupado por uma potência estrangeira que trata os cidadãos gregos como se os seus direitos mais básicos estivessem suspensos. O pior de tudo é que, se calhar, as notícias da desgraça grega estão a banalizar-se de tal forma que tornam os seus receptores quase insensíveis quando chega ao seu conhecimento mais um sinal da catástrofe que está a atingir o povo helénico.

De qualquer maneira, não é caso para deixarmos de divulgar toda a informação que nos chega, pois a situação portuguesa segue o mesmo caminho que a grega, na medida em que, aqui, foram levadas a cabo as mesmas políticas que conduziram a Grécia ao abismo. Neste sentido, é que deixamos aqui um texto que transcrevemos do “Diário de Coimbra” de ontem, muito significativo para o momento que estamos a viver.

 

Feitos ao bife (*)

Como é sabido, a Grécia foi intervencionada pelo FMI e a União Europeia, um ano antes do nosso país, pelo que, face ao verdadeiro folhetim do “compromisso de salvação nacional” a que assistimos, tem todo o cabimento dar uma olhadela ao que por lá se passa.

Em primeiro lugar, um verdadeiro desastre social com 27% de desempregados (três vezes mais que em 2009), percentagem que duplica nos jovens. O trabalho quase perdeu o significado de emprego, feito informalmente à hora, ao dia ou à semana, apesar de, oficialmente, existir um salário mínimo de €456. O nível de vida médio, resultante da baixa de salários e aumento das tarifas públicas, diminuiu 50%, colocando um terço da população abaixo do nível da pobreza.

Do ponto de vista sanitário, o descalabro é evidente. Com 1,5 milhões de gregos afastados do serviço nacional de saúde (sem trabalho nem subsídio de desemprego) e com taxas insuportáveis, €30 para uma simples consulta num hospital, alguns dos quais já nem de seringas e compressas dispõem em quantidade suficiente, como o principal, em Atenas.

Com a criação de um fundo de exploração do património público (Taiped), praias, florestas, sítios arqueológicos, ilhas e, naturalmente as empresas dos sectores estratégicos – até a lotaria nacional – estão à venda, numa verdadeira época de saldos.

Enquanto isto, os dois partidos do “arco da governação” perderam a pouca credibilidade que já tinham, permitindo o aparecimento à esquerda e à direita de duas formações políticas, uma das quais Alvorada Dourada, reclamando-se do nazismo e cujos militantes multiplicam as agressões no espaço público ou colocando-se ao lado da polícia de choque nas manifestações de cidadãos, cerca de oito mil, nos últimos três anos.

 A Grécia está, assim no “bom caminho de regresso aos mercados”, expressão que só se poderá compreender se soubermos que 77% dos €207 milhões concedidos pela troika foram diretamente para os bancos. Não admira, portanto, que haja banqueiros com salários anuais superiores a dois milhões de euros, conforme indica um relatório do European Banking Authority (EBA), de 15 de Julho.

Aqui ao alado e apesar de a intervenção ser dirigida ao setor financeiro, a corrupção atinge o atual partido do governo e o primeiro-ministro Rajoy, numa saga envolvendo financiamentos ilícitos e salários extraordinários das principais figuras do partido. No que seria mais uma “exigência dos mercados”, o referido relatório diz-nos que 125 banqueiros, por pouco, não chegavam aos €2,5   milhões/ano.

Entre nós, só uma dúzia atinge 1,6 milhões, certamente no reconhecimento do “compromisso de salvação nacional”. Envolvendo os três partidos com hábitos de poder, a iniciativa presidencial tem a enorme vantagem de nos revelar, sem quaisquer ambiguidades, o estado a que chegou o que resta da democracia. Para quem confundiu a autoria do célebre livro do humanista e renascentista Thomas More (A Utopia), editado por Erasmus (Lovaina, 1516, com Thomas Moore (1779/1852) já nada espanta.

Para concluir e regressando à (minha) Grécia, depois de mais uma greve geral nesta terça-feira [16 Julho], hoje [quinta-feira] as ruas não vão ficar quietas com a visita prevista do ministro das finanças alemão, cujo nome recuso escrever.

Pena é que tanto ele como Cavaco Silva não façam umas pequenas férias em Atenas, de 4 a 10 de Agosto, onde estarão presentes dois mil filósofos, no seu XXIII Congresso Mundial.

Entretanto, derivada de uma teologia mercantil pós-moderna, de origem anglo-saxónica e do início dos anos oitenta, encontramo-nos enclausurados numa situação bem conhecida pelos lusitanos – feitos ao bife.

(*) João Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação

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