A intervenção da troika na
Grécia teve lugar um ano antes de Portugal e, a toda a hora nos chegam notícias
e imagens altamente chocantes sobre o resultado desta intervenção. O país encontra-se
como que ocupado por uma potência estrangeira que trata os cidadãos gregos como
se os seus direitos mais básicos estivessem suspensos. O pior de tudo é que, se
calhar, as notícias da desgraça grega estão a banalizar-se de tal forma que
tornam os seus receptores quase insensíveis quando chega ao seu conhecimento
mais um sinal da catástrofe que está a atingir o povo helénico.
De qualquer maneira, não é
caso para deixarmos de divulgar toda a informação que nos chega, pois a situação
portuguesa segue o mesmo caminho que a grega, na medida em que, aqui, foram
levadas a cabo as mesmas políticas que conduziram a Grécia ao abismo. Neste sentido,
é que deixamos aqui um texto que transcrevemos do “Diário de Coimbra” de ontem,
muito significativo para o momento que estamos a viver.
Feitos ao bife
(*)
Como
é sabido, a Grécia foi intervencionada pelo FMI e a União Europeia, um ano
antes do nosso país, pelo que, face ao verdadeiro folhetim do “compromisso de salvação
nacional” a que assistimos, tem todo o cabimento dar uma olhadela ao que por lá
se passa.
Em
primeiro lugar, um verdadeiro desastre social com 27% de desempregados (três vezes
mais que em 2009), percentagem que duplica nos jovens. O trabalho quase perdeu
o significado de emprego, feito informalmente à hora, ao dia ou à semana,
apesar de, oficialmente, existir um salário mínimo de €456. O nível de vida
médio, resultante da baixa de salários e aumento das tarifas públicas, diminuiu
50%, colocando um terço da população abaixo do nível da pobreza.
Do
ponto de vista sanitário, o descalabro é evidente. Com 1,5 milhões de gregos afastados
do serviço nacional de saúde (sem trabalho nem subsídio de desemprego) e com
taxas insuportáveis, €30 para uma simples consulta num hospital, alguns dos
quais já nem de seringas e compressas dispõem em quantidade suficiente, como o
principal, em Atenas.
Com
a criação de um fundo de exploração do património público (Taiped), praias,
florestas, sítios arqueológicos, ilhas e, naturalmente as empresas dos sectores
estratégicos – até a lotaria nacional – estão à venda, numa verdadeira época de
saldos.
Enquanto
isto, os dois partidos do “arco da governação” perderam a pouca credibilidade
que já tinham, permitindo o aparecimento à esquerda e à direita de duas
formações políticas, uma das quais Alvorada Dourada, reclamando-se do nazismo e
cujos militantes multiplicam as agressões no espaço público ou colocando-se ao lado
da polícia de choque nas manifestações de cidadãos, cerca de oito mil, nos
últimos três anos.
A Grécia está, assim no “bom caminho de
regresso aos mercados”, expressão que só se poderá compreender se soubermos que
77% dos €207 milhões concedidos pela troika foram diretamente para os bancos. Não
admira, portanto, que haja banqueiros com salários anuais superiores a dois milhões
de euros, conforme indica um relatório do European Banking Authority (EBA), de
15 de Julho.
Aqui
ao alado e apesar de a intervenção ser dirigida ao setor financeiro, a corrupção
atinge o atual partido do governo e o primeiro-ministro Rajoy, numa saga
envolvendo financiamentos ilícitos e salários extraordinários das principais
figuras do partido. No que seria mais uma “exigência dos mercados”, o referido
relatório diz-nos que 125 banqueiros, por pouco, não chegavam aos €2,5 milhões/ano.
Entre
nós, só uma dúzia atinge 1,6 milhões, certamente no reconhecimento do “compromisso
de salvação nacional”. Envolvendo os três partidos com hábitos de poder, a
iniciativa presidencial tem a enorme vantagem de nos revelar, sem quaisquer
ambiguidades, o estado a que chegou o que resta da democracia. Para quem
confundiu a autoria do célebre livro do humanista e renascentista Thomas More
(A Utopia), editado por Erasmus (Lovaina, 1516, com Thomas Moore (1779/1852) já
nada espanta.
Para
concluir e regressando à (minha) Grécia, depois de mais uma greve geral nesta
terça-feira [16 Julho], hoje [quinta-feira] as ruas não vão ficar quietas com a
visita prevista do ministro das finanças alemão, cujo nome recuso escrever.
Pena
é que tanto ele como Cavaco Silva não façam umas pequenas férias em Atenas, de
4 a 10 de Agosto, onde estarão presentes dois mil filósofos, no seu XXIII
Congresso Mundial.
Entretanto,
derivada de uma teologia mercantil pós-moderna, de origem anglo-saxónica e do
início dos anos oitenta, encontramo-nos enclausurados numa situação bem
conhecida pelos lusitanos – feitos ao bife.
(*) João Marques, Diplomado em Ciências da
Comunicação
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