A greve dos professores e
a greve geral constituíram, no seu conjunto, uma monumental derrota para o
Governo, embora tenham sido realizadas num momento particularmente difícil para
os trabalhadores, como muito bem aponta Daniel
Oliveira na coluna do passado sábado, que assina no Expresso. A propaganda
governamental, as dificuldades económicas que põem em questão a perda de um dia
de salário e o medo das já tristemente famosas listas de requalificação,
leia-se despedimento, que já se encontram em elaboração, seriam razões mais que
suficientes para que as greves fossem pouco participadas. No entanto, foi
praticamente o contrário que aconteceu, como se pôde verificar pela reacção
rancorosa do próprio Governo em relação aos grevistas.
Mas leia-se o excelente
texto de Daniel Oliveira:
A SOLIDÃO DE PASSOS
Nuno
Crato foi só a primeira vítima da dificuldade crescente que este Governo tem em
medir as suas exíguas forças. Decidiu levar o braço de ferro com os professores
até ao fim. Não mudou a data do exame de 17 de Junho, convocou todos os
professores e estava convencido de que teria uma vitória garantida. Se o exame
acontecesse, teria a população contra os professores. O exame aconteceu para
una e não aconteceu para outros. Mas a maioria da população não se pôs ao lado
do Governo. Poderá não ter apreciado especialmente a paralizaçao, mas ficou à
espera que fosse o ministro a resolver o problema. E Crato foi obrigado, não só
a mudar a data do exame seguinte, como, em vésperas de greve geral, a ceder aos
sindicatos em toda a linha.
A
greve geral de quinta-feira ocorreu, para quem a quisesse fazer, no pior
momento possível. Dos que foram trabalhar, poucos disseram “não quero”. Quase
todos diziam “não posso”. O forte desemprego cria ansiedade e medo de perder o
posto de trabalho. Mesmo na administração pública, as listas de quem vai ser “requalificado”
já começam a correr. E em muitas empresas do Estado, sobretudo as que se
preparam para processos de privatização ou reestruturações, os boys do Governo há
muito espalharam o medo entre os funcionários. Já nem no sector público há qualquer
sensação de segurança. As enormes perdas salariais e aumentos de impostos, no
público e no privado, não deixam margem para a perda de um dia que seja de
salário. Nas pequenas empresas, a falência eminente torna ainda mais complicada a
decisão de fazer greve que não tem como alvo o patrão. E, no entanto,
assistimos a uma greve maior do que o habitual no privado. Não no pequeno
comercio ou serviços, como nunca acontece em país algum. Mas em grandes
unidades fabris. Aquelas que, pela sua importância exportadora, maior efeito
têm na economia. E não foi apenas na Autoeuropa. Em dezenas de grandes unidades
industriais (dos Estaleiros de Viana à Tudor, da Lisnave à Centralcer, da
Central Termoelétrica de Sines à Browning) a greve ultrapassou os 60%.
Mas
o mais importante desta greve foi as compreensões com que contou. A Confederação
do Comércio disse que a compreendia. A da Indústria que o Governo empurrou os
sindicatos para ela. A da Agricultura disse que havia mais do que motivos para
a indignação dos trabalhadores. A UGT endureceu o seu discurso. E até ouvi um
deputado do PSD a defender, na televisão, que o executivo deveria aproveitar a
greve para mostrar à troika que a estabilidade social será impossível de
manter. O que esta greve revela, quando é feita num momento tão difícil par a
levar à prática, é o extraordinário isolamento de um primeiro-ministro, sem paralelo
na nossa história recente. Como vimos com Nuno Crato, o Governo ainda não percebeu
muito bem como é frágil a sua situação. E muitos acreditam que a paz podre se
manterá, por medo, desesperança ou falta de alternativas. Acho que estão enganados.
Não serão as autárquicas ou o CDS, como imagina o mundo político e mediático, a
mudar tudo. Será um qualquer erro de cálculo, tão fácil de acontecer a quem já não
tem amigos que lhe chamem à razão. Basta uma nova TSU ou um novo “caso Relvas”
e este Governo, preso por arames, não se aguentará.
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