O
resultado das eleições deste domingo tem sido um tema de top para comentários sobre
o actual momento político que o país vive.
O
seguinte, com o título acima, está entre os mais interessantes que temos lido
por estes dias e transcrevemo-lo do Público de hoje (*). Aconselhamos vivamente
a sua leitura.
A
noite eleitoral de 4 de Outubro revelou-nos, para além de uma elevada abstenção
de cidadãos/ãs descrentes, desesperados e alheados/as da política, um desfecho
de dupla e contraditória face: a provável chamada do PSD/CDS para a formação de
governo versus a perda da maioria parlamentar destes partidos,
potenciando este facto um entendimento à esquerda a curto prazo ou após as
eleições presidenciais e/ou a propósito de eventual orçamento rectificativo ou
alguma outra questão central.
Em
síntese, o povo português, na sua maioria, rejeita a política de austeridade e
o rumo dos últimos 4 anos (aumento de impostos, cortes de salários e pensões,
desemprego, precariedade, empobrecimento, emigração), mas nega ao PS a
viabilidade de alternância exclusiva de poder e, aparentemente mais
surpreendente para muitos, concede (ainda) uma maioria relativa ao PSD/CDS,
principais responsáveis dessa política de austeridade, velhos e actuais
servidores dos interesses do grande capital, sobretudo financeiro, a nível
nacional e internacional (cf. subserviência na Troika,
privatizações de empresas públicas). Mais, muitos dos descontentes e afectados
da política neoliberal da direita, votaram no PS ou manifestaram a sua
esperança quer na CDU quer sobretudo no BE, a única força política com uma
subida espectacular e uma estratégia clara a interpelar o próprio PS para uma
alternativa de esquerda – não para exigir a concretização do seu programa na
totalidade mas um mínimo de três propostas decentes de qualquer política de
esquerda: emprego e não flexibilização de despedimentos, não descapitalização
da segurança social e recuperação de salários e não redução/congelamento de
pensões.
Com
maior ou menor plausibilidade vários têm sido os factores que têm sido
apontados para este desenlace eleitoral, inimaginável há um ano e muito menos
até 2013 com um governo socialmente deslegitimado e politicamente
descredibilizado: a alienação, a falta de liderança, a confiança cega do PS no
seu plano macroeconómico de cariz tecnocrático, a inabilidade ou incompetência
política na (pré-)campanha, a não resolução de clivagens e ressentimentos
internos, o enredo nas armadilhas montadas pela direita PSD/CDS. Se estes
factores contam, creio que a maior parte dos analistas passa ao lado de
questões que já em finais de 2012 eu próprio apontava em texto publicado
“Crise, classes e acção colectiva” (in M.C.Silva e J.V.Aguiar Classes, Políticas e Culturas de Classe, V.N.Famalicão: Húmus,
2012:15-52). A questão mais relevante que, enquanto sociólogo, colocara em tese
de doutoramento sobre o comportamento tradicional do campesinato nortenho,
considero-a ser hoje extensível a outras classes e camadas sociais mais
desprotegidas e vulneráveis à crise: dado o severo agravamento das condições
objectivas de vida da maior parte da população pelo processo de neocolonialismo
financeiro na UE e consequentes políticas da auteridade da Troika ampliadas
pela lavra ideológica neoliberal do PSD/CDS, como é que, salvo algumas poucas e
efémeras manifestações contra estas políticas, não se verificou uma acção
colectiva alargada, persistente e organizada mas antes uma relativa passividade
e resiliência, acomodação ou mesmo resignação? Como se compreende que haja
ainda 2 milhões de eleitores que voltem a dar o voto ao PSD/CDS que não
cumpriram promessas e causaram sofrimento com extorsão de impostos, confisco de
salários e redução de pensões e subsídios?
A
tradicional tese marxista-leninista de que quanto piores as condições
objectivas de vida maior probabilidade das condições subjectivas para a
mudança/revolta ou revolução não se confirma, ou seja, não há uma relação
directa de causa-efeito. A acumulação de expressões de descontentamento e
frustração, ressentimento e indignação ou mesmo de raiva são certamente
ingredientes sociopsicológicos necessários para a acão colectiva e para a
própria mudança nos resultados eleitorais, mas não são suficientes para a
mudança política, sobretudo quando o móbil de cada um/a é, na esteira da ‘ética
da subsistência’ defendida por economistas morais, o da alegada ‘segurança’
existencial em termos familistas ou individuais de sobrevivência, emergindo
estratégias de minimização de riscos e atitudes defensivas de resignação ou
medo de perder posições ou parcos recursos e representando-se o risco de uma
‘mudança para pior’! Seria necessária a desmontagem das eficazes ‘narrativas’
ideológicas do PSD/CDS que, mesmo sem programa, matraqueavam os eleitores com o
medo e o risco do regresso ao caos, se o PS regressasse ao poder, mais ainda se
coligado com os “radicais antieuropeístas” do BE e da CDU! Além de veicular a
falsa ideia da ‘libertação’ da Troika e da recuperação da economia, segundo a
intoxicação mediática pelos ideólogos do PSD/CDS estaria garantida a
estabilidade, ou seja, não haveria o risco de perder o (muito) pouco que
possuivam: a sopa das cantinas ou o apoio de IPSS de tipo paternalista ou
clientelar, as pensões, ainda que mínimas, ou o emprego, mesmo que precário!
Por outro lado, os movimentos sociais, os sindicatos e sobretudo os partidos da
esquerda foram incapazes de gizar uma plataforma política e sustentar uma acção
colectiva continuada de modo a alcançar, ainda que gradual e parcelarmente,
objectivos de uma outra política a curto e médio prazo (renegociação de dívida,
recuperação de salários e pensões, crescimento e diminuição do desemprego,
repartição mais equitativa de rendimentos, a defesa e o reforço do Estado
Social). Por fim, pequenos partidos tradicionais ou outros novos grupos
dissidentes, apelando à unidade de esquerda, em vez de discutirem no seio ou
com os partidos existentes, criaram paradoxalmente novos partidos que acabaram
por não ter representação parlamentar, sendo todavia de esperar que os seus
contributos futuros possam ter lugar, sem ressentimentos nem sectarismos, no
reforço e na abertura dos existentes partidos de esquerda.
Alguns
dirigentes do PS, quais ‘donos de votos’, não entendendo a saturação do PS
junto dos eleitores pelos comportamentos e políticas do próprio PS no passado,
têm atribuído de modo pouco democrático ou até patético a sua derrota à votação
de cidadãos/ãs no BE e na CDU! Ora o principal desafio político que se coloca
ao PS num futuro próximo é o de corresponder à vontade da maioria do povo
português sem qualquer pretensão monopolista ou mesmo hegemónica quanto à
necessidade de negociar uma solução política à esquerda com o BE, a CDU e o
PAN. A longa história dos partidos socialistas evidencia que, sempre que
governam mais à direita, tendem a perder as eleições para os partidos de
direita! Quererão repetir o erro satisfazendo clientelas e os grandes
interesses económicos mas hipotecando o futuro ou encetar nova caminhada por
uma real viragem política à esquerda em prol do país e ir de encontro às
necessidades, problemas e aspirações da maior parte do sofrido povo português?
(*) Manuel Carlos Silva, sociólogo
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