quinta-feira, 8 de outubro de 2015

E AGORA PS?


O resultado das eleições deste domingo tem sido um tema de top para comentários sobre o actual momento político que o país vive.
O seguinte, com o título acima, está entre os mais interessantes que temos lido por estes dias e transcrevemo-lo do Público de hoje (*). Aconselhamos vivamente a sua leitura.
A noite eleitoral de 4 de Outubro revelou-nos, para além de uma elevada abstenção de cidadãos/ãs descrentes, desesperados e alheados/as da política, um desfecho de dupla e contraditória face: a provável chamada do PSD/CDS para a formação de governo versus a perda da maioria parlamentar destes partidos, potenciando este facto um entendimento à esquerda a curto prazo ou após as eleições presidenciais e/ou a propósito de eventual orçamento rectificativo ou alguma outra questão central.
Em síntese, o povo português, na sua maioria, rejeita a política de austeridade e o rumo dos últimos 4 anos (aumento de impostos, cortes de salários e pensões, desemprego, precariedade, empobrecimento, emigração), mas nega ao PS a viabilidade de alternância exclusiva de poder e, aparentemente mais surpreendente para muitos, concede (ainda) uma maioria relativa ao PSD/CDS, principais responsáveis dessa política de austeridade, velhos e actuais servidores dos interesses do grande capital, sobretudo financeiro, a nível nacional e internacional (cf. subserviência na Troika, privatizações de empresas públicas). Mais, muitos dos descontentes e afectados da política neoliberal da direita, votaram no PS ou manifestaram a sua esperança quer na CDU quer sobretudo no BE, a única força política com uma subida espectacular e uma estratégia clara a interpelar o próprio PS para uma alternativa de esquerda – não para exigir a concretização do seu programa na totalidade mas um mínimo de três propostas decentes de qualquer política de esquerda: emprego e não flexibilização de despedimentos, não descapitalização da segurança social e recuperação de salários e não redução/congelamento de pensões. 
Com maior ou menor plausibilidade vários têm sido os factores que têm sido apontados para este desenlace eleitoral, inimaginável há um ano e muito menos até 2013 com um governo socialmente deslegitimado e politicamente descredibilizado: a alienação, a falta de liderança, a confiança cega do PS no seu plano macroeconómico de cariz tecnocrático, a inabilidade ou incompetência política na (pré-)campanha, a não resolução de clivagens e ressentimentos  internos, o enredo nas armadilhas montadas pela direita PSD/CDS. Se estes factores contam, creio que a maior parte dos analistas passa ao lado de questões que já em finais de 2012 eu próprio apontava em texto publicado “Crise, classes e acção colectiva” (in M.C.Silva e J.V.Aguiar Classes, Políticas e Culturas de Classe, V.N.Famalicão: Húmus, 2012:15-52). A questão mais relevante que, enquanto sociólogo, colocara em tese de doutoramento sobre o comportamento tradicional do campesinato nortenho, considero-a ser hoje extensível a outras classes e camadas sociais mais desprotegidas e vulneráveis à crise: dado o severo agravamento das condições objectivas de vida da maior parte da população pelo processo de neocolonialismo financeiro na UE e consequentes políticas da auteridade da Troika ampliadas pela lavra ideológica neoliberal do PSD/CDS, como é que, salvo algumas poucas e efémeras manifestações contra estas políticas, não se verificou uma acção colectiva alargada, persistente e organizada mas antes uma relativa passividade e resiliência, acomodação ou mesmo resignação? Como se compreende que haja ainda 2 milhões de eleitores que voltem a dar o voto ao PSD/CDS que não cumpriram promessas e causaram sofrimento com extorsão de impostos, confisco de salários e redução de pensões e subsídios? 
A tradicional tese marxista-leninista de que quanto piores as condições objectivas de vida maior probabilidade das condições subjectivas para a mudança/revolta ou revolução não se confirma, ou seja, não há uma relação directa de causa-efeito. A acumulação de expressões de descontentamento e frustração, ressentimento e indignação ou mesmo de raiva são certamente ingredientes sociopsicológicos necessários para a acão colectiva e para a própria mudança nos resultados eleitorais, mas não são suficientes para a mudança política, sobretudo quando o móbil de cada um/a é, na esteira da ‘ética da subsistência’ defendida por economistas morais, o da alegada ‘segurança’ existencial em termos familistas ou individuais de sobrevivência, emergindo estratégias de minimização de riscos e atitudes defensivas de resignação ou medo de perder posições ou parcos recursos e representando-se o risco de uma ‘mudança para pior’! Seria necessária a desmontagem das eficazes ‘narrativas’ ideológicas do PSD/CDS que, mesmo sem programa, matraqueavam os eleitores com o medo e o risco do regresso ao caos, se o PS regressasse ao poder, mais ainda se coligado com os “radicais antieuropeístas” do BE e da CDU! Além de veicular a falsa ideia da ‘libertação’ da Troika e da recuperação da economia, segundo a intoxicação mediática pelos ideólogos do PSD/CDS estaria garantida a estabilidade, ou seja, não haveria o risco de perder o (muito) pouco que possuivam: a sopa das cantinas ou o apoio de IPSS de tipo paternalista ou clientelar, as pensões, ainda que mínimas, ou o emprego, mesmo que precário! Por outro lado, os movimentos sociais, os sindicatos e sobretudo os partidos da esquerda foram incapazes de gizar uma plataforma política e sustentar uma acção colectiva continuada de modo a alcançar, ainda que gradual e parcelarmente, objectivos de uma outra política a curto e médio prazo (renegociação de dívida, recuperação de salários e pensões, crescimento e diminuição do desemprego, repartição mais equitativa de rendimentos, a defesa e o reforço do Estado Social). Por fim, pequenos partidos tradicionais ou outros novos grupos dissidentes, apelando à unidade de esquerda, em vez de discutirem no seio ou com os partidos existentes, criaram paradoxalmente novos partidos que acabaram por não ter representação parlamentar, sendo todavia de esperar que os seus contributos futuros possam ter lugar, sem ressentimentos nem sectarismos, no reforço e na abertura dos existentes partidos de esquerda.
Alguns dirigentes do PS, quais ‘donos de votos’, não entendendo a saturação do PS junto dos eleitores pelos comportamentos e políticas do próprio PS no passado, têm atribuído de modo pouco democrático ou até patético a sua derrota à votação de cidadãos/ãs no BE e na CDU! Ora o principal desafio político que se coloca ao PS num futuro próximo é o de corresponder à vontade da maioria do povo português sem qualquer pretensão monopolista ou mesmo hegemónica quanto à necessidade de negociar uma solução política à esquerda com o BE, a CDU e o PAN. A longa história dos partidos socialistas evidencia que, sempre que governam mais à direita, tendem a perder as eleições para os partidos de direita! Quererão repetir o erro satisfazendo clientelas e os grandes interesses económicos mas hipotecando o futuro ou encetar nova caminhada por uma real viragem política à esquerda em prol do país e ir de encontro às necessidades, problemas e aspirações da maior parte do sofrido povo português?
(*) Manuel Carlos Silva, sociólogo

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