É com um grato prazer que deixamos aqui
um novo texto que recebemos do bloquista de Faro Augusto Taveira – título acima
– relativamente ao qual verificamos que mantém a qualidade a que já nos
habituou.
Eu julgava que a eleição para
a Assembleia da República era para eleger deputados para o Parlamento, em
número proporcional, pelo método de Hondt, aos votos recolhidos por cada
partido dentro de cada círculo eleitoral.
Eu julgava que era assim, mas
não. Afinal as eleições para a Assembleia da República eram para eleger o
primeiro-ministro, melhor, um primeiro-ministro, a fazer lembrar tempos idos
(os da famigerada Assembleia Nacional).
A ser assim, havendo um
partido mais votado, é simples, o "chefe" desse partido é o
primeiro-ministro. Não é esta a regra numa boa parte da Europa que serve de
exemplo para outras coisas mas, pelos vistos, é esta a regra em Portugal… E não
sei mesmo por que é que ainda ninguém alvitrou que deveria haver lugar a uma
segunda volta das legislativas para a escolha do primeiro-ministro!?...
Pode chegar o dia em que cada
um dos partidos, exceto um, não ultrapasse 1%. Isso é matematicamente possível
e o MRPP com a sua votação de 1,1% ganharia as eleições. Tínhamos
primeiro-ministro, com a vantagem de Garcia Pereira não ser importunado por
incompetente ou outras coisas piores…
Quando votei numa mesa em
Faro, a minha ideia é que estava a votar na lista do círculo eleitoral de Faro,
encabeçada por João Vasconcelos. Claro que eu sabia que, ao fim e ao cabo, a
não haver maioria absoluta de um só partido/coligação, a escolha do
primeiro-ministro haveria de resultar da maioria dos deputados eleitos...
Catarina Martins que me desculpe, mas confesso que quando votei não estava a
pensar e nem alimentava nenhuma "fezada" que o meu voto poderia pô-la
em primeira-ministra, como penso que quem votou no PAN não estava a pensar que
André Lourenço e Silva pudesse vir a ser primeiro-ministro. Era assim que eu
pensava – naturalmente, serei a exceção que confirma a regra... – mas, pelos
vistos, pensava mal: quando votei no Bloco eu, afinal, estava a votar na dupla
Passos/Portas. Uma análise cuidada da forma como desenhei a cruzinha permitiria
concluir que eu votava em Passos para 1º ministro, Portas para 2º ministro e
assim por diante, de modo a que tudo se encaixasse na divina vontade do
"deus nosso senhor mercado" e de Cavaco Silva, seu mensageiro na Lusa
Terra.
Ora acontece que, depois de
ter desgraçado o País, mesmo assim a coligação PàF conseguiu ter mais votos, só
que com um "pequeno" contratempo, os mais de 700 mil que perdeu fez
com que, na Assembleia da República, fique com menos deputados do que os
outros.
Os comparsas da troica,
representantes da Europa da alta finança, franziram o sobrolho à socapa, mas
logo trataram de fazer vista grossa, mandando a grande imprensa europeia de
direita – desde o El Pais ao Guardian, passando pelo Figaro – como que refazer
os resultados eleitorais, realçando a vitória da coligação de direita e uma
suposta vontade expressa, por parte do povo português, de continuação da
política de austeridade. Apesar de, para o presidente do Eurogrupo – aquele
fuinha do mestrado falso, uma espécie de Relvas em versão holandesa – os
resultados terem sido ambíguos, se algo o povo mostrou foi que estava farto da
política da direita.
Não demoraram os lamentos da
direita europeia pelo estorvo que às vezes constitui a democracia, justificados
pelos espirros que se adivinhavam por parte dos sacrossantos mercados.
Até agora, a narrativa dos
comentadores da direita – ou seja, de quase todos os comentadores... – tem sido
que a coligação ganhou, logo, deve formar governo, porque uma solução à
esquerda é batota. Já não é batota, não é "ganhar na secretaria", o
querer continuar com a mesma política de austeridade chumbada pelo povo nas
urnas!? Ora, como está previsto que o governo dependa da Assembleia da
República e, nesta, a maioria dos deputados pertence a partidos que na campanha
eleitoral estiveram contra a austeridade, uma solução cumpridora da vontade do
povo era o paradoxo de termos o governo da austeridade de Passos a governar com
políticas antiausteridade... Que tal?...
Para o efeito, adivinhamos
que Passos – detentor de um curso de Economia que se adivinha tirado às três
pancadas – precise de umas explicações sobre a origem da crise financeira e das
dívidas públicas, sobre as agências de rating, os offshores, sobre a história
dos mafiosos donos de Portugal e do Mundo. Uma vez que ficava muito caro chamar
Varoufakis para umas aulas ao domicílio, que tal umas explicações dadas por
Mariana Mortágua ou Castro Caldas, Ferreira do Amaral, Louçã, José Reis ou
Eugénio Rosa? Compreende-se o embaraço, pelo que uma sugestão era recorrer a
Ferreira Leite. Daria apenas para não repetir algumas asneiras menores, mas
havia a vantagem de ficar tudo em família sem dar tanta bandeira…
Como é sabido, desde tempos
imemoriais que o interesse dos povos se confunde com o desejo das cliques que
os dominam. Os Reis Sol não desistem de querer sê-lo, pelo que estamos a
assistir a uma montanha de escolhos que estão a ser colocados no caminho para
que não exista em Portugal um governo fora do chamado arco da governação. Quem
se preocupa com a pretensa batota, são os mesmos que durante 4 anos
reverenciaram as agências de rating, aceitaram a mentira e o empobrecimento do
País em resultado da agiotagem da alta finança.
Aquela que será a última
cartada da direita parece ser a de contar com a não unanimidade dentro do PS.
Já ouvi dizer que os 9 deputados que faltam para ter maioria, a PàF os pode ir
buscar à bancada do PS. Há anos foi
preciso um “queijo limiano” para o PS poder ter a maioria, a direita parece
agora sonhar com o pagamento com juros, 9 "queijos limianos" é o
quantum satis.
Passos parece que adivinhava
e advertiu o povo para que disso não houvesse necessidade: "Vejam lá se
querem correr o risco de na 2ª feira acordarem com um primeiro-ministro que não
pertence ao partido mais votado!" Não obstante, depois de tão avisadas
palavras, mais de 60% do povo não lhe ligou nenhuma...
A política do vale tudo para
recuperar o poder perdido nas urnas pode, ainda desta vez, dar frutos para a
direita, mas uma coisa está a acontecer, a direita está a deixar de conseguir
incutir a ideia de que não há soluções à esquerda e de que é leproso sem
direito de admissão quem resiste a ficar de joelhos e se atreve a afrontar o
status quo imposto pela alta finança. Por conseguinte, uma política de esquerda
começa a ter pés para andar em Portugal. Em Portugal, na Europa e no Mundo.
Porque, apesar do esmagador TINA (There Is No Alternative), se vai percebendo
aqui e ali que outro mundo é possível.
Augusto Taveira – Faro
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