sábado, 3 de outubro de 2015

UM PAÍS COM REGRAS!...



O nosso camarada de Faro, Augusto Taveira, enviou-nos ontem à noite o seguinte texto com o título acima. Pela qualidade que evidencia e pelo tema que aborda achámos do maior interesse a sua divulgação neste blog.
Quem poderá pôr em causa que devem existir regras de trânsito, regras de segurança nos aeroportos, regras de funcionamento de uma escola, ou... de um hospital? Trata-se de regras imprescindíveis. Outras "REGRAS" dispensam-se e é dessas que vou falar.
Há dias, um jornal denunciou em grandes parangonas "HOSPITAL RECUSA ASSISTIR BEBÉ FERIDO".
O caso deu-se no hospital público de Santo António, no Porto. Feito o desconto do sensacionalismo, habitual naquele periódico, veio-me à lembrança um caso verídico, teria eu uns 4 anos. Esta foi quiçá a mais remota recordação, bastante traumatizante, e que me marcou para todo o sempre.
Com a idade que tinha, adivinho que a minha avó me deve ter poupado a algum pormenor mais chocante. Apesar de tudo retive o seguinte,... como se fosse hoje:
Um dos hóspedes do rés-do-chão do prédio onde eu nascera e vivia, em Lisboa, era um jovem casal que tinha um bebé de cerca de 1 ano. Do terraço do "meu" 1º andar, eu ficava horas a espreitar, embevecido, os mimos trocados entre a jovem mãe e o bebé.
Um dia aconteceu uma desgraça: o bebé enfiou na boca um alfinete-de-ama aberto. 
A única solução foi recorrer ao hospital. Era uma sorte o hospital ser tão perto! As urgências do Hospital da CUF ficavam a 2 minutos, a pé. Seguramente, bem menos de 2 minutos para uma mãe a correr aflita com o bebé ao colo!...
Porém, um contratempo fez com que de nada tivesse valido a sorte da localização do hospital. Foi recusado o atendimento, porque o Hospital da CUF era particular e destinava-se, como o próprio nome indicava, apenas a funcionários daquela empresa. Eram as regras, paciência!
A mãe, impotente, desatou a correr para a praça de táxis, que ficava a uns 2 minutos dali. Ou nem tanto, para uma mãe a correr aflita com o bebé ao colo...
O táxi, feito ambulância, zarpou a toda a velocidade, creio que para o Hospital de S. José, seguramente quase voou com a benevolência dos polícias sinaleiros que foi encontrando pelo caminho. (Penso que não fujo à verdade se recordar que na altura não havia 115, muito menos 112. E se houvesse, de pouco serviria qualquer número nacional de emergência, uma vez que telefones – fixos, claro – eram raras as casas que os tinham).
Lembro-me, como se fosse hoje, do desassossego desse dia, de que aqui tento partilhar a recordação, com as devidas desculpas por alguma imprecisão, quer pela apreciação naturalmente feita pela criança de 4 anos que eu era – acrescida da confusão de sentimentos que me terão invadido –, quer por se tratar de acontecimento longínquo no tempo, passados que são já 60 anos.
Ainda assim, não se me varreu a imagem com que fiquei do grande alvoroço que estalou na rua e a notícia, avassaladora, acabou por me atingir como um raio: “MORREU O BEBÉ DA MENINA AURORA!”
Terá chegado já morto ao hospital de S. José. Sufocado.
A indignação e revolta pressentia-se em toda a vizinhança. A sede de justiça exprimia-se aqui e ali através de um impotente "Isto não devia ficar assim!" Adivinho que o meu pai, a transbordar de raiva, não terá deixado de vociferar entredentes: "Cabrão do Salazar!..." Adivinho também a consequente recomendação da minha mãe: "Cuidado com os palavrões, olha as crianças!", logo seguido do aviso sábio: "...E olha que as paredes têm ouvidos!..."
O crime – expressão por que opto, por não ter encontrado outra mais contundente – foi, evidentemente, abafado: no jornal da altura, aposto que nem uma linha...
Felizmente, o bebé do Hospital de Santo António safou-se e tudo não terá passado de um susto, de que, ainda assim, haverá que apurar responsabilidades.
Passados 60 anos, naturalmente que há diferenças: O bebé do Santo António do Porto "ganhou" ao bebé da CUF de Lisboa. Há 60 anos, o bebé tinha um ano e não veio no jornal que foi "chutado" do privado para o público, porque no
fascismo havia regras!... 60 anos depois, o bebé tinha dois anos. Veio no jornal que, objetivamente, foi "chutado" do público para o privado por falta de meios de assistência.
As vozes do dono "martelam-nos" até à exaustão que andámos a viver acima das nossas possibilidades, daí resultando que ter urgência pediátrica no Santo António do Porto deve ser um luxo, só pode... 
Salvaguardadas as diferenças, infelizmente os tempos que correm fazem cada vez mais lembrar os tempos que já correram e pensávamos de todo sem retorno. Já pouco falta para voltarmos aos tempos do “portugalinho pobrete mas alegrete", remendado para ir à missa ao domingo... 
Quando alguém, na sua ingenuidade, atira que o que faz falta é um Salazar, contraponho que estamos tanto pior quanto mais nos aproximamos do tempo daquela criatura sinistra. 
Os últimos governos, com este à cabeça, conseguiram atrasar o calendário do país umas décadas valentes. A juntar ao saque dos salários e pensões, o ataque às funções sociais do estado, patente – como no caso presente – na falta de meios adequados para atender convenientemente as populações, mostra, aqui e ali, que começamos, enfim, a ter um País com “REGRAS”!... 
Dispensáveis de todo!... 
Augusto Taveira – Faro

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