O
nosso camarada de Faro, Augusto Taveira, enviou-nos ontem à noite o seguinte
texto com o título acima. Pela qualidade que evidencia e pelo tema que aborda
achámos do maior interesse a sua divulgação neste blog.
Quem
poderá pôr em causa que devem existir regras de trânsito, regras de segurança
nos aeroportos, regras de funcionamento de uma escola, ou... de um hospital?
Trata-se de regras imprescindíveis. Outras "REGRAS" dispensam-se e é
dessas que vou falar.
Há
dias, um jornal denunciou em grandes parangonas "HOSPITAL RECUSA ASSISTIR
BEBÉ FERIDO".
O
caso deu-se no hospital público de Santo António, no Porto. Feito o desconto do
sensacionalismo, habitual naquele periódico, veio-me à lembrança um caso
verídico, teria eu uns 4 anos. Esta foi quiçá a mais remota recordação,
bastante traumatizante, e que me marcou para todo o sempre.
Com
a idade que tinha, adivinho que a minha avó me deve ter poupado a algum
pormenor mais chocante. Apesar de tudo retive o seguinte,... como se fosse
hoje:
Um
dos hóspedes do rés-do-chão do prédio onde eu nascera e vivia, em Lisboa, era
um jovem casal que tinha um bebé de cerca de 1 ano. Do terraço do
"meu" 1º andar, eu ficava horas a espreitar, embevecido, os mimos
trocados entre a jovem mãe e o bebé.
Um
dia aconteceu uma desgraça: o bebé enfiou na boca um alfinete-de-ama
aberto.
A
única solução foi recorrer ao hospital. Era uma sorte o hospital ser tão perto!
As urgências do Hospital da CUF ficavam a 2 minutos, a pé. Seguramente, bem
menos de 2 minutos para uma mãe a correr aflita com o bebé ao colo!...
Porém,
um contratempo fez com que de nada tivesse valido a sorte da localização do
hospital. Foi recusado o atendimento, porque o Hospital da CUF era particular e
destinava-se, como o próprio nome indicava, apenas a funcionários daquela
empresa. Eram as regras, paciência!
A
mãe, impotente, desatou a correr para a praça de táxis, que ficava a uns 2
minutos dali. Ou nem tanto, para uma mãe a correr aflita com o bebé ao colo...
O
táxi, feito ambulância, zarpou a toda a velocidade, creio que para o Hospital
de S. José, seguramente quase voou com a benevolência dos polícias sinaleiros
que foi encontrando pelo caminho. (Penso que não fujo à verdade se recordar que
na altura não havia 115, muito menos 112. E se houvesse, de pouco serviria
qualquer número nacional de emergência, uma vez que telefones – fixos, claro –
eram raras as casas que os tinham).
Lembro-me,
como se fosse hoje, do desassossego desse dia, de que aqui tento partilhar a
recordação, com as devidas desculpas por alguma imprecisão, quer pela
apreciação naturalmente feita pela criança de 4 anos que eu era – acrescida da
confusão de sentimentos que me terão invadido –, quer por se tratar de
acontecimento longínquo no tempo, passados que são já 60 anos.
Ainda
assim, não se me varreu a imagem com que fiquei do grande alvoroço que estalou
na rua e a notícia, avassaladora, acabou por me atingir como um raio: “MORREU O
BEBÉ DA MENINA AURORA!”
Terá
chegado já morto ao hospital de S. José. Sufocado.
A
indignação e revolta pressentia-se em toda a vizinhança. A sede de justiça
exprimia-se aqui e ali através de um impotente "Isto não devia ficar
assim!" Adivinho que o meu pai, a transbordar de raiva, não terá deixado
de vociferar entredentes: "Cabrão do Salazar!..." Adivinho também a
consequente recomendação da minha mãe: "Cuidado com os palavrões, olha as
crianças!", logo seguido do aviso sábio: "...E olha que as paredes
têm ouvidos!..."
O
crime – expressão por que opto, por não ter encontrado outra mais contundente –
foi, evidentemente, abafado: no jornal da altura, aposto que nem uma linha...
Felizmente,
o bebé do Hospital de Santo António safou-se e tudo não terá passado de um
susto, de que, ainda assim, haverá que apurar responsabilidades.
Passados
60 anos, naturalmente que há diferenças: O bebé do Santo António do Porto
"ganhou" ao bebé da CUF de Lisboa. Há 60 anos, o bebé tinha um ano e
não veio no jornal que foi "chutado" do privado para o público,
porque no
fascismo
havia regras!... 60 anos depois, o bebé tinha dois anos. Veio no jornal que,
objetivamente, foi "chutado" do público para o privado por falta de
meios de assistência.
As
vozes do dono "martelam-nos" até à exaustão que andámos a viver acima
das nossas possibilidades, daí resultando que ter urgência pediátrica no Santo
António do Porto deve ser um luxo, só pode...
Salvaguardadas
as diferenças, infelizmente os tempos que correm fazem cada vez mais lembrar os
tempos que já correram e pensávamos de todo sem retorno. Já pouco falta para
voltarmos aos tempos do “portugalinho pobrete mas alegrete", remendado
para ir à missa ao domingo...
Quando
alguém, na sua ingenuidade, atira que o que faz falta é um Salazar, contraponho
que estamos tanto pior quanto mais nos aproximamos do tempo daquela criatura
sinistra.
Os
últimos governos, com este à cabeça, conseguiram atrasar o calendário do país
umas décadas valentes. A juntar ao saque dos salários e pensões, o ataque às
funções sociais do estado, patente – como no caso presente – na falta de meios
adequados para atender convenientemente as populações, mostra, aqui e ali, que
começamos, enfim, a ter um País com “REGRAS”!...
Dispensáveis
de todo!...
Augusto Taveira – Faro
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