A
par da cultura pode-se dizer que a educação também não dá votos. O que se sabe
é que este sector determinante para a vida do país necessita das “reformas
estruturais” que vêm a ser sucessivamente adiadas de Governo para Governo. O
que a coligação PSD/CDS levou a cabo no sector educativo, a que chamou
“reformas”, teve exclusivamente a ver com redução de custos através de um
desinvestimento sistemático que só beneficiou o ensino privado. Esta acção foi
cognominada de “racionalização”, mais uma designação inserida na linguagem
orwelliana com que Passos e Portas foram mascarando as diversas malfeitorias
levadas a cabo contra os portugueses.
Vem
muito a propósito o texto seguinte que retirámos do Público de hoje, onde o
autor refere um documento aprovado recentemente no Fórum Mundial Sobre Educação
realizado na Republica da Coreia e pouco falado entre nós.
Ouve-se
frequentemente que as reformas estruturais necessárias à Educação acabam por
ser proteladas devido à brevidade dos ciclos políticos. Reconhecidamente,
qualquer mudança no sistema educativo demora tempo a planear-se a instalar e
ainda mais tempo a avaliar o seu impacto e resultados.
Alterar
algo no sistema educativo tem uma visibilidade presente limitada e por isso se
diz que esta falta de visibilidade imediata acaba por desencorajar ou limitar o
âmbito das reformas. Por isso são tão bem acolhidos os documentos e as tomadas
de posição que projetam a Educação para o futuro e nos convidam a pensar para
além dos constrangimentos presentes.
Recentemente,
no Fórum Mundial Sobre Educação realizado em Incheon (República da Coreia), foi
aprovado um documento intitulado “Por uma Educação Inclusiva e Equitativa de
qualidade e uma aprendizagem ao longo da vida para todos”. A simples leitura
deste título levanta uma verdadeira agenda programática. Podemos realçar três
aspetos: a) “educação
Inclusiva e Equitativa”
– chamando-nos a atenção que a Educação não deve criar ou agravar desigualdades
mas pelo contrário constituir-se como um espaço de diminuir as barreiras à
aprendizagem e à educação e desta forma não sublinhar e aprofundar as
desigualdades sociais, económicas, culturais entre os alunos, b) em segundo
lugar o termo “de
qualidade”
o que significa que inclusão não é misturar os alunos, não é colocar alunos com
dificuldades em escolas que não mudaram em nada a sua forma tradicional de
atuar. Pelo contrário para promover a “qualidade” precisamos de valorizar e
encorajar todos os alunos para que possam progredir à medida das suas
motivações e dos seus sonhos, c) finalmente “aprendizagem ao longo da vida para todos” – daqui se depreende que a
Educação deixou de ser há muito uma tarefa em que só a escola é recrutada:
educar é responsabilidade das empresas, das comunidades, das cidades, enfim da
vida social. Só assim se pode conceber uma aprendizagem ao longo da vida e…
para todos.
Mas
o documento vai muito mais longe. No seu ponto 7 elege a inclusão e a equidade
na educação como pedra angular de uma agenda transformadora e que por isso “nos comprometemos a fazer frente a todas as
formas de exclusão e marginalização, às disparidades e às desigualdades no
acesso, à participação e os resultados da aprendizagem. Nenhuma meta educativa
se deveria considerar atingida se não for atingida por todos”. Mais adiante (ponto 14) se
afirma que para cumprir os objetivos de referência internacional deveria ser
atribuído à Educação entre 4 e 6% do Produto Interno Bruto e pelo menos 15 a 20
% da despesa pública.
Este
documento tem um âmbito mundial e logo tem de abarcar países e realidades muito
diferentes. No que respeita a Portugal podemos retirar algumas ilações para o
futuro. A principal é que qualquer desinvestimento na Educação é um grave erro
que afeta o futuro, a competitividade e a prosperidade dos países e das
pessoas. Este desinvestimento é por vezes fantasiado de “racionalização”. Mas é
isso mesmo: é uma fantasia. O desinvestimento afeta claramente alguns dos
aspetos – chave que este documento procura salvaguardar. Afeta a qualidade,
afeta a equidade, afeta a educação ao longo da vida e afeta a universalidade do
processo educativo. E damos exemplos: podemos dizer que não há alunos sem
professores mas… será que todos têm os professores que precisam para que a sua
educação seja bem-sucedida? Podemos dizer que há estruturas para a educação de
adultos mas… será que elas respondem capazmente às necessidades, às
possibilidades e ao perfil das pessoas que as podem frequentar? É inevitável
falar dos alunos com Necessidades Educativas Especiais, cujos apoios tanto
pedagógicos como terapêuticos têm sido mitigados de tal forma que é irracional
pensar da sua eficiência (por exemplo o que significa para uma criança com
Paralisia Cerebral 45 minutos de fisioterapia por semana? Ou para uma criança
com dificuldades de linguagem uma terapia da fala 30 minutos por semana?).
Não
é fácil pensar numa educação para 2030 mas podemos pensar numa educação para
2019 que será o fim da próxima legislatura. Aparentemente todos os partidos
consideram que é preciso um novo ciclo, com novas metas. A coligação no poder
diz que “agora é que vai ser…”, “agora Portugal pode mais”. Mas… Pode mais para
fazer o quê? Para poder ainda “racionalizar” mais a educação? Para poder ainda
reforçar mais uma educação com modelos conservadores e não inclusivos? Para
poder ainda considerar que a qualidade deve ser reservada aos “bons alunos”?
Esperamos
que não. Gostaríamos que este ciclo de desinvestimento e de conservadorismo na
Educação pudesse ser invertido. O caminho destes quatro anos aumenta a
distância entre o que se passa em Portugal e as reformas urgentes que temos de
fazer para que a nossa educação não seja igual à dos nossos pais, não seja boa
só para alguns.
(*) David
Rodrigues, Presidente
da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial,
Conselheiro Nacional de Educação.
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