Uma
das consequências da pobreza é a fome. Ninguém consegue viver sem comer e, do
bem-estar a que todos temos direito, como refere a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, faz parte uma alimentação adequada.
Como
refere no Público de hoje, no artigo que transcrevemos para aqui, Cláudia Semedo
(*), há actualmente no mundo perto de 900 milhões de pessoas que passam fome e,
“por ano, mais de 3 milhões de crianças morrem de subnutrição”. São apenas dois
exemplos dos muitos que poderiam ser dados, sem dúvida consequência de uma
brutal injustiça na distribuição da riqueza à escala mundial. Ainda há poucos
dias se podia ler no Expresso diário frases como “metade da riqueza mundialestá nas mãos de 1% da população”; “as diferenças entre ricos e pobres são cadavez mais extremas” ou “daqui a cinco anos, o número de pessoas ricas vai praticamente duplicar”. Mas o pior é que a situação tende a agravar-se, sem
dúvida fruto do domínio cada vez mais acentuado do capitalismo neoliberal à
escala mundial.
“Toda a pessoa
tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a
saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao
alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais
necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez,
na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por
circunstâncias independentes da sua vontade.”
Assim
reza o 25.º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Sim,
o direito à alimentação é um direito universal. Um direito que anda muito
torto, quando mais de 860 milhões de pessoas passam fome. Todos os anos, 1/3
dos alimentos produzidos para consumo humano é desperdiçado, uma em cada oito
pessoas não tem o que comer. Por ano, mais de 3 milhões de crianças morrem de
subnutrição. Os números deixam-no bem claro. Todos os esforços feitos no
sentido da erradicação da fome e da pobreza não são suficientes.
Apesar
de reafirmarmos este compromisso em pactos, cimeiras, objectivos, campanhas,
conferências e agendas, continuamos a não conseguir garantir que todas as
pessoas tenham, a qualquer momento, “o acesso físico e económico a uma quantidade
de alimentos seguros e nutritivos que satisfaçam as necessidades de uma dieta
que permita uma vida activa e saudável”.
Para
que o conceito de "segurança ou soberania alimentar", definido na
primeira Cimeira Mundial da Alimentação, realizada em 1996, possa sair dos
documentos e tornar-se uma realidade global, há que exigir seriedade no caminho
para o cumprimento dos compromissos assumidos.
Em
1966, Portugal ratificou o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos,
Sociais e Culturais, no qual, entre outras questões, assumiu que, enquanto
Estado-parte, reconhecendo o direito de toda pessoa estar protegida contra a
fome, adoptaria, “individualmente e mediante cooperação internacional, as
medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: 1.
Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de géneros
alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos,
pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou
reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a
utilização mais eficazes dos recursos naturais. 2. Assegurar uma repartição
equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades,
levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos
exportadores de géneros alimentícios”.
No
entanto, Portugal encontra-se numa peculiar posição. Para além de apresentar
características tanto de um país desenvolvido como de um país em
desenvolvimento, apresenta desperdício tanto na produção como no consumo, e é o
único país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que não tem uma
estratégia integrada de segurança alimentar.
Somos
incoerentes. Seja por falta de informação, falta de valores ou por comodismo,
somos, insisto, incoerentes.
Se
queremos fazer parte de um mundo onde todas as pessoas possam viver com
dignidade, temos de nos responsabilizar pela mudança de comportamentos.
Agricultura,
Saúde, Segurança Social, Educação, Ambiente e Economia têm de estar alinhados
numa lógica colaborativa de forma a que as acções sejam consequentes.
Há
que esclarecer, informar e trabalhar de forma concertada para que possamos dar
passos firmes no caminho do desenvolvimento efectivo e global.
Estarmos
atentos às condições de trabalho de quem produz, à qualidade dos produtos que
consumimos ou ao impacto ambiental que provocamos é urgente.
É
importante sabermos o que e como estamos a consumir.
É
mais fácil, e, infelizmente, em muitos casos a única solução, dar um euro por fast
food do que
dez euros por uma refeição saudável, produzida e confeccionada de forma
sustentável. Mas em prejuízo de quê?
Exigirmos
condições para que possamos ser livres nas escolhas que fazemos é um direito.
Comer
com qualidade não é um luxo, é um direito. O direito à vida.
(*) Embaixadora
do Ano Europeu para o Desenvolvimento
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