Ainda
há poucos dias afirmava o poeta Manuel Alegre, com toda a propriedade, que
nunca em democracia se mentiu tanto e houve tanta manipulação em Portugal. A propaganda
da maioria de direita, depois de tantas malfeitorias que cometeu contra os
portugueses, transformou o país numa espécie de paraíso em que não há
desemprego, nem valores brutais de emigração, nem fome, nem miséria, nem
salários cada vez mais degradados, nem insegurança nos empregos nem crescimento
exponencial dos custos da saúde e da educação para as famílias nem centenas de
milhares de trabalhadores sem trabalho e sem subsídio de desemprego, nem despedimentos
em massa de professores, trabalhadores da saúde e outros funcionários públicos,
nem encerramento de centros de saúde, hospitais e escolas, nem o crescimento
brutal da dívida pública, enfim, nem doses maciças de austeridade agora
atenuada com a aproximação do acto eleitoral.
Dito
pelos próprios governantes, a seguir vamos ter mais do mesmo se a maioria no
poder ganhar as eleições.
Em
véspera de encerramento da campanha para as Legislativas 2015, vem muito a
propósito o texto seguinte que capturámos do Público, onde Maria José Casa-Nova
(*) como que alerta os portugueses para a forma como irão votar no próximo
domingo.
Por
razões profissionais, desloco-me com alguma regularidade a Lisboa. Numa das
últimas viagens, à chegada a Santa Apolónia, com o tempo à justa para a reunião
de trabalho que me esperava, almocei num pequeno restaurante existente na
estação.
No
final da refeição engolida rapidamente e sem tempo para a terminar, levantei-me
para pousar o tabuleiro. Nesse momento, um senhor aproximou-se e, de forma
muito delicada, perguntou: “Desculpe, não vai comer mais? Posso ficar com o
tabuleiro?” Não interessa como reagi, mas a indignação que senti. Vejo pobres
diariamente como não via desde a minha infância. Uma pobreza mais ou menos
camuflada, mais ou menos envergonhada, mais ou menos flagrante, mas ver
procurar alimento nos caixotes do lixo ou ver pedir os restos dos alimentos de
outros, gela-me o corpo e a alma, embarga-me a garganta, rasa-me os olhos, faz
doer todas as terminações nervosas do corpo.
Nos
últimos anos vimos crescer o número de pobres e a pobreza (ver artigo meu e de
outros colegas no Público
de 09/06/2015, “Infâncias pobres e pobreza em Portugal como escolha política”);
vimos crescer assustadoramente as lojas sociais e as cantinas sociais. Olho-as
com o olhar de socióloga socialmente comprometida. O seu significado faz-me
pensar no país em que nos tornamos: crescimento exponencial do desemprego e
consequente crescimento exponencial da emigração (dos menos e dos mais
qualificados). Ouvimos governantes referir que é preciso “sair da zona de
conforto” e emigrar como se algum conforto houvesse nas situações em que a
diferença entre emigrar ou permanecer é do tamanho da incomensurabilidade entre
morrer devagar ou (sobre)viver no sofrimento do abandono familiar, da solidão,
da dor de ver o seu país retroceder na humanização da sua sociedade. Vimos o
fecho de hospitais, o despedimento de profissionais de saúde, o despedimento de
professores, o despedimento de trabalhadores no sector privado; vimos a
descapitalização da segurança social; vimos a privatização de sectores-chave da
nossa economia, cujo montante arrecadado foi sorvido pelos custos dos
escândalos financeiros do BPN e do BES e não na melhoria das condições de vida
das portuguesas e dos portugueses. Vimos o nosso (ainda não sustentado) Estado
Social transformar-se num Estado assistencialista; os Direitos Sociais
transformados em caridade, em benevolência estatal, as reformas cortadas, o
Rendimento Social de Inserção um luxo e não uma segurança de limiar mínimo de
sobrevivência física. E hoje, atónita, vejo o ainda governo referir que “a
próxima legislatura será obviamente social” (Paulo Portas, Jornal I,
29/07/2015) e o Primeiro Ministro, Passos Coelho referir, na apresentação do
programa da coligação PSD/CDS-PP, que “Poderemos nos próximos quatro anos levar
mais longe a aposta na Educação, a aposta na Saúde, a aposta no social. Nos
próximos quatro anos poderemos devolver mais Estado Social, mais liberdade de
escolha, afirmando uma política segura” (Jornal I, 29/07/2015). Estaremos a
falar das mesmas pessoas que destruíram o excelente Serviço Nacional de Saúde
que Portugal tinha, que transformaram o Estado Social em Estado
Assistencialista, que destruíram o Estado Social? A resposta é SIM; estamos a
falar das mesmas pessoas, que hoje agem querendo branquear as suas políticas;
que hoje agem como se tivessem sido outros a empobrecer Portugal e os
portugueses, a fazer definhar a sua economia; a fazer com que haja portugueses
que aceitam trabalhar por 300 euros mensais. A fazer com que jovens de classes
de menor estatuto social que, possuindo uma licenciatura e um mestrado tirados
na expectativa de um futuro melhor do que o dos seus pais, não conseguem
trabalho não qualificado por excesso de habilitações académicas ou têm de
mentir para conseguir emprego nas caixas dos hipermercados, permanecendo assim
na sua condição social de origem, sem qualquer possibilidade de mobilidade
social ascendente.
Mentem.
Mentem como sempre mentiram, desde o tempo em que eram oposição e depois se
tornaram governo (ver artigo meu, no PÚBLICO de 08/09/2013, “Pilares da
democracia e prática política actual em Portugal”). ENGANAM os portugueses,
tratando-os, não como cidadãos, mas como súbditos (de sub-dito), menores (de
inferiores) sem capacidades ou competências para saber distinguir a verdade da
mentira.
Estes
senhores deviam ser responsabilizados e penalizados por enganar os portugueses
e empobrecer intencionalmente o país, indo pra além da Troika, como tantas vezes referiram.
Esperemos que os portugueses e as portuguesas o façam, votando no próximo
Domingo, por um Portugal com futuro, por um povo com dignidade.
(*) Professora universitária,
coordenadora do Núcleo de Educação para os Direitos Humanos, Universidade do
Minho, membro do núcleo fundador do Manifesto para um Mundo Melhor (manifesto
internacional de cientistas sociais). mjcasanova@ie.uminho.pt
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