A
política do “não há alternativa” (TINA na sigla em inglês) tem um cariz
fortemente anti-democrático ou mesmo totalitário. O que admite, no máximo, é
uma alternância no poder sem que nada mude de essencial quanto a opções de
acção política. Embora com outra retórica e num tempo diferente, foi ao que nos
habitámos a ouvir durante a ditadura salazarista. Não havia alternativa à
guerra colonial, nem à repressão à liberdade em todas as suas formas, nem à
miséria, nem à existência de uma polícia política nem, finalmente, à opção pela
democracia.
Nos
tempos que correm, a TINA conduz-nos à falta de alternativas às políticas
neoliberais mais agressivas, que condicionam a vida das pessoas por todo o
mundo, retirando-lhes direitos e regalias arduamente conquistados.
No
texto seguinte, transcrito do Público de hoje, o autor (*) realça a esperança
que nasceu agora em Portugal com uma possível aproximação da esquerda para que
se dê um primeiro passo no sentido de criar uma alternativa consistente às
políticas nefastas levadas a cabo pela anterior maioria de direita.
Estamos
a viver um tempo politicamente interessante, mobilizador, cheio de atractivos,
mas também muito perigoso, porque se adensam os riscos de total definhamento da
democracia. Como pano de fundo temos uma séria crise da democracia que se tem
vindo a intensificar com assustadora celeridade. A estruturação de uma ditadura
financeira na Europa tornou-se evidente com o caso Grécia. Já não é necessária
grande perspicácia política para compreender que a perda de soberania desagua
na extinção da democracia efectiva no interior de cada pátria
europeia.
No
espaço nacional, emergiu, de modo súbito, uma situação inédita na história
desta nossa 2.ª República: a hipótese de concretização da tão sonhada e
apregoada unidade de esquerda. Este surpreendente agitar de águas em torno da
procura de solução governativa, motivado pela lúcida atitude do PCP de
viabilizar um governo minoritário do PS como primeiro gesto destinado a travar
a onda antidemocrática gerada pela tão em voga ideologia do austeritarismo, parece-me concorrer para um
promissor reavivar da chama da democracia.
Actuando
de forma aparentemente concertada, PCP e BE desferem forte e certeiro golpe na
tão nefasta quanto reaccionariamente empobrecedora política do “não há
alternativa”. Toda esta agitação tem tido, para mim, entre outras, a virtude de
possuir especial utilidade prática: pôr a nu o falso socialismo de muitos
socialistas. Fez cair as velhas máscaras, deixando bem expostos os perfis
ideológicos reais de gente que tem passado a vida a fingir que é de esquerda,
que é socialista, que é contrário aos interesses do universo direitista da
coligação PaF, quando na realidade pertence exactamente ao mesmo universo de
interesses. Uma consolidada irmandade.
O
exemplo mais exuberante deste útil efeito imediato das negociações do PS com os
partidos situados à sua esquerda foi-nos oferecido pelo ex e pelo actual líder
de uma central sindical, a UGT. João Proença e Carlos Silva apressaram-se a vir
a terreiro manifestar o seu pavor. Assumiram protagonismo de solistas num coro
de sujeitos mascarados de socialistas, onde melodiam sob a batuta de destacados
dirigentes do PS, e até de putativos candidatos ao lugar de secretário-geral do
partido. Um coro que agora faz triunfante tournée pelos canais televisivos, bem
como por todo o restante território da comunicação social.
Após
os mais agressivos quatro anos de política contra o bem-estar dos
trabalhadores, depois de uma política que gerou a maior transferência de
riqueza do trabalho para o capital de que há memória no Portugal contemporâneo,
estes sujeitos utilizadores do disfarce de representantes dos trabalhadores,
exemplo daquilo a que chamo o kitsch político,
vêm afirmar que a única boa solução é manter no poder os autores dessa
política, através de uma aliança do PS com a coligação de direita. O que, a
concretizar-se, consistiria também grave traição ao sentido de voto dos
socialistas autênticos, que foram votar no passado dia 4 de Outubro com o
objectivo prioritário de varrer do poder esses inimigos dos trabalhadores e da
própria democracia, pois o discurso do “não há alternativa” é, por definição,
uma forma de negar a possibilidade de existir uma sociedade livre e
democrática. É a negação da possibilidade de escolha por parte do cidadão.
Óbito da democracia.
A
esperançosa unidade de esquerda pode acabar por não se concretizar; mas a
tentativa de a edificar teve já este grande mérito: fazer cair as máscaras. Um
belo contributo para o premente combate ao kitsch político.
(*) João Maria de Freitas-Branco, Filósofo
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