terça-feira, 13 de outubro de 2015

POR UMA APROXIMAÇÃO DA ESQUERDA


A situação política que actualmente se vive em Portugal vem sendo tema de muitas opiniões escritas e faladas na nossa comunicação social. É muito positivo que assim aconteça porque é uma maneira de as pessoas ficarem mais bem esclarecidas – se assim o desejarem – sobre as decisões que os principais decisores políticos vão tomar sobre o futuro da governação do país.   
O autor do texto seguinte, que transcrevemos do Público de hoje, auto-intitula-se “velho combatente da ditadura de Salazar” (*). Partindo de um ponto de vista muito crítico em relação ao PS, defende claramente uma aproximação das forças de esquerda tendo em atenção que “há muita coisa que pode ser feita no imediato para bem da grande maioria dos portugueses sem mexer nas questões impossíveis”. É, pois, um claro apoiante de um acordo como aquele que poderá estar a ser desenhado entre PS, PCP e BE.
Deixei Portugal em fins de 1968 porque não tinha mais condições para continuar no meu país o combate pelos meus ideais de liberdade para todos e de igualdade de todos nos seus direitos à vida, habitação, alimentação, saúde, educação. Tornei-me professor universitário na Bélgica e cientista e, agora aposentado, substituí o ensino de cátedra pelas conferências e pela escrita de livros em que argumento em defesa desses mesmos ideais.
Neste momento crítico para Portugal, quero dizer, por interposto “leitor”, duas palavras aos meus concidadãos. Perdoem-me a ousadia.
O nosso “centro” político é o PS e tem sido sempre assim, mas depois destas eleições,o que suceder a este centro, ou melhor o que ele fizer nesta encruzilhada, neste aperto em que está – virar à direita ou virar à esquerda –, é particularmente determinante. Não vou dirigir-me ao PS. Por uma simples razão: ele é uma mistura sem coerência, só poderia dirigir-me a este ou àquele socialista, mas que nunca seria representativo, porque nestas coisas não há nem média nem figura típica. Vou portanto dirigir-me a um socialista que já morreu, o meu pai, porque foi modesto militante do PS e grande admirador de Mário Soares (eu nunca fui admirador deste, só da sua coragem e da sua inteligência política).
Pai, lembras-te (pela primeira vez trato-te por tu) que quando eu tinha 14 anos me deste um livrinho que explicava, em português, a filosofia política e a economia política de Karl Marx? Na época era certamente um livro proibido, nunca soube como o obtiveste. Apesar das inquietações que te causei, a ti e à Mãe, entre os meus 18 e 25 anos, não creio que te tenhas arrependido de mo teres feito ler. Sei que foi por duas razões: porque, embora tivesses alguns defeitos da tua geração (achavas que quem manda é o homem sem H, o macho), respeitavas os outros e os seus direitos; e porque, coerente com o teu amor pela liberdade, sempre respeitaste a minha.
Pai, hoje o teu Partido está encrencado. É um Partido partido, dividido em pedaços, quantos nem sei. Em todas as questões iminentes é profunda a discórdia. Digo bem questões iminentes, porque por exemplo ficar ou não na Eurozona não faz parte delas. Eu preferiria que Portugal não pertencesse a esta Eurozona mas diria que sim a outra que fosse mais democrática e respeitadora dos seus Estados. Porém, repito, essa questão não se coloca agora. Não posso falar pelo BE nem pelo PCP, mas creio que lá no fundo eles devem saber que há muita coisa que pode ser feita no imediato para bem da grande maioria dos portugueses sem mexer nas questões impossíveis. Olha, eu por exemplo gostaria que se dedicasse à ciência pelo menos 10% do orçamento do Estado, mas se eu fosse partido político não diria, em relação a essa medida, ou pegas ou não contes comigo.
Pai, sempre me disseste que político tem tendência a ser velhaco, propor alguma coisa só para entalar o outro. Mas neste caso o BE e o PCP e outras forças de esquerda (de verdadeira esquerda) mesmo sem representação parlamentar, como é o caso do L/TdeA, deveriam encontrar-se e com urgência, em vez de se olharem de soslaio como sempre têm feito, definirem um conjunto de medidas políticas que a verdadeira esquerda do PS apoiasse. Talvez eu não seja realista, mas acredito que no teu PS atual, que, como te digo, tem sido um partido do “centro”, há ainda muitos militantes de verdadeira esquerda (como tu eras) e que talvez eles possam, apoiando-se na vontade popular, contribuir para, nesta dramática encruzilhada, fazer virar o PS à esquerda. Há coisas inesperadas na História. A derrota do Ed Miliband não contribuiu para fazer aparecer um Jeremy Corbyn? É verdade que o António Costa, sempre a enxugar o suor da testa e do pescoço, nunca terá o carisma do Jeremy, mas sabe-se lá o que ainda pode acontecer no teu Partido...
O problema, Pai, é que se se continua a virar à direita a cada encruzilhada, Portugal está condenado a desaparecer. Há 40 anos Portugal tinha a maior taxa de natalidade da Europa, hoje tem a menor, e daqui a umas décadas, pelo andar da carruagem, haverá só 6 milhões de portugueses. Iremos morrendo uns após outros, até ficar, para escritor inspirado, de que escrever algum livro intitulado “os últimos Portugueses”. Porém, quem o lerá?
Desculpa, Pai, não poder ser menos lúgubre, mas – entre nós – ainda tenho uma esperança... Vais achar que o que te vou pedir não é próprio do que sempre fui e sei que para ti é difícil, no entanto se pudesses dar lá uma palavrinha no teu PS...
(*) José Carlos Junça de Morais, Professor universitário aposentado, “velho combatente” da ditadura de Salazar

Sem comentários:

Enviar um comentário