A
situação política que actualmente se vive em Portugal vem sendo tema de muitas
opiniões escritas e faladas na nossa comunicação social. É muito positivo que
assim aconteça porque é uma maneira de as pessoas ficarem mais bem esclarecidas
– se assim o desejarem – sobre as decisões que os principais decisores
políticos vão tomar sobre o futuro da governação do país.
O
autor do texto seguinte, que transcrevemos do Público de hoje, auto-intitula-se
“velho combatente da ditadura de Salazar” (*). Partindo de um ponto de vista muito
crítico em relação ao PS, defende claramente uma aproximação das forças de
esquerda tendo em atenção que “há muita coisa que pode ser feita no imediato
para bem da grande maioria dos portugueses sem mexer nas questões impossíveis”.
É, pois, um claro apoiante de um acordo como aquele que poderá estar a ser
desenhado entre PS, PCP e BE.
Deixei
Portugal em fins de 1968 porque não tinha mais condições para continuar no meu
país o combate pelos meus ideais de liberdade para todos e de igualdade de
todos nos seus direitos à vida, habitação, alimentação, saúde, educação.
Tornei-me professor universitário na Bélgica e cientista e, agora aposentado,
substituí o ensino de cátedra pelas conferências e pela escrita de livros em
que argumento em defesa desses mesmos ideais.
Neste
momento crítico para Portugal, quero dizer, por interposto “leitor”, duas
palavras aos meus concidadãos. Perdoem-me a ousadia.
O
nosso “centro” político é o PS e tem sido sempre assim, mas depois destas
eleições,o que suceder a este centro, ou melhor o que ele fizer nesta
encruzilhada, neste aperto em que está – virar à direita ou virar à esquerda –,
é particularmente determinante. Não vou dirigir-me ao PS. Por uma simples
razão: ele é uma mistura sem coerência, só poderia dirigir-me a este ou àquele
socialista, mas que nunca seria representativo, porque nestas coisas não há nem
média nem figura típica. Vou portanto dirigir-me a um socialista que já morreu,
o meu pai, porque foi modesto militante do PS e grande admirador de Mário
Soares (eu nunca fui admirador deste, só da sua coragem e da sua inteligência
política).
Pai,
lembras-te (pela primeira vez trato-te por tu) que quando eu tinha 14 anos me
deste um livrinho que explicava, em português, a filosofia política e a
economia política de Karl Marx? Na época era certamente um livro proibido,
nunca soube como o obtiveste. Apesar das inquietações que te causei, a ti e à Mãe,
entre os meus 18 e 25 anos, não creio que te tenhas arrependido de mo teres
feito ler. Sei que foi por duas razões: porque, embora tivesses alguns defeitos
da tua geração (achavas que quem manda é o homem sem H, o macho), respeitavas
os outros e os seus direitos; e porque, coerente com o teu amor pela liberdade,
sempre respeitaste a minha.
Pai,
hoje o teu Partido está encrencado. É um Partido partido, dividido em pedaços,
quantos nem sei. Em todas as questões iminentes é profunda a discórdia. Digo
bem questões iminentes, porque por exemplo ficar ou não na Eurozona não faz
parte delas. Eu preferiria que Portugal não pertencesse a esta Eurozona mas
diria que sim a outra que fosse mais democrática e respeitadora dos seus
Estados. Porém, repito, essa questão não se coloca agora. Não posso falar pelo
BE nem pelo PCP, mas creio que lá no fundo eles devem saber que há muita coisa
que pode ser feita no imediato para bem da grande maioria dos portugueses sem
mexer nas questões impossíveis. Olha, eu por exemplo gostaria que se dedicasse
à ciência pelo menos 10% do orçamento do Estado, mas se eu fosse partido
político não diria, em relação a essa medida, ou pegas ou não contes comigo.
Pai,
sempre me disseste que político tem tendência a ser velhaco, propor alguma coisa
só para entalar o outro. Mas neste caso o BE e o PCP e outras forças de
esquerda (de verdadeira esquerda) mesmo sem representação parlamentar, como é o
caso do L/TdeA, deveriam encontrar-se e com urgência, em vez de se olharem de
soslaio como sempre têm feito, definirem um conjunto de medidas políticas que a
verdadeira esquerda do PS apoiasse. Talvez eu não seja realista, mas acredito
que no teu PS atual, que, como te digo, tem sido um partido do “centro”, há
ainda muitos militantes de verdadeira esquerda (como tu eras) e que talvez eles
possam, apoiando-se na vontade popular, contribuir para, nesta dramática
encruzilhada, fazer virar o PS à esquerda. Há coisas inesperadas na História. A
derrota do Ed Miliband não contribuiu para fazer aparecer um Jeremy Corbyn? É
verdade que o António Costa, sempre a enxugar o suor da testa e do pescoço,
nunca terá o carisma do Jeremy, mas sabe-se lá o que ainda pode acontecer no
teu Partido...
O
problema, Pai, é que se se continua a virar à direita a cada encruzilhada, Portugal
está condenado a desaparecer. Há 40 anos Portugal tinha a maior taxa de
natalidade da Europa, hoje tem a menor, e daqui a umas décadas, pelo andar da
carruagem, haverá só 6 milhões de portugueses. Iremos morrendo uns após outros,
até ficar, para escritor inspirado, de que escrever algum livro intitulado “os
últimos Portugueses”. Porém, quem o lerá?
Desculpa,
Pai, não poder ser menos lúgubre, mas – entre nós – ainda tenho uma
esperança... Vais achar que o que te vou pedir não é próprio do que sempre fui
e sei que para ti é difícil, no entanto se pudesses dar lá uma palavrinha no
teu PS...
(*) José Carlos Junça de Morais, Professor
universitário aposentado, “velho combatente” da ditadura de Salazar
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