José
Gusmão, economista e um dos negociadores, por parte do Bloco de Esquerda, do
acordo com o PS, analisa no seguinte artigo de opinião que assina hoje no
Público, “os impactos das medidas negociadas entre os partidos à esquerda no parlamento,
particularmente na esfera da política económica, fiscal e orçamental”.
Usando
uma linguagem menos técnica e, por isso, mais acessível ao comum dos cidadãos, pensamos
que Gusmão se sai muito bem na forma como explicita as suas ideias.
Os
últimos dias têm sido marcados por várias notícias e análises sobre os impactos
das medidas negociadas entre os partidos à esquerda no parlamento,
particularmente na esfera da política económica, fiscal e orçamental. Todas
essas notícias e análises incorrem no mesmo erro: calculam o impacto das
alterações ao programa do PS em termos absolutos e não comparados. Tentarei,
sem ser demasiado técnico, explicar porque é que essa análise é um erro, não
político, mas sim matemático. E tentarei mostrar o verdadeiro impacto das
medidas negociadas da única forma possível: através da comparação do cenário
macroeconómico do PS com o que resulta da introdução dessas medidas.
Aprender
a comparar
O
programa de governo construiu-se a partir de um cenário base, que é o que
consta do programa do PS. Assim, o impacto das medidas acordadas entre PS e os
partidos à sua esquerda tem de ser calculado por comparação com esse cenário,
que por sua vez se baseia no cenário-base da Comissão Europeia (entretanto
alterado, com a revisão em baixa do défice). Caso contrário, a análise teria de
incidir sobre a totalidade das medidas do programa do governo e não apenas
sobre as que foram negociadas. Porque é que isto é relevante? Olhemos para as
medidas mais significativas do ponto de vista orçamental, acordadas entre o PS
e a esquerda:
1.
O erro mais gritante nas análises que têm surgido é a contabilização da
restrição da redução da TSU como um custo. A redução da TSU para trabalhadores
e empregadores prevista no programa do PS representava uma perda de receita de
633 Milhões (M). A redução da TSU dos trabalhadores apenas com salários até
600€ e a eliminação da TSU dos empregadores reduzem este impacto a 109M. Estamos,
portanto, a falar de um impacto positivo comparado de 524M (0,3% do PIB) em
2016. Este impacto é o principal fator explicativo para a redução do défice no
novo cenário macroeconómico do PS, decorrente do acordo;
2.
Também a reposição dos salários da função pública não pode ser quantificada
como tendo um impacto de 400M, como já vi em vários sítios. O PS já previa a
reposição em 50% (200M). A devolução de 25% por trimestre, como consta das
medidas acordadas, representa uma reposição ao longo de 2016 de 5/8 (62,5%), ou
seja um impacto de 50M adicionais de despesa.
3.
No caso da actualização das pensões, o valor de 66M que tem aparecido está
correcto, uma vez que o cenário de referência do programa do PS é o
congelamento, ou seja, variação nula.
4.
A sobretaxa do IRS não foi objeto de acordo. A devolução de 50% já estava
prevista no programa do PS e assim ficou. Logo, o "impacto" é zero.
Em
resumo, de onde vem o dinheiro? Com três letrinhas se escreve a resposta: TSU.
A redução da TSU que constava do programa do PS era uma medida caríssima, mas
que agora foi reduzida a quase um sexto da sua dimensão. Além disso, convém
lembrar que foram acordadas outras medidas que terão impactos positivos na
receita através da tributação do capital mas que são ainda difíceis de
quantificar. Na realidade, mais interessante do que discutir o suposto
despesismo subjacente a este acordo, tese que só pode ser defendida por falta
de informação ou má-fé, é discutir se este acordo pode gerar o estímulo
económico desejado e preconizado pelas forças à esquerda do PS.
Crescer
a sério
Essa
análise também é crucial porquê? Porque o crescimento económico tem impacto no
equilíbrio das contas públicas por duas vias: (1) uma economia que cresce gera
mais receita fiscal e diminui as necessidades de despesa social, ambas com
efeitos positivos no défice. (2) Como défice e dívida são calculados em função
do PIB, se o PIB aumenta o valor desses rácios tende a diminuir.
É
por isso que negligenciar os impactos macroeconómicos de uma determinada
política orçamental, seja ela qual for, é sinal de pura incompetência técnica.
É evidente que estes cálculos são mais incertos do que a contabilidade
orçamental pura e, por vezes, desfasados no tempo, mas quem, por preguiça ou
agenda ideológica, os ignorar, acabará sempre a enganar-se (ou a enganar).
O
falhanço da austeridade está relacionado com este problema. As medidas de
austeridade tiveram impactos macroeconómicos desastrosos e contraproducentes do
ponto de vista do ajustamento orçamental. Assim se explica que o governo tenha
falhado todas as metas para défice e dívida que constavam do memorando da
troika, para todos os exercícios do seu mandato. Aliás, o ténue crescimento
económico que observámos a partir de meados de 2013 tem simplesmente a ver com
a forte redução da austeridade que ocorreu a partir do OE2013, graças, em
grande medida, às decisões do Tribunal Constitucional.
Do
ponto de vista do seu impacto macroeconómico, as medidas acordadas à esquerda
visam concentrar o estímulo económico nos rendimentos mais baixos, em
detrimento de mais reduções contributivas para os empregadores. Além disso, a
folga orçamental obtida na TSU permitirá acomodar a mais do que provável
derrapagem orçamental de 2015, protegendo por antecipação os rendimentos do
trabalho e das pensões e o Estado social.
É evidente que a crise que o
país enfrenta exigiria um estímulo contra-cíclico muito superior. No entanto, o
acordo assinado com o PS foi negociado com base na premissa de que os
compromissos financeiros de Estado português seriam observados. É este caminho
apertado que percorrerá esta solução de alternativa à austeridade.
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