quarta-feira, 11 de novembro de 2015

PORTUGAL, PAÍS DE MIGRAÇÕES


Muitas afirmações que temos lido nas redes sociais e um pouco por todo o lado, contestando a vinda de imigrantes fugidos à guerra, têm sobretudo a ver com a mais pura ignorância que se funda no desconhecimento profundo da história contemporânea. É lamentável que isto aconteça mas parece que pouca gente está atenta a esta problemática a nível dos currículos escolares.
Desde sempre os portugueses emigraram para as mais diversas partes do mundo e, por todo o lado, se atesta a sua presença.
Tendo por base a verdade indiscutível de que “Portugal é um país de migrações”, o texto seguinte (*) aborda esta problemática, tanto do lado da imigração como do da emigração e critica as políticas governativas nesta área, concluindo com uma proposta.
Portugal é um país de migrações. Há mais de 100 anos que temos a noção de que existe uma diáspora portuguesa espalhada pelo mundo. Há várias décadas que acolhemos no seio da sociedade portuguesa numerosos imigrantes que aqui escolheram viver. Desde sempre a emigração foi solidária com o país. Foram as remessas que permitiram superar crises económicas anteriores, foram os investimentos dos emigrantes que retiraram o país interior da idade média em que vivia em meados do século XX. Foram as ideias trazidas da emigração que ajudaram a consolidar a democracia. Foram os seus depósitos bancários que capitalizaram a banca.
A imigração tem igualmente sido indispensável. Quanto do país pararia se os imigrantes não acordassem mais cedo que os autóctones (e se deitassem ainda mais tarde) e não tivessem medo de aceitar os piores empregos e os piores salários. Quantos dos nossos centros de saúde e hospitais, empresas e universidades ficariam mais pobres sem os nossos colegas estrangeiros.
Portugal tem sido uma casa para todos nós. Será uma casa também para os refugiados que acolheremos a breve prazo (e nem os insensatos, mas felizmente escassos, discursos xenófobos e racistas que se escutam aqui ou ali põem em causa a base humanista da cultura portuguesa). Acolhemos refugiados no passado (Calouste Gulbenkian como exemplo) e orgulhamo-nos de ter sabido entender o que a história nos exigia (Aristides Sousa Mendes, o exemplo maior). Hoje há um português na linha da frente da luta contra a injustiça e pela esperança (António Guterres) e muitos outros na retaguarda de organizações internacionais e de ONGs aqui e no mundo a cuidar de que continuamos a ser humanos. Portugal foi, é e será no futuro um país de migrações.
Com todo esse passado como é a nossa organização de governo nesta área? Poderia resumi-la numa palavra: disfuncional. Temos um Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) em que as migrações e os emigrantes são uma oportunidade perdida. O nosso relacionamento burocrático-administrativo deixa imenso a desejar. A rede consular e os serviços disponíveis não cumprem com o que lhes seria exigível face a um tão grande número de emigrantes e são raros os portugueses que não contam uma história negativa que envolva o consulado da sua área. Não existem adidos especializados em migrações, nem oficiais de ligação com as comunidades portuguesas. O potencial de ligação à emigração está por explorar. Temos o Ministério da Administração Interna (MAI) a quem compete superintender as áreas ligadas ao acolhimento e fiscalização de estrangeiros em território nacional. Na linha da frente temos o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que cumpre e, na ausência de outras estruturas, até extrapola as suas funções de controlo de estrangeiros. É o SEF que produz os melhores relatórios estatísticos sobre estrangeiros em Portugal, participa em redes de migrações e representa o país em estruturas de diálogo internacional sobre migrações. É também ao MAI que compete a coordenação geral do acolhimento dos refugiados em Portugal.
O desajustamento entre o MAI e o MNE produz factos estranhos como o recente debate sobre o voto dos emigrantes nestas legislativas demonstrou. Temos o Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional a quem cabe, através do SEAMADR, superintender as políticas de integração dos imigrantes em Portugal e que, recentemente, alargou as suas competências às migrações em geral através da criação do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Passou ainda pouco tempo mas parece não ser (ainda) esta a boa solução.
Neste, como em tantos outros casos, exige-se uma governação integrada. A dispersão de responsabilidades por vários ministérios não tem sido capaz de responder aos desafios das migrações de e para Portugal. A minha proposta passa por criar um Ministério para as Migrações que consiga consolidar uma estratégia nacional e agregar o que agora está disperso. Criar um Ministério para a Diáspora foi a opção de países como a Arménia, a Irlanda ou Cabo Verde com sucesso observável. Acredito que se pouparmos nos assessores e adjuntos que sobejam nos outros ministérios e secretarias de estado será possível criar um novo Ministério sem custos adicionais e com vantagens reais. Há milhões de portugueses expatriados que estão comigo neste anseio e umas centenas de milhar de estrangeiros que vivem aqui a quem este ministério permitiria responder. Brevemente existirá uma nova orgânica do governo. Faço votos que sejam criados dois Ministérios: o da Cultura e o das Migrações. Se assim for estaremos mais ricos.
(*) Pedro Góis, Sociólogo, Público

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