Muitas
afirmações que temos lido nas redes sociais e um pouco por todo o lado, contestando
a vinda de imigrantes fugidos à guerra, têm sobretudo a ver com a mais pura ignorância
que se funda no desconhecimento profundo da história contemporânea. É lamentável
que isto aconteça mas parece que pouca gente está atenta a esta problemática a
nível dos currículos escolares.
Desde
sempre os portugueses emigraram para as mais diversas partes do mundo e, por
todo o lado, se atesta a sua presença.
Tendo
por base a verdade indiscutível de que “Portugal é um país de migrações”, o
texto seguinte (*) aborda esta problemática, tanto do lado da imigração como do
da emigração e critica as políticas governativas nesta área, concluindo com uma
proposta.
Portugal
é um país de migrações. Há mais de 100 anos que temos a noção de que existe uma
diáspora portuguesa espalhada pelo mundo. Há várias décadas que acolhemos no
seio da sociedade portuguesa numerosos imigrantes que aqui escolheram viver.
Desde sempre a emigração foi solidária com o país. Foram as remessas que
permitiram superar crises económicas anteriores, foram os investimentos dos
emigrantes que retiraram o país interior da idade média em que vivia em meados
do século XX. Foram as ideias trazidas da emigração que ajudaram a consolidar a
democracia. Foram os seus depósitos bancários que capitalizaram a banca.
A
imigração tem igualmente sido indispensável. Quanto do país pararia se os
imigrantes não acordassem mais cedo que os autóctones (e se deitassem ainda
mais tarde) e não tivessem medo de aceitar os piores empregos e os piores
salários. Quantos dos nossos centros de saúde e hospitais, empresas e
universidades ficariam mais pobres sem os nossos colegas estrangeiros.
Portugal
tem sido uma casa para todos nós. Será uma casa também para os refugiados que
acolheremos a breve prazo (e nem os insensatos, mas felizmente escassos,
discursos xenófobos e racistas que se escutam aqui ou ali põem em causa a base
humanista da cultura portuguesa). Acolhemos refugiados no passado (Calouste
Gulbenkian como exemplo) e orgulhamo-nos de ter sabido entender o que a
história nos exigia (Aristides Sousa Mendes, o exemplo maior). Hoje há um
português na linha da frente da luta contra a injustiça e pela esperança
(António Guterres) e muitos outros na retaguarda de organizações internacionais
e de ONGs aqui e no mundo a cuidar de que continuamos a ser humanos. Portugal
foi, é e será no futuro um país de migrações.
Com
todo esse passado como é a nossa organização de governo nesta área? Poderia
resumi-la numa palavra: disfuncional. Temos um Ministério dos Negócios
Estrangeiros (MNE) em que as migrações e os emigrantes são uma oportunidade
perdida. O nosso relacionamento burocrático-administrativo deixa imenso a
desejar. A rede consular e os serviços disponíveis não cumprem com o que lhes
seria exigível face a um tão grande número de emigrantes e são raros os
portugueses que não contam uma história negativa que envolva o consulado da sua
área. Não existem adidos especializados em migrações, nem oficiais de ligação
com as comunidades portuguesas. O potencial de ligação à emigração está por
explorar. Temos o Ministério da Administração Interna (MAI) a quem compete
superintender as áreas ligadas ao acolhimento e fiscalização de estrangeiros em
território nacional. Na linha da frente temos o Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF) que cumpre e, na ausência de outras estruturas, até extrapola
as suas funções de controlo de estrangeiros. É o SEF que produz os melhores
relatórios estatísticos sobre estrangeiros em Portugal, participa em redes de
migrações e representa o país em estruturas de diálogo internacional sobre
migrações. É também ao MAI que compete a coordenação geral do acolhimento dos
refugiados em Portugal.
O
desajustamento entre o MAI e o MNE produz factos estranhos como o recente
debate sobre o voto dos emigrantes nestas legislativas demonstrou. Temos o
Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional a quem cabe, através do SEAMADR,
superintender as políticas de integração dos imigrantes em Portugal e que,
recentemente, alargou as suas competências às migrações em geral através da
criação do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Passou ainda pouco tempo
mas parece não ser (ainda) esta a boa solução.
Neste,
como em tantos outros casos, exige-se uma governação integrada. A dispersão de
responsabilidades por vários ministérios não tem sido capaz de responder aos
desafios das migrações de e para Portugal. A minha proposta passa por criar um
Ministério para as Migrações que consiga consolidar uma estratégia nacional e
agregar o que agora está disperso. Criar um Ministério para a Diáspora foi a
opção de países como a Arménia, a Irlanda ou Cabo Verde com sucesso observável.
Acredito que se pouparmos nos assessores e adjuntos que sobejam nos outros
ministérios e secretarias de estado será possível criar um novo Ministério sem
custos adicionais e com vantagens reais. Há milhões de portugueses expatriados
que estão comigo neste anseio e umas centenas de milhar de estrangeiros que vivem
aqui a quem este ministério permitiria responder. Brevemente existirá uma nova
orgânica do governo. Faço votos que sejam criados dois Ministérios: o da
Cultura e o das Migrações. Se assim for estaremos mais ricos.
(*) Pedro Góis, Sociólogo, Público
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