Há
quase um século que o “período normal de trabalho diário” está fixado nas 8
horas. Ainda há poucos anos, só em pesadelo se poderia imaginar a possibilidade
de um retrocesso desta situação.
Agora
é a insuspeita OCDE que acaba de divulgar que, em vários países, um número dada
vez maior de pessoas trabalha 50 ou mais horas semanais sendo que Portugal e o Chile
foram os países onde se verificou um aumento mais significativo. Diz-se que se
trata de uma espécie de dano colateral da crise financeira que teve lugar em
2007/2008 mas a verdade é que para nós portugueses tudo tem a ver com mais uma
herança do Governo Passos/Portas que deu toda a cobertura às imposições do
capital financeiro internacional através da coligação que realizou com a
famigerada troika. Na realidade, tratou-se de uma aliança que serviu para ser
levado a cabo um brutal ataque aos direitos dos trabalhadores, entre eles, o
aumento da jornada de trabalho sem o pagamento correspondente.
O
artigo de opinião seguinte, da autoria de Gloria Rebelo (*), que transcrevemos
do Público de hoje, analisa com muito a propósito algumas consequências da
situação criada.
De
acordo com o estudo “How’s Life - Measuring well-being”, divulgado pela OCDE, e
que analisa o bem-estar social das pessoas, Portugal faz parte do grupo de
países que mais sofre as “sequelas sociais” da crise financeira internacional
de 2007/2008, sendo os portugueses dos mais insatisfeitos com a vida. E esta
opinião justifica-se acima de tudo pelo aumento da incerteza em manter um
emprego (e receio de ficar desempregado) assim como pela ampliação dos períodos
normais de trabalho “muito longos”, de 50 ou mais horas semanais que, segundo o
estudo, “quase duplicou” entre 2009 e 2013. O documento indica que, desde 2009,
o número de pessoas a trabalhar regularmente 50 horas ou mais por semana
aumentou em vários países (por exemplo, no Reino Unido, Irlanda e República
Eslovaca), mas foi em Portugal e no Chile que se registaram os aumentos mais
significativos (e, ao contrário, em países como a Áustria, República Checa ou
Israel, verificou-se uma redução dos períodos normais de trabalho).
A
OCDE evidencia o facto de terem sido os países mais afectados pela crise – como
Grécia, Portugal e Espanha – a registar as quebras mais graves em vários
indicadores de bem-estar desde 2009 e, em especial no caso de Portugal,
sublinhando que as “sequelas sociais” não atingiram os níveis da Grécia, alerta
para o aumento dos períodos normais de trabalho.
Como
se sabe, em matéria da organização do tempo de trabalho, a história da
regulação laboral, legal e convencional, mostra que o propósito de redução dos
tempos de trabalho tem sido um sinal progressista de desenvolvimento das
condições de trabalho, tanto mais que se entende que, em nome do princípio da
dignidade pessoal e social, a prestação de trabalho deve permitir conciliar a
vida pessoal e familiar com o trabalho e que se trata de uma exigência de
proteção da saúde e segurança das pessoas que trabalham.
No
nosso país, desde 1919 que, também por estas razões, o limite máximo legal para
o período normal de trabalho diário se encontra fixado nas 8 horas de trabalho.
Contudo, na sequência de transformações económicas, foram ultimamente
consagradas no ordenamento jurídico-laboral algumas alterações em matéria de
organização do tempo de trabalho, que têm tido como consequência um aumento dos
períodos normais de trabalho. De entre elas é de destacar o banco de horas
individual: se em 2009 se tinha previsto o banco de horas por regulamentação
coletiva, em 2012 consagrou-se o banco de horas individual (acordado entre
empregador e trabalhador, sob proposta daquele) e que permite o aumento do
período normal de trabalho até duas diárias, no limite de 50 horas semanais.
Ora,
quando falamos de progresso social e de bem-estar social pensamos também na
promoção da melhoria das condições de trabalho, com vista a uma vida social
condigna. E, neste aspecto, é crucial atentar na evolução média do período
normal de trabalho no nosso país já que qualquer reconfiguração da organização
do tempo de trabalho repercutir-se-á, inevitavelmente, no direito à vida
pessoal e familiar e no direito ao repouso dos trabalhadores.
A
este propósito, e num sentido oposto, refira-se que na Suécia, por exemplo,
começou a implementar-se, faseadamente, as 6 horas de trabalho diárias. E,
segundo uma recente notícia do jornal “The Guardian”, apesar da redução horária
os salários manter-se-ão, sendo o objetivo principal desta medida o de promover
um aumento da produtividade, contribuindo para o bem-estar da população. A
ideia é de a procurar que os trabalhadores se concentrem mais sobre o trabalho
ganhando, simultaneamente, tempo para a sua vida pessoal e familiar. Certos
serviços, como lares de idosos e hospitais, implementaram já a mudança e a
generalidade das pessoas – incluindo os empregadores – parece aceitar bem esta
alteração.
E
se, em Portugal, em virtude da destruição de emprego ocorrida nos últimos anos,
persistem elevados níveis de desemprego, particularmente de Desemprego de Longa
Duração, ante esta tendência para o aumento dos períodos normais de trabalho,
importa realçar o papel crucial do Direito do Trabalho em matéria de
organização do tempo de trabalho. Designadamente, robustecendo soluções
jurídicas que garantam partilha do trabalho, caso contrário a maioria da
população trabalhará cada vez mais tempo, em prejuízo não só do seu bem-estar
mas também do propósito de reduzir o desemprego.
(*) Professora universitária e investigadora
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