Numa
altura em que um Governo liderado pelo PS se prepara para assumir funções, um
artigo de opinião – O melhor Serviço
Nacional de Saúde do Mundo – do bastonário da Ordem dos Médicos (*) sobre a
qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), criado pelo “socialista” António
Arnault, vem no momento certo. Por isso mesmo, apesar da sua extensão não
quisemos deixar de o divulgar aqui. Salientamos a chamada de atenção de José Manuel
Silva, que a análise que faz ao nosso SNS se refere ao que existia antes dos “excessivos
cortes” levados a cabo pela coligação de direita (sublinhado por nós). Com as
expectativas criadas pela chegada ao poder de António Costa, vamos esperar que
se consiga regredir nas malfeitorias levadas a cabo nestes últimos quatro anos,
nomeadamente na área da saúde, por Passos/Portas. Seria uma enorme frustração se
tal não acontecesse.
Surpreendem
alguns artigos sobre saúde, como o que Rui de Albuquerque publicou neste
jornal, com números completamente falsos – no caso, que Portugal gasta 10 por
cento do PIB para financiar o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Consultando
o rico e elucidativo documento “Health at a Glance 2015. OECD Indicators”,
verificamos que Portugal, somando a despesa pública e privada em saúde, gasta
9,1 por cento do PIB, para uma média de 8,9 por cento nos países da OCDE.
Destes, apenas cerca de 6 por cento do PIB diz respeito a despesa pública em
saúde com o SNS, contra 6,5 por cento na média da OCDE.
Nesse
artigo é também feita uma comparação com a Suíça, elogiando o seu sistema
privado mas omitindo que este é o segundo mais caro do mundo!
O
mesmo autor diz que a despesa da saúde em Portugal é elevadíssima, criticando
os 10 (!) por cento de despesa. Porém, contraditoriamente, já elogia o sistema
suíço, apesar de este gastar 11,1 por cento do PIB em saúde, constituindo a
despesa pública quase 8 por cento.
Na
verdade, se compararmos a despesa total “per capita” pública e privada, a
diferença é gritante: a Suíça gasta 6.325 dólares por pessoa, por ano; e
Portugal somente 2.514 dólares (a média da OCDE é de 3.453). Há várias razões
para esta diferença, nomeadamente os vencimentos; mas este dado, quando
comparado com a média da OCDE, demonstra como Portugal tem um sistema de saúde
muito barato e, sobretudo, barato para o Estado, o qual em Portugal apenas
assume 67 por cento das despesas totais com a saúde – abaixo dos 73 por cento
da média da OCDE.
Por
outro lado, a Suíça gasta 22 por cento do Orçamento do Estado em saúde,
enquanto Portugal gasta 12 por cento. Seria, aliás, impossível para Portugal
sustentar um sistema tão despesista como o suíço!
Na
verdade, em termos globais, os sistemas de saúde essencialmente baseados na
prestação privada de serviços de saúde são mais caros e não têm melhores
indicadores de saúde do que os sistemas públicos. Os Estados Unidos são o
paradigma do sistema de saúde baseado em seguros e prestadores privados, sendo
o mais caro do mundo e tendo vários maus indicadores devido às chocantes
desigualdades de acesso aos cuidados de saúde.
A
Holanda, outro exemplo, é apresentada muitas vezes como referência de um
sistema baseado em seguros obrigatórios competitivos. Todavia é um dos sistemas
mais caros do mundo, falhou nos seus objectivos de cobertura universal, de
aumento do leque de escolhas e de controlo da despesa em saúde, obrigando a um
sofisticadíssimo, pesado e caro sistema de regulação para evitar os riscos e as
perversidades próprias de tal sistema. Imitar a Holanda seria, em Portugal, um
descalabro, uma vez que por cá os sistemas de regulação não funcionam.
Analisando
a razão custo/benefício de ambos os sistemas, na análise da relação entre a
esperança de vida à nascença e o PIB per capita, Portugal está francamente
acima da curva, enquanto a Suíça está abaixo da curva. Ou seja, em termos
relativos, Portugal consegue uma melhor eficiência do seu sistema de saúde.
Também
na mortalidade infantil, um dos principais indicadores de saúde, Portugal está
melhor, com uma mortalidade de 2,9/1000/ano, enquanto a Suíça tem 3,3/1000
(média da OCDE 3,8). Na Holanda, que se está a arrepender do seu caríssimo e
pouco eficiente sistema de partos em casa, este valor é de 4,0/1000. Nos EUA é
de 5,0/1000.
Na
esperança de vida com saúde aos 65 anos, Portugal, com dez anos para os homens
e nove anos para as mulheres, está ligeiramente acima da média da OCDE e da
Holanda, francamente melhor que a Alemanha (que tem apenas sete anos para ambos
os sexos) e quase ao nível da Suíça, com 11 anos para os homens e dez anos para
as mulheres.
Em função destes números (e muitos outros) que
são dados oficiais da OCDE, podemos concluir facilmente que, até à imposição
dos excessivos cortes no SNS, cujo impacto negativo nestes indicadores poderá
fazer-se sentir nos próximos anos, Portugal tinha/tem o melhor SNS do mundo, na
relação acessibilidade/qualidade/custo per capita. Devendo ainda melhorar,
naturalmente.
Aqueles
que repetidamente atacam o SNS e o tentam destruir, fazem-no, não pela falta de
sustentabilidade do mesmo, mas sim pela ambição de aumentar a fatia da
privatização de serviços e a margem de lucro à custa do aumento da despesa em
saúde para os cidadãos com mais poder de compra. E, com isso, agravam as
desigualdades de acesso e pioram os cuidados para os mais pobres, com uma perda
global de qualidade.
Pela
minha parte, enquanto médico, defendo um sistema de saúde composto por quatro
componentes: público; social; grande privado; e pequeno privado. Ora, foi o
equilíbrio deste sistema que foi ativa e deliberadamente destruído pelo
anterior Governo. O pequeno sector privado, independente e de proximidade,
quase desapareceu e não é possível continuar a reduzir artificial e
violentamente o SNS mais do que aquilo que já foi feito, pelas consequências
negativas que teria para o país e para os cidadãos.
Sublinhe-se
que, conforme está publicado, não há nenhuma evidência científica de que, em
saúde, a gestão privada seja melhor que a pública. Basta recordar o descalabro
da banca privada portuguesa para se perceber esta verdade! Bem pelo contrário,
entre outras evidências, no Reino Unido já foi demonstrado que os sectores
social e privado não conseguem prestar cuidados primários de saúde com o mesmo
nível de qualidade da prestação pública. Para além disso, dos três grande
oligopólios da saúde em Portugal, já só “metade” de um se mantém português...
Enfim.
Conforme um brilhante editorial do British Medical Journal de dezembro de 2014,
“o capitalismo do século XXI está a trair-nos e requer uma profunda
transformação democrática”.
(*) José Manuel Silva, Público
Sem comentários:
Enviar um comentário