Procurar
compreender todo o contexto em que tem lugar o terrorismo islâmico não é nem
pode ser, de modo algum, dar-lhe qualquer espécie de cobertura. É, antes de
mais, uma forma de o poder combater com conhecimento de causa. Já aqui deixámos
esta ideia na apresentação de outro texto e repetimo-la para que não fiquem
quaisquer dúvidas.
O
seguinte artigo de opinião, que transcrevemos do Diário de Coimbra de 19/11, é
mais um contributo para nos inserirmos em muitos factos da história mundial
recente que levaram à situação actual. Infelizmente, muitos construtores de opinião
fazem análises muito superficiais sobre o terrorismo islâmico como se não
existisse um antes que nos conduziu aos dias de hoje, com o interminável
cortejo de vítimas que todos conhecemos.
Em
finais de junho estiveram em Zagan, sul da Polónia, mais de dois mil militares,
envolvendo nove países da Europa central a que se seguiram os exercícios
conjuntos aéreos com a participação dos Estados Unidos, Israel, Grécia e
Polónia, entre o Mar Cáspio e o Sinai, prolongados com uma outra operação (NATO
Trident Juncture 2015), esta com a participação portuguesa e destinada à
protecção do sul da Europa, concluída em 6 de novembro, uma das maiores depois
do desembarque na Normandia, fase terminal da II Grande Guerra.
Uma
semana depois, eis-nos confrontados com um ataque terrorista em Paris,
planificado ao pormenor, pelo autodenominado estado islâmico (Daech),
deixando-nos petrificados e horrorizados com tanta carnificina, pelo que é mais
do que legítimo nos questionarmos sobre a natureza e os objetivos atuais da
NATO.
Relembro
que só este ano, se registaram 380 ataques jihadistas no Iraque, ocasionando
1140 mortes e 3600 feridos e que, dias antes doa atentados em França, um avião
russo explodiu com 240 pessoas a bordo e, na zona xiita do Líbano, camicases
fizeram dezenas de vítimas.
Estamos
em guerra contra o jihadismo e não contra um terrorismo qualquer, precisa um
alto responsável do Instituto Estratégico da escola Militar de Paris (Michel
Goya), mas não podemos ignorar que andamos, há anos e anos, a despejar bombas
sobre a população civil e nem os
próprios hospitais escapam, criando uma “proximidade de e na violência”, como
sublinha Philipe-Joseph Salazar (Paroles Armés, Paris, 2015).
De
facto, desde 1991, ano da primeira guerra no Iraque, então um país laico e o
mais avançado, nos planos económico e social do Médio Oriente, que nós
ocidentais, sob a inqualificável liderança americana, conduzimos uma política
de destruição massiva, do Afeganistão ao Iraque e com um Irão colocado na lista
de países terroristas.
Um
quarto de século depois, eis-nos perante uma nova tentativa de configuração no
Médio e Grande Oriente, com uma especial incidência na partição do Iraque em
três estados distintos, com a parte sunita a prolongar-se para o centro e leste
da Síria, deixando o norte para os curdos e o sul para os xiitas.
Zbigniew
Brzezinski, conselheiro do presidente Carter (1977/81) com outros notáveis das
administrações Bush, ainda em meados dos anos 90, já tinha estabelecido esta
configuração, simultaneamente com a necessária debilitação da Rússia, o que
veio a acontecer, como se lembrarão, com o colapso financeiro de 1998.
Naturalmente que o Daech nunca poderia ter nascido se os sunitas iraquianos não
tivessem sido espoliados dos seus haveres, demitidos da função pública e
expulsos das forças armadas e estamos a falar de mais de meio milhão de
pessoas, por ordens expressas de representante americano no Iraque, após a
invasão de 2003.
Seis
anos depois e progressivamente, o Daech foi consolidando o seu domínio
territorial até que um consórcio, liderado pelos wahhabitas sauditas e com a conivência
turca e americana e a tolerância israelita, lhe permite o que todos nós, hoje,
sabemos – a criação de um pretenso califado, num verdadeiro regresso à Idade Média,
“gerindo” mais de oito milhões de pessoas e com um PIB (fonte americana) de 150
mil milhões de dólares.
Na
história sempre se registaram momentos de grande radicalidade e basta recordar
os terroristas zelotes judeus, na sua luta contra Roma, no primeiro século da
era cristã ou a seita ismaelita dos “assassinos”, centrada na Síria e no Irão,
entre os séculos XI e XIII.
Então,
como agora, o terrorismo está impregnado de uma religião, apesar de os seus
objetivos serem também políticos. Uma situação previsível mas com resultados e
consequências destrutivas exponenciais e incontroláveis.
(*) João
Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação
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