segunda-feira, 23 de novembro de 2015

HÁ UM ANTES NO TERRORISMO ISLÂMICO


Procurar compreender todo o contexto em que tem lugar o terrorismo islâmico não é nem pode ser, de modo algum, dar-lhe qualquer espécie de cobertura. É, antes de mais, uma forma de o poder combater com conhecimento de causa. Já aqui deixámos esta ideia na apresentação de outro texto e repetimo-la para que não fiquem quaisquer dúvidas.
O seguinte artigo de opinião, que transcrevemos do Diário de Coimbra de 19/11, é mais um contributo para nos inserirmos em muitos factos da história mundial recente que levaram à situação actual. Infelizmente, muitos construtores de opinião fazem análises muito superficiais sobre o terrorismo islâmico como se não existisse um antes que nos conduziu aos dias de hoje, com o interminável cortejo de vítimas que todos conhecemos.
Em finais de junho estiveram em Zagan, sul da Polónia, mais de dois mil militares, envolvendo nove países da Europa central a que se seguiram os exercícios conjuntos aéreos com a participação dos Estados Unidos, Israel, Grécia e Polónia, entre o Mar Cáspio e o Sinai, prolongados com uma outra operação (NATO Trident Juncture 2015), esta com a participação portuguesa e destinada à protecção do sul da Europa, concluída em 6 de novembro, uma das maiores depois do desembarque na Normandia, fase terminal da II Grande Guerra.
Uma semana depois, eis-nos confrontados com um ataque terrorista em Paris, planificado ao pormenor, pelo autodenominado estado islâmico (Daech), deixando-nos petrificados e horrorizados com tanta carnificina, pelo que é mais do que legítimo nos questionarmos sobre a natureza e os objetivos atuais da NATO.
Relembro que só este ano, se registaram 380 ataques jihadistas no Iraque, ocasionando 1140 mortes e 3600 feridos e que, dias antes doa atentados em França, um avião russo explodiu com 240 pessoas a bordo e, na zona xiita do Líbano, camicases fizeram dezenas de vítimas.
Estamos em guerra contra o jihadismo e não contra um terrorismo qualquer, precisa um alto responsável do Instituto Estratégico da escola Militar de Paris (Michel Goya), mas não podemos ignorar que andamos, há anos e anos, a despejar bombas sobre  a população civil e nem os próprios hospitais escapam, criando uma “proximidade de e na violência”, como sublinha Philipe-Joseph Salazar (Paroles Armés, Paris, 2015).
De facto, desde 1991, ano da primeira guerra no Iraque, então um país laico e o mais avançado, nos planos económico e social do Médio Oriente, que nós ocidentais, sob a inqualificável liderança americana, conduzimos uma política de destruição massiva, do Afeganistão ao Iraque e com um Irão colocado na lista de países terroristas.
Um quarto de século depois, eis-nos perante uma nova tentativa de configuração no Médio e Grande Oriente, com uma especial incidência na partição do Iraque em três estados distintos, com a parte sunita a prolongar-se para o centro e leste da Síria, deixando o norte para os curdos e o sul para os xiitas.
Zbigniew Brzezinski, conselheiro do presidente Carter (1977/81) com outros notáveis das administrações Bush, ainda em meados dos anos 90, já tinha estabelecido esta configuração, simultaneamente com a necessária debilitação da Rússia, o que veio a acontecer, como se lembrarão, com o colapso financeiro de 1998. Naturalmente que o Daech nunca poderia ter nascido se os sunitas iraquianos não tivessem sido espoliados dos seus haveres, demitidos da função pública e expulsos das forças armadas e estamos a falar de mais de meio milhão de pessoas, por ordens expressas de representante americano no Iraque, após a invasão de 2003.
Seis anos depois e progressivamente, o Daech foi consolidando o seu domínio territorial até que um consórcio, liderado pelos wahhabitas sauditas e com a conivência turca e americana e a tolerância israelita, lhe permite o que todos nós, hoje, sabemos – a criação de um pretenso califado, num verdadeiro regresso à Idade Média, “gerindo” mais de oito milhões de pessoas e com um PIB (fonte americana) de 150 mil milhões de dólares.
Na história sempre se registaram momentos de grande radicalidade e basta recordar os terroristas zelotes judeus, na sua luta contra Roma, no primeiro século da era cristã ou a seita ismaelita dos “assassinos”, centrada na Síria e no Irão, entre os séculos XI e XIII.
Então, como agora, o terrorismo está impregnado de uma religião, apesar de os seus objetivos serem também políticos. Uma situação previsível mas com resultados e consequências destrutivas exponenciais e incontroláveis.   
(*) João Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação

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