quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Descobrir o caminho da alternativa socialista de poder


Chegados ao fim de um ciclo eleitoral longo e antecipadamente sabido como muito difícil para o Bloco de Esquerda (BE), é tempo de assumirmos, para dentro e fora do BE, os passos positivos conseguidos e os retrocessos verificados. Será desse debate urgentíssimo que o Bloco vencerá, ou não, as adversidades e as novas perplexidades entretanto colocadas à Esquerda Socialista.

Os ventos foram de feição nas Europeias. O Bloco conseguiu um resultado notável (10,72% dos votos expressos e a eleição de três eurodeputados, à frente, pela primeira vez, da CDU, com 10,64%) e o PS, enquanto partido maioritário do Governo responsável pelo conjunto de políticas mais à Direita dos últimos anos, foi castigado nas urnas (26,53%). PSD e CDS, com 31,71% e 8,36%, respectivamente, estancaram no limite descidas eleitorais que eram previsíveis.

O combate para as Legislativas foi ainda mais difícil. Ainda assim, o Bloco obteve o seu melhor resultado de sempre (mais de meio milhão de votos, correspondentes a 9,82% e à eleição de 16 deputados, uma vez mais à frente da CDU) e o PS perdeu a maioria absoluta (36,55%, com 97 deputados). Surpreendentemente, o CDS afirmou-se como a terceira maior força política nacional (10,43%, 21 deputados).

Finalmente, nas Autárquicas, o BE obtém uma subida, a nível nacional, de cerca de seis mil votos (cresce percentualmente de 2,95% para 3,02%) e elege nove vereadores (contra sete em 2005), e passa a dispor de 139 deputados municipais (eram 114) e de 235 representantes nas Assembleias de Freguesia (eram 229). No entanto, falha claramente as eleições de Luís Fazenda (Lisboa) e de João Teixeira Lopes (Porto). O PS obtém ainda mais votos (mais do que dois milhões) do que nas legislativas (37,66%) e discute taco-a-taco a vitória no todo nacional com o PSD e as coligações feitas com o CDS.

À distância percebe-se que todos estes resultados foram maus para o Bloco. No mínimo, não tão bons como a ideia que tentamos passar. E é preciso assumi-lo. Foram maus nas Europeias porque fomos incapazes de acreditar, em plena campanha, que estávamos à beira de um resultado histórico, como chegaram a indiciar algumas sondagens e estudos de opinião. Foram maus nas Legislativas porque fomos incapazes de travar o avanço da extrema-direita em Portugal. Foram maus nas Autárquicas porque os votos obtidos em 2009 nos situam nos resultados de 2005 e de 2001. É preciso assumir que até mesmo os triunfos parcelares conseguidos têm um sabor amargo. E é preciso assumir um espaço aberto de debate e de reflexão que nos faça perceber qual é, afinal, o caminho a seguir, onde errámos e o que foi decisão acertada. É preciso descobrir o caminho que faça do Bloco parte de uma efectiva alternativa socialista de poder.

1 – Pequeno passo de caracol nas Autárquicas
O Bloco não é, de todo, um partido com expressão nacional. As Autárquicas mostraram-no dolorosamente. E dez anos depois do arranque essa realidade explica-se com a direcção política dada ao movimento, que nunca quis ou nunca foi capaz de conquistar e aprofundar o enraizamento popular.

O Bloco não tem, de facto, implantação autárquica. Enchemos a boca com o Orçamento Participativo, tecemos umas considerações politicamente correctas em torno do conceito e pouco mais. As próprias Jornadas Autárquicas do Bloco não têm sido espaço de aprofundamento de pensamento e de debate, são, de resto, votadas ao desprezo pela direcção política nacional e por alguns cidadãos independentes que, pela segunda eleição consecutiva, até conquistaram, sob a bandeira do Bloco de Esquerda, a dita como única câmara com maioria bloquista. As Jornadas Autárquicas servem, apenas e só, para enviar uns quantos recados mediáticos.

A implantação no terreno, ao nível do poder local, não é fácil, até pelo jogo de influências que as redes partidárias estendem há quase quatro décadas. Mas isso já todos o sabíamos. O que falha, então? Para onde foram mais de metade dos votos obtidos 15 dias antes? Como explicar que mesmo em zonas com trabalho militante desenvolvido há anos não foi possível estancar a sangria? Falha a estratégia de alargamento? Se, em Lisboa, a forma como foi ultrapassado o problema do “Zé” e a forte bipolarização em torno das candidaturas de António Costa e Pedro Santana Lopes poderão, aparentemente, ajudar a explicar a não eleição de Luís Fazenda, já no Porto não há palavras para justificar o desaire de João Teixeira Lopes. E é bom que se sublinhe que estas candidaturas, para efeitos mediáticos e em termos de esforço interno, eram as maiores apostas do Bloco. Mais: o esforço, humano e financeiro, desenvolvido em campanha pelo Bloco foi incomparavelmente superior em 2009, relativamente a 2005. E é preciso ter sempre presente as inúmeras arruadas realizadas em que os aderentes e simpatizantes eram, quase sempre, simples figurantes no cenário pretendido.

Por isso, é preciso não aplaudir o nosso progresso eleitoral nas Autárquicas, um insignificante passo de caracol. Há muito para fazer, de facto. Daniel Oliveira tem razão: “Sem tabus nem estigmatizações ideológicas, com abertura e pluralismo, era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto”.

2 – O efeito “eucalipto” nas três eleições
De comum às três campanhas identifica-se a presença de Francisco Louçã, coordenador da Comissão Política do BE. E não poderia ter sido de outro modo, na lógica mediática que impera há muito na Comissão Política, a actual e as anteriores.

A verdade, porém, é que a omnipresença (a todos os títulos notável e louvável, pela capacidade trabalho, espírito de entrega único e inigualável organização e disponibilidade) de Francisco Louçã também acarreta desvantagens. Se nas Europeias Miguel Portas ainda foi tendo alguma visibilidade (e também, aqui e ali, Marisa Matias, num primeiro plano, e Rui Tavares, num segundo plano), nas Legislativas os candidatos a deputados pelos distritos de todo o país estiveram sempre um passo imediatamente atrás e nas Autárquicas aconteceu o eclipse total.

Ao longo dos anos, o Bloco foi percebendo que para crescer, inclusive eleitoralmente, tinha de jogar algumas das regras burguesas. Uma delas foi o aproveitamento da exposição e do espaço de exposição nos órgãos de Comunicação Social, e o Bloco soube fazê-lo pacientemente. Pacientemente fomos impondo o nosso coordenador na Comunicação Social, servimo-nos dela, a seguir ela tirou partido de nós e com o tempo embriagámo-nos na inevitável autofagia da exposição e acabámos à mercê das agendas da Comunicação Social.

Na prática, a realidade pode ser traduzida do seguinte modo: na Comunicação Social, numa primeira fase, ninguém queria saber do Bloco e de Louçã para nada; lentamente conseguimos impor a sua presença e a Comunicação Social deu-lhe guarida; depois, a Comunicação Social teve de olhar para o lado pitoresco (o “light” e o “engraçado”) do partido e do seu líder para continuar a albergá-los; agora, e para além do efeito “eucalipto” (que seca tudo em seu redor) da presença de Louçã, é a Comunicação Social que “exige” a sua aparição, como se nada mais existisse além dele!

Por outras palavras, em termos de exposição mediática, o Bloco está confinado a Francisco Louçã, no partido não há mais protagonistas à excepção de uns quantos comentaristas/analistas que, agora, por força do resultado nas Legislativas, começam a surgir nos ecrãs de televisão.

Mas será que no Bloco defendemos o culto do líder? Pensamos que estamos nos antípodas, mas escorregámos na casca da banana liberal…

A tradição fundacional do BE reside na sua qualidade de movimento político socialista que consegue realizar no seu seio a convergência de experiências políticas e ideológicas diferentes. O culto da personalidade ou a sujeição às forças mediáticas nada tem a ver com o Bloco, nem contribui para que o BE se afirme como organização com intervenção nacional, regional e local. Às vezes, até parece que a evolução recente do Bloco está condicionada ao que os “media” fazem/dizem/controlam.

3 – Tiques antigos pouco plurais
A constituição das listas para as Legislativas e para as Autárquicas, por outro lado, revelaram a permanência de alguns tiques antigos que julgávamos extintos no Bloco de Esquerda, enquanto força política plural.

É verdade que a vontade das distritais e das concelhias foi, em alguns casos, submetida a interesses nunca assumidos claramente – mas que se traduzem na necessidade por alguns sentida de se constituir um grupo parlamentar pluridisciplinar, face ao então mais do previsível crescimento eleitoral – , ou subjugada a jogos aritméticos (e até familiares!) que pouco (nada!) têm a ver com o Bloco –, no caso das Autárquicas. E como ambos os pressupostos são politicamente pouco significativos, ganhámos um grupo parlamentar que não representa o que as bases desejavam, e não elegemos os autarcas que queríamos, apesar do esforço sobre-humano que muitos deram à(s) respectiva(s) causa(s), em termos de campanha eleitoral.

Saibamos assumir, humildemente, que errámos!

É por isso que o Bloco de Esquerda não deve focar a sua acção na actividade do seu grupo parlamentar, por mais importante e dedicada que ela tenha sido e/ou possa ainda vir a ser. O Bloco tem de partir do local para o nacional, da luta social para a alternativa política. E toda a sua organização tem de estar adaptada a isso mesmo.

O Bloco não pode ter funcionários-candidatos que não têm tempo para fazer campanha porque têm de trabalhar. Tal como as coisas estão, perdemos o candidato e perdemos o funcionário. Nada sobeja. O Bloco não pode sentir a necessidade de elaborar listas de candidatos só e apenas porque é preciso apresentar uma lista. Aliás, nunca por nunca pode o Bloco alinhar a sua agenda de campanha em função da agenda própria da Comunicação Social!
Este tipo de comportamentos estão nos antípodas do que se exige de uma força política que se reclama da Esquerda Socialistas.

4 – A menos que a afirmação do partido seja uma meta em si mesmo…
O voto no Bloco de Esquerda é, ainda e muito, um voto de contrapoder, de protesto activo. Ao assumirmos que lutamos pelo poder, que queremos assumir responsabilidades – nas autarquias e no próprio Governo – temos de aprender a quantificar previamente cada uma das propostas a fazer. A menos que a afirmação do partido-movimento seja uma meta em si mesma, o que parece absolutamente contraditório com o caminho feito nestes últimos dez anos.

O Bloco de Esquerda deve assumir-se cada vez mais como um pólo fomentador de unidade das esquerdas, começando por um trabalho social, cultural e político para uma reorganização do espaço socialista. E para o fazer terá de continuar a abraçar causas justas e fracturantes, quantificando-as a cada momento.

5 – “Bonapartes” acima das posições existentes
Para se obter tal resultado, é necessário começar por dentro.

O Bloco é o resultado de experiências políticas e trajectos ideológicos diferenciados. Não faz sentido que as principais figuras(!) do Bloco não pertençam oficialmente a nenhuma “corrente de opinião” interna e resolvam, sempre que se ensaia algum debate, aparecer como uma espécie de “bonapartes” que se posicionam acima das posições existentes… Na realidade e na prática, esses dirigentes acabam por fazer perdurar o domínio do Bloco por uma “troika” de fundadores que, há muito, já devia ter dado o lugar à dinâmica democrática dos militantes, da base até ao topo.

Os aderentes do Bloco já mostraram ser exigentes e críticos. E os eleitores do Bloco também. Daí que o eleitorado se “zangue” quando o BE se apresenta como intérprete único, rigoroso e fiel do que os cidadãos pretendem, e que o Bloco tenha dificuldade em entender. Como se conhecêssemos, de antemão, e de trás para diante, as dificuldades, as aspirações e as exigências dos cidadãos, não necessitando, sequer, de qualquer diálogo com alguém.

6 – Ratificar o decidido
Entram neste capítulo as correntes de opinião, as “formiguinhas” de Daniel Oliveira. Sistematicamente, a direcção política do Bloco ignora (e até ostraciza) camaradas que, ao longo dos anos, têm apresentado propostas alternativas. E fá-lo conscientemente.

O debate sobre questões políticas fundamentais raramente é feito nos órgãos estatutariamente eleitos como direcção política nacional, e quando é promovido veste, apenas para o efeito, as roupagens da democracia.

É por isso que militantes, simpatizantes e apoiantes que não são oriundos nem se revêem em nenhuma das correntes existentes do Bloco, oficiais ou não, têm muita dificuldade em perceber o que acontece no “interior” do partido-movimento, independentemente de estarem, muitas vezes, de acordo com as decisões tomadas. Por um lado, não participam. E quando são chamados a participar, muitas vezes, ratificam o que está decidido.

7 – Dinamização das estruturas locais a partir do confronto democrático
É vital a dinamização das estruturas locais do BE – distritais, concelhias e até de freguesia (se possível) – a partir do confronto democrático entre posições políticas internas diferentes, com a discussão de programas de acção, adaptados a cada área geográfica de intervenção.

Com pelo menos dois anos aparentemente tranquilos pela frente, o Bloco tem todas as condições para fazer esse caminho sem sobressaltos. As estruturais locais não podem continuar fechadas sobre si mesmas. Pelo contrário, têm de assumir responsabilidades pelo trabalho desenvolvido, apresentar propostas alternativas concretas e dinamizar a acção de curto e médio prazo juntamente com os seus aderentes e apoiantes. As estruturas e os seus militantes, desprovidos de quaisquer receios de conotação com a corrente A, ou com a tendência B.

O Bloco de Esquerda tem vindo a defender publicamente novas formas de participação dos cidadãos em defesa dos seus interesses. É absolutamente indispensável instituir, no interior do Bloco, as práticas democráticas que defendemos publicamente, numa clara atitude ética.

A este propósito, o texto de opinião assinado por Rui Tavares, publicado no jornal “Público” de 14 de Outubro deste ano, é claro e explícito quanto ao caminho a seguir:

Nas próximas eleições locais, entre os 305 presidentes de câmara, metade não poderá recandidatar-se. O país deveria aproveitar para iniciar uma autêntica revolução no poder local, feita de um novo discurso urbano e de uma nova prática cívica. A preparação dela começa agora.
Um novo discurso urbano começa por duas dimensões aparentemente simples: onde as pessoas moram e como elas se movem. Mas as suas ramificações têm consequências enormes. Num tempo de crise, é comum falar-se dos efeitos "multiplicadores" do investimento público. É bom lembrar que, em política urbana, os multiplicadores vão muito para além da economia. É investimento público que gera novo investimento, é certo, mas igualmente importantes são os seus multiplicadores culturais e sociais. Em cidades com centros degradados com as nossas, são também multiplicadores de qualidade de vida. Em cidades dominadas pelo automóvel, as políticas de transportes públicos são também multiplicadores ambientais. E promover a participação política local é talvez um dos mais poderosos multiplicadores cívicos.
Aqui entra o segundo plano. Uma nova prática cívica significa promover mais debate local, ter mais abertura, criar mais momentos de deliberação. As pessoas podem não saber tudo sobre macroeconomia ou direito internacional, mas em geral têm uma ideia muito concreta de como querem mudar a sua vida na cidade. Ao discuti-lo não só preparam o caminho para essa mudança como melhoram a qualidade da democracia.


8 – Alternativa interna
É neste quadro que a Esquerda Nova – Corrente de Opinião no Bloco de Esquerda se assume como uma alternativa interna para que o Bloco de Esquerda se torne, cada vez mais, um partido-movimento de convergência à esquerda, de programa e propostas da Esquerda Socialista, vocacionado para a intervenção nas lutas sociais, na intervenção local, regional e nacional. É por isso que a Esquerda Nova se compromete a apresentar em Mesa Nacional um programa de acção que inclua a capacidade de intervenção em todos os níveis da organização bloquista.

19 de Outubro de 2009

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