quinta-feira, 23 de junho de 2011

O SENTIDO DO VOTO

É o insuspeito Pacheco Pereira quem afirma, de forma inequívoca que nas eleições de 5 de Junho os portugueses votaram sobretudo contra Sócrates, embora esta declaração tire uma grande parte do mérito da vitória ao PSD e ao seu líder.
Muitos dos que votaram PSD nem se deram ao trabalho de conhecer as propostas do partido, que dizem bem ao que vêm. Mas, quando chegar a hora de pagarmos a factura, não tenhamos ilusões de que os portugueses não vão querer pagar a saúde, as portagens ou o ensino nem aceitar o encerramento de centros médicos públicos ou unidades hospitalares.
Num texto que assina na penúltima edição da revista “Sábado”, Pacheco Pereira adverte que não devemos pensar “que os eleitores votaram explicitamente no programa eleitoral do PSD como escolha substantiva, como algo que desejem ver cumprido, como algo para que se mobilizem. Não, os portugueses votaram contra Sócrates e só tocaram na questão do programa quando ela era instrumental contra Sócrates. Por exemplo, aceitaram a troika porque entendiam que mais valia um governo de fora capaz do que um governo de dentro incapaz, e a similitude de medidas entre o Memorando e o PSD favorece a legitimação deste último. Mas ilude-se quem pensa que os portugueses acham normal pagar a saúde ou o ensino, pagar portagens ou ter de andar 30 quilómetros para ter um médico, ou que vão aceitar pagar os preços reais dos transportes. Nisso não votaram certamente. E é o que vão ter.
E, depois, há que não confundir entre o que os portugueses acham que é o Estado “gordo” e o que o PSD acha que é. Uma vaga de antiestatismo percorreu, e percorre, a sociedade portuguesa. Mas esse antiestatismo não é liberal, é populista. Olha para o Estado e vê administradores, assessores, carros do Estado, regalias, prebendas e alguns funcionários públicos com o emprego garantido e que “não fazem nenhum”. Uma perigosa confusão – muitas vezes deliberada, pelo seu retorno eleitoral – foi feita entre a redução do peso do Estado e a luta contra os privilégios e abusos.”
Sabendo-se que existe um consenso generalizado sobre a orientação de voto dos eleitores em 5 de Junho, é bem provável que ela constitua, juntamente com outros erros, uma das causas dos fracos resultados obtidos pelo Bloco. Por isso, é bom que não sejam tomadas decisões a quente nem apontados culpados, de forma precipitada, dentro do partido.

Luís Moleiro

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