sexta-feira, 10 de junho de 2011

SER SOCIALISTA

Como todos sabemos a designação de alguns dos principais partidos políticos portugueses não corresponde, nem de perto nem de longe, à sua actual matriz ideológica. Na melhor das hipóteses equivale ao pensamento político dos seus fundadores. Basta termos presente uma afirmação de Freitas do Amaral feita em 1974/75, recentemente recordada por uma televisão, segundo a qual o então dirigente máximo do CDS defendia publicamente a instauração de uma sociedade sem classes em Portugal.
Nos tempos que correm o CDS é um partido assumidamente de direita e não centrista, o PSD nem cheiro de social-democracia tem e o PS, que há décadas enterrou bem fundo o chamado “socialismo democrático”, incorporou na sua prática política a doutrina neoliberal, sem revelar significativas diferenças em relação aos partidos de direita. Seria interessante que os militantes do PS, digamos, até aos 40 anos, lessem o primeiro programa do partido, elaborado por volta de 1973…
Apesar de todas as alterações que o mundo sofreu nas últimas décadas, nada justifica que a prática de um partido com nome de esquerda se revele tão próxima da direita mais radical.
“Ser socialista significava maior justiça social e mais equitativa distribuição de deveres e direitos, de privilégios e sacrifícios”. O Estado Social tem, não o esqueçamos, a marca da esquerda, com especial evidência no Serviço Nacional de Saúde, na escola pública, na segurança social, enfim, na defesa dos mais desfavorecidos.
Muito a propósito vem o seguinte excerto de um excelente texto que Clara Ferreira Alves assina hoje na “Revista Única”.
“Cresci num tempo em que a palavra “público” era uma palavra estimada e respeitável. Serviço público, poder público, bem público, gestão pública, empresa pública. A política tinha os seus oportunistas, sempre terá, mas, de um modo geral, o socialismo significava três coisas. Serviço público, em primeiro lugar. A ideia básica era a de que os privados não prosseguiam o bem colectivo porque prosseguiam o lucro individual e de que ao Estado competia administrar essa colisão de interesses. Em segundo lugar, ser socialista significava maior justiça social e mais equitativa distribuição de deveres e direitos, de privilégios e sacrifícios. Em terceiro lugar, ser socialista significava uma visão cultural do mundo, significava que os chefes teriam uma competência intelectual e histórica que transcendesse o homem e a sua circunstância e autorizasse o desígnio nacional dentro de um desígnio histórico mundial. Para isto era preciso ser cosmopolita e visionário, antiprovinciano e global. Era, claro, preciso ter lido uns livros e poder sustentar a gestão política numa cultura política humanista. Um político de topo era, em primeiro lugar, alguém inteligente e com cultura. Cultura também não era uma palavra maldita.”

Luís Moleiro

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