domingo, 6 de abril de 2014

AS VÍTIMAS DO COSTUME


É um dado adquirido que os números, quando torturados, dizem aquilo que nós queremos. Foi o que aconteceu com um estudo do FMI divulgado há pouco tempo, segundo o qual os mais ricos teriam sido mais penalizados do que os pobres com a actual política de austeridade. No entanto, uma análise séria e independente revela aquilo que o senso comum dita: são as classes média e de mais baixos rendimentos que estão “a suportar a maior parte do fardo da austeridade”.
Obviamente que as conclusões do estudo do FMI carecem de “falta de credibilidade” e visam enganar a opinião pública para que ela aceite com mais facilidade as políticas que estão a ser levadas a cabo. É isso que o economista Eugénio Rosa demonstra no texto seguinte, utilizando para tal dados oficiais.
Segundo o estudo do Institute for Social  and Economic Research da Univresity of Essex da Inglaterra, com o título “The distributional effects of austerity mesures: a comparison of six EU countries”, no nosso país, a política de austeridade determinou uma redução de 6% no rendimento disponível dos mais pobres e apenas uma diminuição de 3% no rendimento dos mais ricos. E isto foi até 2011, e as políticas mais violentas e injustas de austeridade tiveram lugar a partir daquele ano.
Mas uma análise concreta da natureza das principais medidas impostas ao país pela “troika” e pelo governo PSD/CDS mostra também a falta de credibilidade das conclusões do estudo do FMI, que visa no fundo manipular a opinião pública para tornar esta política mais aceitável por ela. É o que se vai procurar fazer utilizando, para isso, a linguagem fria dos números oficiais.
Os dados constantes dos relatórios que acompanham os Orçamentos de Estado de 2011, 2012, 2013 e 2014, mostram os cortes significativos feitos na despesa pública, assim como o aumento brutal dos impostos no período da “troika”, ficando também claro que classes de populações foram atingidas por essas medidas.
Dos 15434 milhões de euros de cortes feitos na despesa pública no período 2011-2014, 71,2% dizem respeito a cortes feitos em despesas com prestações sociais (nomeadamente pensões), nas remunerações, e em despesas com a educação e saúde, portanto que afectam fundamentalmente classes de médio e baixo rendimento. Por outro lado, do aumento de impostos no montante de 9920 milhões de euros verificado também neste período, 75,4% resultam de subidas feitas no IVA, no IRS e nos descontos para a ADSE, SAD e ADM, portanto impostos que afectam principalmente as mesmas classes sociais. É evidente que quem está a suportar a maior parte do fardo da austeridade são as classes média e de baixos rendimentos, e não os ricos como afirma o FMI no seu estudo. Interessa ainda referir que os cortes na despesa pública e o aumento de impostos já somam 25354 milhões de euros (15,1% do PIB) e a redução do défice foi apenas de 9740 milhões de euros (5,8% do PIB), ou seja, 2,6 vezes menos. É um preço demasiado elevado que o país e os portugueses estão a pagar.
Um exemplo paradigmático desta política de austeridade foi o aumento brutal do IRS. E isso foi feito de duas maneiras. Em primeiro lugar através da redução significativa dos benefícios fiscais a nível de IRS em que se tratou da mesma maneira quem tinha baixos rendimentos e rendimentos elevados. São exemplos de tal política a redução de 30% para apenas 10% das despesas de saúde que podem ser deduzidas no IRS igual para todos o que determinou que só por esta razão, o IRS pago tenha aumentado em 327 milhões de euros; outra medida com efeitos semelhantes foi a dedução para metade da despesa com o crédito para habitação que poderá ser deduzida no IRS o que provocou um aumento de IRS estimado em 412 milhões de euros por ano; situação também semelhante se verificou em relação às despesas com a educação dos filhos o que determinou também uma subida do IRS pago pelas famílias (mais 154M€) (*).
(*) Diário as beiras

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