A
história da rã na panela é muito conhecida e serve de metáfora em muitas
situações, tanto da nossa vida pessoal como colectiva. O texto seguinte
serve-se dela para referir a situação a que os portugueses chegaram, levados pela
monumental propaganda desde há anos, sempre na esperança de que o pior já tenha
passado e na vinda próxima do paraíso. Em vez disso, temos o inferno, do qual
não sabemos quando nem se sairemos alguma vez. Cozidos, mito provavelmente, como
aconteceu à rã da história.
O
autor (*) do texto seguinte, que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem
(9/4), partindo exactamente da história da rã na panela acaba por concluir que
os que não quiserem ser cozidos têm de emigrar.
Estes dias tudo andou à volta
dos cortes. O governo tem na manga mais cortes. A política dos cortes está para
continuar.
Cortes nas pensões dos
reformados, cortes nos salários da função pública, cortes nas prestações
sociais, na saúde, na educação… E ao mesmo tempo que corta, os preços sobem
Cortes é o que estes
governantes sabem dar.
A pobreza alarga e os níveis
de miséria atingem proporções humilhantes.
O desemprego continua e aos
desempregados os subsídios são cortados.
Estes cortes continuados trouxeram-me
à recordação a história da rã.
Uma história do escritor
suíço Olivier Clerc e é assim:
Era uma rã numa panela cheia
de água fria e nadava. Nadava fruindo o seu merecido descanso.
Foi-lhe posto um pequeno fogo
aceso e a água da panela lá foi aquecendo lentamente.
A rã não se defendeu daquele
incómodo e lá continuou no seu nadar. Notou que não estava bem, mas aguentou. Achou
que ainda dava para aguentar.
A temperatura começou a subir
e a rã começou a ter dificuldades naquele espaço onde antes estava, mas lá
aguentou na panela à espera que as coisas melhorassem, que a temperatura da
água voltasse ao que era.
Mas a temperatura da água
continuou a subir e a rã continuou na esperança que viessem melhores dias. Nada
mais fez que uns lamentos.
Mas a temperatura da água
continuou a subir e a rã entrou em aflição, queria sair da água mas já nem forças
tinha para saltar, cansada, desmoralizada, vencida.
Cozida!
Moral da história.
Se a rã tivesse sido lançada
em água quente, saltava de imediato e punha-se ao fresco, porque aquele não era
o seu espaço.
Pois é assim o que se passa. Se
os governos tivessem feito os cortes já somados de uma só vez, a revolta, a indignação,
o ódio seria explosivo, incontrolado.
Mas os cortes vieram por
doses, lentamente. Lançados entre mentiras e promessas de que eram passageiros,
e de que tudo seria reposto com o país melhorado.
Os espertos dos gabinetes,
onde tudo se decide, programaram a maldade de modo lento.
Aos poucos, lá foram cortando,
ora a este grupo, ora àquele. De preferência, os trabalhadores da função
pública e os reformados.
Insaciáveis, lá foram a todos
e ninguém escapou.
Insaciáveis, cortaram nas
prestações sociais, nos subsídios de desemprego, nas horas extraordinárias, nos
abonos à crianças. Insaciáveis lá foram buscar nos descontos para a ADSE, e
subiram nas taxas moderadoras, e cortaram na educação, e subiram em tudo onde
podiam mais ir buscar. Tirando por um lado e subindo por outro.
Uma mudança programada, e
agora já dizem que os cortes para sempre vão ficar.
E a intenção é a de que se
esses cortes se aguentar, outros a seguir vão chegar.
Começaram aos poucos, logo
outros acrescentaram e com intenção de continuar. Mas dizem que não, para que
os sacrificados aguentem sem reacção, só com uns lamentos, submissos.
Cozidos!
Como a rã, já nem forças têm
para saltarem da panela, para subirem as escadas do parlamento.
Não há contentes, porque todo
o trabalho é precário. Se olham à volta, sabem de tantos despedidos, desempregados,
abandonados, aflitos.
Cozidos!
E os que não querem ser
cozidos, emigram.
E os ataques às liberdades, à
dignidade, à inteligência, à alegria de viver, continuam.
Assim se prepara um futuro de
submissão, de escravidão.
E
para facilitar este cozer brando de cortes continuados, não faltam os
comentadores de encomenda a justificar a necessidade de mais cortes. E a
recomendar mais submissão! Antes que sejas cozido, salta!
(*) Manuel Miranda
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