quinta-feira, 10 de abril de 2014

COZIDOS!


A história da rã na panela é muito conhecida e serve de metáfora em muitas situações, tanto da nossa vida pessoal como colectiva. O texto seguinte serve-se dela para referir a situação a que os portugueses chegaram, levados pela monumental propaganda desde há anos, sempre na esperança de que o pior já tenha passado e na vinda próxima do paraíso. Em vez disso, temos o inferno, do qual não sabemos quando nem se sairemos alguma vez. Cozidos, mito provavelmente, como aconteceu à rã da história.  
O autor (*) do texto seguinte, que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem (9/4), partindo exactamente da história da rã na panela acaba por concluir que os que não quiserem ser cozidos têm de emigrar.
Estes dias tudo andou à volta dos cortes. O governo tem na manga mais cortes. A política dos cortes está para continuar.
Cortes nas pensões dos reformados, cortes nos salários da função pública, cortes nas prestações sociais, na saúde, na educação… E ao mesmo tempo que corta, os preços sobem
Cortes é o que estes governantes sabem dar.
A pobreza alarga e os níveis de miséria atingem proporções humilhantes.
O desemprego continua e aos desempregados os subsídios são cortados.
Estes cortes continuados trouxeram-me à recordação a história da rã.
Uma história do escritor suíço Olivier Clerc e é assim:
Era uma rã numa panela cheia de água fria e nadava. Nadava fruindo o seu merecido descanso.
Foi-lhe posto um pequeno fogo aceso e a água da panela lá foi aquecendo lentamente.
A rã não se defendeu daquele incómodo e lá continuou no seu nadar. Notou que não estava bem, mas aguentou. Achou que ainda dava para aguentar.
A temperatura começou a subir e a rã começou a ter dificuldades naquele espaço onde antes estava, mas lá aguentou na panela à espera que as coisas melhorassem, que a temperatura da água voltasse ao que era.
Mas a temperatura da água continuou a subir e a rã continuou na esperança que viessem melhores dias. Nada mais fez que uns lamentos.
Mas a temperatura da água continuou a subir e a rã entrou em aflição, queria sair da água mas já nem forças tinha para saltar, cansada, desmoralizada, vencida.
Cozida!
Moral da história.
Se a rã tivesse sido lançada em água quente, saltava de imediato e punha-se ao fresco, porque aquele não era o seu espaço.
Pois é assim o que se passa. Se os governos tivessem feito os cortes já somados de uma só vez, a revolta, a indignação, o ódio seria explosivo, incontrolado.
Mas os cortes vieram por doses, lentamente. Lançados entre mentiras e promessas de que eram passageiros, e de que tudo seria reposto com o país melhorado.
Os espertos dos gabinetes, onde tudo se decide, programaram a maldade de modo lento.
Aos poucos, lá foram cortando, ora a este grupo, ora àquele. De preferência, os trabalhadores da função pública e os reformados.
Insaciáveis, lá foram a todos e ninguém escapou.
Insaciáveis, cortaram nas prestações sociais, nos subsídios de desemprego, nas horas extraordinárias, nos abonos à crianças. Insaciáveis lá foram buscar nos descontos para a ADSE, e subiram nas taxas moderadoras, e cortaram na educação, e subiram em tudo onde podiam mais ir buscar. Tirando por um lado e subindo por outro.
Uma mudança programada, e agora já dizem que os cortes para sempre vão ficar.
E a intenção é a de que se esses cortes se aguentar, outros a seguir vão chegar.
Começaram aos poucos, logo outros acrescentaram e com intenção de continuar. Mas dizem que não, para que os sacrificados aguentem sem reacção, só com uns lamentos, submissos.
Cozidos!
Como a rã, já nem forças têm para saltarem da panela, para subirem as escadas do parlamento.
Não há contentes, porque todo o trabalho é precário. Se olham à volta, sabem de tantos despedidos, desempregados, abandonados, aflitos.
Cozidos!
E os que não querem ser cozidos, emigram.
E os ataques às liberdades, à dignidade, à inteligência, à alegria de viver, continuam.
Assim se prepara um futuro de submissão, de escravidão.
E para facilitar este cozer brando de cortes continuados, não faltam os comentadores de encomenda a justificar a necessidade de mais cortes. E a recomendar mais submissão! Antes que sejas cozido, salta!
(*) Manuel Miranda

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