sexta-feira, 11 de abril de 2014

OCIOSOS À FORÇA


Trata-se de um escândalo que pessoas com 40 anos ou pouco mais, no momento mais pujante do seu ciclo de vida, se vejam forçados a uma ociosidade que não desejam ou tenham de procurar trabalho em países estranhos, onde não conhecem ninguém e onde hábitos e cultura nada têm a ver com os nossos.
O seguinte texto contém uma interessante abordagem desta candente problemática na visão de um médico psiquiatra (*).
Presentemente vivemos na nossa sociedade uma situação paradoxal: ao mesmo tempo que a esperança de vida dos portugueses tem aumentado significativamente, diminuem cada vez mais as ofertas de emprego em idades mais avançadas – ou seja, no mercado de trabalho atual, ficar desempregado com pouco mais de 40 anos é praticamente uma condenação à “ociosidade forçada”, já que as possibilidades de encontrar um novo emprego são muito reduzidas.
O homem não é vocacionado para viver na ociosidade. Para além de ser uma característica que nos distingue das restantes criaturas, o trabalho é um elemento central da dignidade humana. A possibilidade de se ter  uma ocupação útil para a sociedade, e através dela ganhar legitimamente a vida, é uma condição essencial para o equilíbrio psíquico de qualquer pessoa. Por mais argumentos económicos que se utilizem e se recorra a diversos exercícios de retórica política, impedir que um indivíduo, no meio do seu ciclo de vida, possa garantir o seu sustento e dos seus filhos, é um sinal de decadência de uma sociedade.
Infelizmente, hoje mais do que nunca este autêntico exército de homens e mulheres, forçados à ociosidade, está a crescer inexoravelmente, com uma aparente resignação indolente dos políticos, face a esta tragédia social. Cada vez mais o trabalho é um direito de uma minoria seleta; uma regalia de uma casta de privilegiados. Deste modo, a sociedade não constrói duas classes sociais, mas duas classes de homens: a que dispõe de trabalho, e é útil e proveitosa, e a que fica remitida à ociosidade forçada, sendo, por conseguinte, inútil e desprezível.
Mas afinal o que se deverá dizer, por exemplo, a uma pessoa com 47 anos, saudável, que não encontra trabalho ano após ano? Que projeto de vida e que futuro poderá ter uma pessoa nesta situação? Nos manuais de psiquiatria, o desemprego aparece como uma das principais causas de depressão. O indivíduo deprimido vive sem esperança, preso a um passado, sendo necessário retirá-lo deste abismo pesaroso que se cava na sua existência. Mas aos poucos começam a faltar as palavras de encorajamento, já que para muitos a queda na malha do desemprego transforma-se num cumprimento de uma pena que teima em tornar-se perpétua.
Para o cidadão comum, é incompreensível que um país, sob o pretexto da produtividade, elimine feriados nacionais e alargue o horário dos funcionários públicos para as 40 horas semanais e simultaneamente crie uma espécie de “desemprego chique” – próprio de um país rico, que se dá ao luxo de não aproveitar uma parte significativa e saudável da sua população –, remetendo centenas de milhares de portugueses para uma situação de infortúnio e de miséria imerecida. Vivemos numa época míope, que desperdiça os seus melhores cidadãos, transformando-os em seres medicantes, remetendo-os desnecessariamente para uma vida repleta de privações.
É um escândalo assistir a um país de gente capaz para trabalhar condenada a uma ociosidade forçada; é um escândalo e uma aberração que se ignorem tantas vidas úteis. Entretanto, andamos todos satisfeitos a usufruir de uma democracia de ponta, com 40 anos de história grandiosa, onde não falta nenhuma das liberdades, excepto a liberdade cada vez mais utópica de se conseguir concretizar um simples desejo: trabalhar e, deste modo, ganhar a vida.
(*) Pedro Afonso, Público

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