Trata-se
de um escândalo que pessoas com 40 anos ou pouco mais, no momento mais pujante
do seu ciclo de vida, se vejam forçados a uma ociosidade que não desejam ou
tenham de procurar trabalho em países estranhos, onde não conhecem ninguém e
onde hábitos e cultura nada têm a ver com os nossos.
O
seguinte texto contém uma interessante abordagem desta candente problemática na
visão de um médico psiquiatra (*).
Presentemente
vivemos na nossa sociedade uma situação paradoxal: ao mesmo tempo que a
esperança de vida dos portugueses tem aumentado significativamente, diminuem
cada vez mais as ofertas de emprego em idades mais avançadas – ou seja, no
mercado de trabalho atual, ficar desempregado com pouco mais de 40 anos é
praticamente uma condenação à “ociosidade forçada”, já que as possibilidades de
encontrar um novo emprego são muito reduzidas.
O
homem não é vocacionado para viver na ociosidade. Para além de ser uma
característica que nos distingue das restantes criaturas, o trabalho é um
elemento central da dignidade humana. A possibilidade de se ter uma
ocupação útil para a sociedade, e através dela ganhar legitimamente a
vida, é uma condição essencial para o equilíbrio psíquico de qualquer
pessoa. Por mais argumentos económicos que se utilizem e se recorra a diversos
exercícios de retórica política, impedir que um indivíduo, no meio do seu
ciclo de vida, possa garantir o seu sustento e dos seus filhos, é um sinal de
decadência de uma sociedade.
Infelizmente,
hoje mais do que nunca este autêntico exército de homens e mulheres, forçados à
ociosidade, está a crescer inexoravelmente, com uma aparente resignação
indolente dos políticos, face a esta tragédia social. Cada vez mais o trabalho
é um direito de uma minoria seleta; uma regalia de uma casta de privilegiados.
Deste modo, a sociedade não constrói duas classes sociais, mas duas classes de
homens: a que dispõe de trabalho, e é útil e proveitosa, e a que fica remitida
à ociosidade forçada, sendo, por conseguinte, inútil e desprezível.
Mas
afinal o que se deverá dizer, por exemplo, a uma pessoa com 47 anos, saudável,
que não encontra trabalho ano após ano? Que projeto de vida e que futuro poderá
ter uma pessoa nesta situação? Nos manuais de psiquiatria, o desemprego aparece
como uma das principais causas de depressão. O indivíduo deprimido vive sem
esperança, preso a um passado, sendo necessário retirá-lo deste abismo pesaroso
que se cava na sua existência. Mas aos poucos começam a faltar as palavras de
encorajamento, já que para muitos a queda na malha do desemprego transforma-se
num cumprimento de uma pena que teima em tornar-se perpétua.
Para
o cidadão comum, é incompreensível que um país, sob o pretexto da
produtividade, elimine feriados nacionais e alargue o horário dos funcionários
públicos para as 40 horas semanais e simultaneamente crie uma espécie de
“desemprego chique” – próprio de um país rico, que se dá ao luxo de não
aproveitar uma parte significativa e saudável da sua população –, remetendo
centenas de milhares de portugueses para uma situação de infortúnio e de
miséria imerecida. Vivemos numa época míope, que desperdiça os seus melhores cidadãos,
transformando-os em seres medicantes, remetendo-os desnecessariamente para
uma vida repleta de privações.
É
um escândalo assistir a um país de gente capaz para trabalhar condenada a uma
ociosidade forçada; é um escândalo e uma aberração que se ignorem tantas vidas
úteis. Entretanto, andamos todos satisfeitos a usufruir de uma democracia
de ponta, com 40 anos de história grandiosa, onde não falta nenhuma das
liberdades, excepto a liberdade cada vez mais utópica de se conseguir
concretizar um simples desejo: trabalhar e, deste modo, ganhar a vida.
(*)
Pedro Afonso, Público
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