Nos
últimos anos, a comunicação social tem referido um contínuo crescimento do
número de milionários em Portugal.
Ainda
há menos de um mês, o insuspeito Económico titulava online “Portugal cria 10000 novos milionários por ano”, acrescentando que “quase
30% dos milionários portugueses surgiram nos últimos dois anos” e que “60% de
toda a riqueza está concentrada nos 10% mais ricos”.
Se
os dados estatísticos demonstram que a pobreza aumentou em Portugal, também é
verdade que se assistiu em simultâneo a um crescimento das desigualdades. A riqueza
está a concentrar-se nas mãos de cada vez menos pessoas e famílias.
Não
restam quaisquer dúvidas de que as políticas de austeridade, implementadas pela
maioria de direita no Governo, são esmagadoramente responsáveis pelo fosso
cavado entre ricos e pobres.
Como
muito bem afirma a politóloga Ana Rita Ferreira no seguinte texto que recolhemos
do Público online de hoje, “a pobreza e a desigualdade deixaram de ser vista
como problemas centrais a enfrentar pelo poder político”.
Os dados do INE vieram dizer-nos que, em 2012, 18,7%
da população portuguesa estava em risco de pobreza. Em 2009, esta percentagem
era de 17,9%. Mas, se esta diferença parece curta, isso resulta de a quebra dos
rendimentos das famílias ter conduzido à diminuição do limiar de pobreza e,
consequentemente, a que muitas famílias deixassem de ser estatisticamente
pobres, ainda que a sua situação não se alterasse.
Se ancorarmos a linha de pobreza em valores de 2009, o
risco de pobreza em 2012 é de 24,8%, o que aponta já para um aumento
significativo deste indicador nos últimos anos.
Por outro lado, também em 2012, 25,5% da população
vivia em privação material (contra 22,5% em 2009) e 10,4% encontrava-se em
situação de pobreza consistente (contra 8,5% em 2009). Além disso, a taxa de
intensidade da pobreza cresceu de 22,7%, em 2009, para 27,3%, em 2012. E os
números do INE mostram-nos ainda que a verdadeira mudança ocorreu a partir de
2011, pois, até aí, apesar da crise já em curso, conseguiu controlar-se o aumento
da pobreza.
Poder-se-ia pensar que a pobreza aumentou agora,
porque todos havíamos empobrecido generalizadamente – haviam empobrecido os
mais pobres, o que provocaria estes aumentos dos níveis da pobreza, mas também
os mais ricos na mesma proporção. Ou seja, os esforços das políticas de
austeridade não teriam poupado mais aqueles que menos têm, mas teriam, pelo
menos, sido equitativamente distribuídos. Mas esta ideia não corresponde à
verdade. Se a pobreza aumentou em Portugal, a desigualdade acompanhou este
aumento. A prová-lo estão os principais indicadores da desigualdade económica.
Por exemplo, o Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade na distribuição de
rendimentos, passou de 33,7%, em 2009, para 34,2%, em 2012; o Rácio S80/S20,
que define o rácio entre os rendimentos recebidos pelos 20% da população com
maior rendimento e os rendimentos recebidos pelos 20% com menor rendimento,
aumentou de 5,6 para 6 nos mesmos anos; e o Rácio S90/S10, que faz um exercício
idêntico entre os 90% mais ricos e os 10% mais pobres, cresceu de 9,2 para
10,7.
Poder-se-ia argumentar que esta tendência de aumento
do fosso entre ricos e pobres não se registou apenas nestes anos mais recentes
de vigência do programa de ajustamento e era já um facto verificável nos anos
anteriores. Porém, esta ideia também não é verdadeira. Entre 2005 e 2009,
Portugal diminuiu de forma muito efectiva a desigualdade económica: o Índice de
Gini passou de 37,7% para 33,7%, o Rácio S80/S20 de 6,7 para 5,6, o Rácio
S90/S10 de 11,9 para 9,2.
O que estes indicadores demonstram é que houve um
momento recente da vida nacional em que a pobreza e a desigualdade foram
combatidas de forma consistente e concertada, mas que vivemos, desde 2011, um
período em que nem as desigualdades entre ricos e pobres, nem sequer a situação
dos mais pobres, têm sido alvo da preocupação política que mereciam. Uma das
principais provas de como a pobreza e a desigualdade deixaram de ser vistas
como problemas centrais a enfrentar pelo poder político está na desvalorização
sistemática das políticas públicas que haviam sido as principais responsáveis
pela sua redução no passado.
O Rendimento Mínimo Garantido, criado pelo primeiro
Governo de António Guterres, foi a prestação social que mais contribuiu para
diminuir a intensidade da pobreza em Portugal. Sendo uma prestação sujeita a
condição de recursos, provou ser também um bom instrumento no combate à
desigualdade. Ora, o actual RSI contava cerca de 526 mil beneficiários em 2010,
mas tem sido alvo de tais limitações que, em 2013, foram apenas pouco mais de
360 mil os que dele usufruíram. Além disso, os valores máximos desta prestação
diminuíram (por ex., de 189,52€ para 178,15€ para um indivíduo adulto). Não é
possível combater a pobreza severa quando a política de rendimento mínimo
revela este declínio.
O Complemento Solidário para Idosos, criado pelo
primeiro Governo de José Sócrates – permitindo a todos os idosos, cuja soma de
rendimentos não atingisse o valor do Indexante de Apoio Social (419,22€),
receber uma prestação que lhes permitisse chegar a esse montante mensal – foi a
política social que mais atacou a pobreza entre os idosos e, dada a taxa de
pobreza nesta faixa etária, ajudou a reduzir as desigualdades. Ora, se, em
2010, havia cerca de 247 mil beneficiários do CSI, em 2013, o número já
diminuiu para perto de 238 mil. Dir-se-á que têm aumentado (ligeiramente) os
valores da pensão mínima ou da pensão social. Mas estas prestações (cujos
valores foram, respectivamente, de 259,36€ e 199,53€ este ano) estão longe de
um montante que permita ultrapassar o limiar da pobreza (agora fixado em 409€).
Além disso, não estão sujeitas às mesmas condições de recursos, pelo que não
contribuem para reduzir as desigualdades na mesma medida.
Poderíamos
dar mais exemplos. A conclusão seria a mesma: a pobreza e a desigualdade não
são problemas centrais para este Governo, que, por isso, não molda as suas
políticas públicas para as combater.
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