domingo, 30 de novembro de 2014

O “PÂNTANO” DA PROMISCUIDADE


Seja qual for a posição ideológica de cada um de nós, é completamente impossível ficarmos indiferentes ao “pesadelo que se abateu sobre” Portugal. As notícias sobre esquemas ilegais de enriquecimento fácil e rápido sucedem-se a um ritmo inimaginável, ao mesmo tempo que a miséria do povo cresce a olhos vistos, fruto da política austeritária a que fomos submetidos. Até há poucos anos, nem ao mais pessimista dos portugueses passaria pela cabeça sentir o país a saque, ainda por cima, debaixo da vista dos governantes. De todos os quadrantes ideológicos surgem os clamores, como o que aqui deixámos ontem, da parte de um conhecido ex-autarca do PSD. Fica hoje aqui a transcrição da indignação de outro ex-autarca, desta vez, do PS, o escritor de Coimbra, António Vilhena (*).
É tão difícil acordar do pesadelo que se abateu sobre o nosso país! É preciso abrir os olhos de mansinho para que a luz forte da decepção não nos tolde a lucidez. E, mesmo assim, corremos o risco de nos cegarmos com a fria crueldade dos casos recentes sobre os desvios à ética republicana. Em pouco tempo, quase saído se um filme de Fellini, temos um director do SEF preso, Manuel Jarmela Palos, a quem confiávamos a defesa das nossas fronteiras; o presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, António Figueiredo, acusado de corrupção; o ministro da tutela, Miguel Macedo, obrigado a demitir-se; um banqueiro; um banqueiro, caixa de pandora do regime, a ser detido um ex-primeiro-ministro preso. Independentemente de se provarem as acusações, o denominador comum é a corrupção. Ninguém fica bem na fotografia. Há uma moldura triste e deprimente em todos estes casos, uma noite de breu que parece esconder ainda muita coisa. A verdade é que o povo está na miséria e o actual poder político tem emagrecido as famílias, precarizado o emprego e desperdiçado recursos, obrigando milhares de jovens qualificados a emigrarem. Estamos entregues a um bando sem pudor e sem ética, a uma gentinha que parece não olhar a meios para enriquecer à custa de esquemas. O pior das democracias é a corrupção que mina a confiança das instituições, descredibiliza os políticos e leva à perda da confiança no Estado.
Como é que se pode acreditar num governo que pratica a injustiça social? Recentemente, anunciou a requalificação (palavra cheia de sinonímias ocultas) de mais 697 funcionários da Segurança Social. Conheço alguns dos escolhidos: são pessoas que trabalham na instituição há mais de vinte anos, com família e que têm, neste momento, apenas um vencimento. Os critérios para os escolhidos são duvidosos e muito subjectivos. É repugnante quando assistimos ao descalabro da corrupção ao mais alto nível na administração pública, casos acima referidos, e que se queira justificar o equilíbrio das contas públicas à custa de pessoas que ganham os mais baixos salários. Diz o governo, pomposamente, que se trata de “requalificar”. A demagogia e a hipocrisia escondem-se atrás desta palavra. Há um cinismo inaceitável desta gente que manda fazer mal aos outros com asas de anjo. Eu, se fosse director distrital da Segurança Social, recusava-me a executar, em nome da ética e da defesa dos princípios da igualdade, a “ordem de requalificação”; punha, mesmo, o lugar à disposição. Esta é uma questão de honra e de dignidade que ofende os mais elementares direitos daqueles que sempre deram o melhor das suas vidas pelos outros. A gratidão do Estado a quem serviu a Segurança Social é a precariedade e o desemprego. Haja vergonha! É nestas alturas que as palavras deviam ter voz, para incomodarem o recato de Mota Soares, esse ministro demagogo, que tem feito tudo para desmantelar a Segurança Social. Este governo não tem escrúpulos e não respeita as pessoas. Vivemos um momento triste e, quiçá, histórico. Triste, porque é evidente a vulnerabilidade ética de alguns que, no topo da pirâmide, deviam defender o interesse público; histórico, porque há alguma esperança que os acusados de corrupção respondam perante a justiça. Está a tornar-se irrespirável viver neste “pântano” de promiscuidade.
(*) Diário de Coimbra

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