Quem
tem necessidade de recorrer aos serviços de saúde nota perfeitamente a actual carência
de profissionais desta área relativamente a anos atrás. Também é voz corrente
entre médicos, enfermeiros e outros profissionais necessários ao funcionamento
das unidades de saúde a escassez de pessoal. Para além dos despedimentos, não
se faz a renovação de muitos quadros que se vão reformando.
Para
qualquer cidadão comum é fácil perceber, como não podia deixar de ser, que a
qualidade dos serviços se ressente. As falhas podem acontecer com muito mais
facilidade.
Esta
e outras questões que têm necessariamente consequências na qualidade dos
serviços de saúde prestados são abordadas de forma insuspeita por Carlos Cortes,
Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, no Diário de Coimbra
de há quatro dias.
O
setor da saúde tem vivido uma situação pandémica de um surto inquietante e
prolongado que tem invadido a maioria das unidades do Serviço Nacional de Saúde
(SNS). É uma situação transversal no país, tanto em hospitais centrais como em
unidades de saúde mais periféricas, tanto em serviços nucleares como em
especialidades mais diferenciadas. Nenhuma verdadeira cura tem sido eficaz para
contrariar este flagelo porque, objetivamente, parece não existir vontade de o
ver resolvido. Não se trata de um surto convencional de etiologia microbiana
mas de um assunto com implicações prejudiciais sobre a prestação de cuidados de
saúde. Refiro-me à falta de recursos humanos na área da saúde, nomeadamente
médicos, que tem comprometido a manutenção e o desenvolvimento sustentado dos
cuidados de saúde em Portugal. A maioria das unidades de saúde têm dificuldades
em renovar os seus quadros médicos. Os serviços de urgência, entre outros, são
o centro desta preocupação.
Esta
realidade é reconhecida por todos, nomeadamente pelos próprios Conselhos de
Administração, Direções Clínicas e Direções de Serviço, impotentes na sua
resolução por manifesta falta de mecanismos que possibilitem a contratação
ajustada de médicos para as necessidades detetadas. Por melhor que possa ser
considerado o SNS, a sua resposta nunca será adequada se escassearem médicos,
enfermeiros, farmacêuticos, técnicos, administrativos e todos os outros
profissionais das unidades de saúde. O SNS não funciona sem profissionais nem
sem equipas estruturadas e organizadas. Infelizmente vários dirigentes da Saúde
ainda não perceberam esse princípio.
Em
2011, o Ministério da Saúde decidiu, de forma sub-reptícia e sem discussão prévia,
que as carências em recursos humanos médicos seriam resolvidas com recurso a
empresas privadas especializadas – ou pretensamente especializadas – no recrutamento
de médicos. O objetivo é permitir que a contratação de médicos para as unidades
do SNS seja feita por empresas privadas e não diretamente pelos hospitais e
centros de saúde onde serão colocados. Hoje, a qualidade e a diferenciação dos recursos humanos em saúde
têm sido desprezados em prol de um negócio baseado em preços/hora humilhantes e
indignos para os profissionais, muito abaixo dos chorudos benefícios encaixados
pelas próprias empresas. Desnecessariamente, estas empresas têm sido
intermediárias entre as instituições de saúde e os profissionais, substituindo
o papel dos Diretores Clínicos e dos Diretores de Serviço na escolha e contratação
dos profissionais. Na maioria dos casos, os hospitais têm médicos a trabalhar
nas suas instalações que nem sequer conhecem. A autonomia dos hospitais e dos
centros de saúde passou a depender da vontade do “empresário da contratação médica”.
As questões a colocar são: porque deixaram os hospitais de poder contratar
diretamente todos os seus profissionais? Porque têm os hospitais de depender
das escolhas duvidosas de empresas privadas que operam no mercado?
Essas
empresas, só muito excecionalmente, têm experiência conhecida na área da saúde.
Algumas foram criadas sem nenhuma experiência em recursos humanos e com o único
propósito de se candidatarem a um negócio polpudo. Mais grave ainda, algumas
delas concorreram sem sequer terem um quadro de médicos e tentam aliciar os
médicos das unidades se saúde para as quais são contratualizadas.
Esta
situação tem largamente contribuído para a desqualificação dos cuidados de
saúde e para a fuga dos profissionais diferenciados do SNS.
A maior sustentabilidade do
SNS é feita à custa da qualidade, da entrega e do esforço dos seus
profissionais. Desinvestir nesta área é a melhor forma de prejudicar o SNS.
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