De uma longa entrevista que o
constitucionalista Jorge Reis Novais concedeu a Público a propósito do
lançamento de um livro de que é autor, respigámos as respostas a quatro
questões sobre temas muito discutidos ao longo da vigência do actual ciclo
governativo:
- O posicionamento do Governo
em relação ao Tribunal Constitucional.
- A acção do Tribunal Constitucional.
- A parcialidade do
Presidente da República a favor deste Governo.
- Revisão do sistema eleitora.
Como
analisa o fio condutor do discurso do Governo nestes três anos em relação ao
TC?
A lógica do Governo é que, a
partir do momento em que há metas orçamentais a alcançar, é possível fazer
tudo, vale tudo. Isto é um discurso incompatível com o Estado de Direito.
Qualquer governo em estado de Direito sabe que só pode alcançar objectivos
através de meios legítimos. Tem de respeitar a lei e a Constituição em vigor. O
que o TC tem dito é que, em algumas ocasiões, os meios não são legítimos. Mas
na maioria dos casos tem dito que o são. Isto para este governo é uma
admiração, parece que estava convencido que não há lei, não há Constituição, há
apenas a vontade política de uma maioria, do mercado, e que podem impor tudo o
que quiserem. Consideram que podem ir apenas a um grupo de pessoas cortar
rendimentos, porque não há limites. Podiam, por exemplo, expropriar um banco,
uma empresa, não pagar indemnizações, para atingir um fim. Isto não é digno de
um governo que tenha espírito de Estado de Direito. Do meu ponto de vista,
revela uma grande falta de cultura democrática e de cultura de Estado de
Direito. Em qualquer país da Europa é um discurso absurdo. É um discurso que é
impossível num país como a Alemanha: o Governo alemão queixar-se do TC
alemão é uma impossibilidade! É impensável haver algum governante alemão que se
queixe do seu TC, quando muito queixa-se de si próprio por não cumprir a
Constituição.
O
TC não devia ter feito uma reflexão sobre o estado de emergência financeira?
E fez. E tem feito. É por causa
exactamente dessa reflexão, de ter atendido à situação que vivemos, que deixou
passar os tais cortes de salários que vêm desde 2011. Isso seria inconcebível
se não vivessemos numa situação de emergência financeira. O Estado acordou com
os funcionários públicos e os pensionistas determinado salário ou pensão. É um
acordo que foi estabelecido. Portanto, é inadmissível que uma das partes venha
dizer ‘agora não cumpro’. Isso numa situação de normalidade seria inadmissível.
O TC só o permitiu exactamente porque estamos numa situação de emergência
financeira. Portanto, essa crítica de que o TC não teve em conta a situação do
país é perfeitamente injusta, quando desde 2010, o TC já deixou passar uma
enorme quantidade de diplomas de constitucionalidade muito duvidosa. Por isso
há muita gente a considerar o TC de um certo laxismo…
Acha
que o Presidente está a ser parcial?
Completamente, com este Governo.
O que é muito grave para o funcionamento do nosso sistema. A grande vantagem do
sistema semi-presidencial é precisamente não apostar tudo no vector parlamentar
e governamental. É ter outro órgão com legitimidade democrática plena que pode
fazer o balanceamento e desempenhar o papel de moderação. Quando o Presidente
se alinha completamente com o Governo e contra a oposição, perde todas estas
faculdades e deixa de acrescentar alguma coisa de positivo. Nestes últimos
anos, é como se vivêssemos em sistema parlamentar. O Presidente não acrescenta
absolutamente nada.
Tem-se
falado muito na necessidade de revisão do sistema eleitoral. Não é um
bloqueio?
O que é que funciona mal no nosso sistema eleitoral? Ele permite
a representação de todos os partidos políticos, mesmo os mais pequenos; não
bloqueia a entrada no Parlamento de novos partidos, faz uma representação de todas
as correntes, tem permitido a alternância democrática, tem permitido a formação
de governos maioritários. O que é funciona mal?
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