segunda-feira, 3 de novembro de 2014

JORGE REIS NOVAIS ENTREVISTADO PELO PÚBLICO


De uma longa entrevista que o constitucionalista Jorge Reis Novais concedeu a Público a propósito do lançamento de um livro de que é autor, respigámos as respostas a quatro questões sobre temas muito discutidos ao longo da vigência do actual ciclo governativo:
- O posicionamento do Governo em relação ao Tribunal Constitucional.
- A acção do Tribunal Constitucional.
- A parcialidade do Presidente da República a favor deste Governo.
- Revisão do sistema eleitora.

Como analisa o fio condutor do discurso do Governo nestes três anos em relação ao TC?
A lógica do Governo é que, a partir do momento em que há metas orçamentais a alcançar, é possível fazer tudo, vale tudo. Isto é um discurso incompatível com o Estado de Direito. Qualquer governo em estado de Direito sabe que só pode alcançar objectivos através de meios legítimos. Tem de respeitar a lei e a Constituição em vigor. O que o TC tem dito é que, em algumas ocasiões, os meios não são legítimos. Mas na maioria dos casos tem dito que o são. Isto para este governo é uma admiração, parece que estava convencido que não há lei, não há Constituição, há apenas a vontade política de uma maioria, do mercado, e que podem impor tudo o que quiserem. Consideram que podem ir apenas a um grupo de pessoas cortar rendimentos, porque não há limites. Podiam, por exemplo, expropriar um banco, uma empresa, não pagar indemnizações, para atingir um fim. Isto não é digno de um governo que tenha espírito de Estado de Direito. Do meu ponto de vista, revela uma grande falta de cultura democrática e de cultura de Estado de Direito. Em qualquer país da Europa é um discurso absurdo. É um discurso que é impossível  num país como a Alemanha: o Governo alemão queixar-se do TC alemão é uma impossibilidade! É impensável haver algum governante alemão que se queixe do seu TC, quando muito queixa-se de si próprio por não cumprir a Constituição.

O TC não devia ter feito uma reflexão sobre o estado de emergência financeira?
E fez. E tem feito. É por causa exactamente dessa reflexão, de ter atendido à situação que vivemos, que deixou passar os tais cortes de salários que vêm desde 2011. Isso seria inconcebível se não vivessemos numa situação de emergência financeira. O Estado acordou com os funcionários públicos e os pensionistas determinado salário ou pensão. É um acordo que foi estabelecido. Portanto, é inadmissível que uma das partes venha dizer ‘agora não cumpro’. Isso numa situação de normalidade seria inadmissível. O TC só o permitiu exactamente porque estamos numa situação de emergência financeira. Portanto, essa crítica de que o TC não teve em conta a situação do país é perfeitamente injusta, quando desde 2010, o TC já deixou passar uma enorme quantidade de diplomas de constitucionalidade muito duvidosa. Por isso há muita gente a considerar o TC de um certo laxismo…

Acha que o Presidente está a ser parcial?
Completamente, com este Governo. O que é muito grave para o funcionamento do nosso sistema. A grande vantagem do sistema semi-presidencial é precisamente não apostar tudo no vector parlamentar e governamental. É ter outro órgão com legitimidade democrática plena que pode fazer o balanceamento e desempenhar o papel de moderação. Quando o Presidente se alinha completamente com o Governo e contra a oposição, perde todas estas faculdades e deixa de acrescentar alguma coisa de positivo. Nestes últimos anos, é como se vivêssemos em sistema parlamentar. O Presidente não acrescenta absolutamente nada.

Tem-se falado muito na necessidade de revisão do sistema eleitoral. Não é um bloqueio?
O que é que funciona mal no nosso sistema eleitoral? Ele permite a representação de todos os partidos políticos, mesmo os mais pequenos; não bloqueia a entrada no Parlamento de novos partidos, faz uma representação de todas as correntes, tem permitido a alternância democrática, tem permitido a formação de governos maioritários. O que é funciona mal?

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