sexta-feira, 28 de novembro de 2014

AO RITMO DO NEOLIBERALISMO


O texto seguinte foi transcrito do Diário de Coimbra de ontem e é da autoria de Carlos Encarnação, antigo Presidente da Câmara pelo PSD.
Então, por que razão fica aqui a tomada de posição de uma personalidade completamente fora da área do Bloco de Esquerda? A resposta é simples. Não é necessário ser-se de esquerda para se ter uma posição fortemente crítica em relação a uma série de factos da maior gravidade política que têm chegado ao nosso conhecimento a um ritmo avassalador e que dão o retrato actual de um País conduzido ao ritmo do neoliberalismo dominante.
Cheias têm sido as últimas semanas. Tentemos resumir. Comentemos quatro casos. São os vistos gold chocantes? São. Comercializam desigualdades, trocam vistos de residência por investimento, por dinheiro.
Há outros países europeus a utilizar este estratagema ou somos os únicos?
Há outros países e têm uma orientação útil diversa em relação às prioridades do investimento. Outros, ainda, não se ficam por aqui, seguem práticas mais imaginosas quando admitem os paraísos fiscais ou atraem a sediação de empresas em prejuízo da receita fiscal do país de origem.
Nós recorremos ao sistema mais simples, útil para o imobiliário, quase despiciendo para os restantes objectivos. É um estratagema, em termos da sua gestão pública, arriscado. Exige cuidados redobrados. E, principalmente, exige que os altos quadros do Estado não se constituam em REMAX, ou seja, em empresa de compra e venda de propriedades a troco de comissão. Quando qualquer coisa parecida com isto acontece, as primeiras páginas dos principais jornais estrangeiros exibem Portugal no seu pior, caem Ministros, o Estado exibe a sua debilidade.
Percebe-se, pelo menos, uma coisa óbvia: o sistema não funciona de forma fiável.
Devem os portugueses, cidadãos e empresas, contribuir de modo extraordinário para a recuperação das nossas comuns dificuldades? Claro que devem. Todos.
Se a uns se exigem contribuições extraordinárias, ou aumento de impostos, ou diminuição de rendimentos, outros não podem ficar de fora.
Como entender, então, que empresas e cidadãos tenham um comportamento diferente em relação à admissibilidade ou recusa de comparticipação.
Tudo se passa como se a uns coubesse pagar sem rebuço e a outros estivesse reservada a capacidade de recusar.
O que temos pela frente é um país de pagantes e um país de contestantes.
Ou, a inevitabilidade de afrontar o destino para as pessoas e uma longa querela assente na recusa para as empresas que seguem este caminho.
Um Estado com uma face forte para quem pode pouco e um Estado com uma face fraca para quem muito pode.
Como a grande maioria dos países e a própria União Europeia (quanto aos seus órgãos), o Estado português definiu um regime de garantia ao exercício da função política em regime de exclusividade.
Porquê? Porque se entendia que todos deviam ter as mesmas oportunidades e porque uns podem acumular cargos políticos com actividades profissionais e outros não. Verificadas as condições então exigidas, cumpridos 12 anos, o cidadão que deixava a vida política requeria uma pensão ou, sendo menor o tempo de exercício, requeria um subsídio de reintegração.
Entendeu o legislador em 2011, que, para futuro, tal regime não devia continuar, não tocando nos direitos adquiridos.
Em pleno período de crise, voltou a pronunciar-se permitindo o pagamento das pensões em função de um limite máximo mensal de rendimentos acumulados e suspendendo os restantes. Um ano depois, entendeu o Conselho de Administração da AR propor um novo regime. Entre aprovação e retirada da proposta voaram reacções oscilando entre o populismo e a má consciência. Um espectáculo único…
Entretanto, um novo escândalo rebenta.
Descobriu-se que a justiça investigava um político, particularmente responsável ao mais alto nível, que não precisava, afinal, de pensão porque, miraculosamente, tinha acumulado fortuna apesar do exercício dos cargos que ocupou não conseguir, manifestamente, gerar rendimentos suficientes para isso. Percebo que o povo sofrido não consiga distinguir e trate tudo por igual; os que desempenharam as suas funções com probidade, aqueles que nunca poderiam nesses termos enriquecer, e os outros que descobriram o caminho (não necessariamente marítimo) para uma outra Índia e para o ouro do Brasil. São todos políticos, dirão, sem se darem conta de que há uns mais iguais que outros.
Em Portugal repetiu-se o choque.
No estrangeiro repetiram-se as manchetes dando do país uma imagem da triste figura que amanhã voltarão depois da detenção preventiva decretada. Se de lá nos contemplássemos, perceberíamos certamente melhor a louca deriva que nos envolve.
Nada a alegar. Peço justiça.

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