O
prof. universitário Santana Castilho utiliza os ensinamentos do linguista,
filósofo e activista político norte-americano Noam Chomsky para desmontar no
Público de hoje a estratégia de manipulação da opinião pública, levada a cabo
pelo Governo, em geral, e pelo primeiro-ministro em particular, a propósito da
gigantesca campanha de propaganda à volta do processo de saída do programa de
assistência financeira.
As
eleições europeias do próximo dia 25 de Maio são uma excelente ocasião para os
portugueses responderem de forma adequada à chamada saída limpa que, na
realidade é “suja por três anos de voragem, que imolaram os jovens, desempregaram
os pais, perseguiram os avós, reduziram o PIB, aumentaram a pobreza e colocaram
o país dependente de decisões de fora, com uma dívida pública que cresceu em
vez de diminuir”, conclui Santana Castilho.
As
10 estratégias de manipulação, segundo Chomsky, são presença profusa na acção
do Governo. O processo de saída do programa de assistência financeira e o
discurso de Passos Coelho, que o anunciou, ilustram-no.
“Fazer
uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-circuito
na análise racional e pôr fim ao sentido crítico dos indivíduos”, diz Chomsky.
Passos tentou-o quando aproveitou a comunicação ao país para vender esperança
que não cola e dramatizar com o medo que a fome e o desemprego espalharam. Mas
porque a sua palavra está totalmente desacreditada, não o conseguiu. Quando
disse “hoje, em Conselho de Ministros, o Governo decidiu que sairemos do
Programa de Assistência sem recorrer a qualquer programa cautelar”, todos
sabemos que manipulou a verdade. O Governo não decidiu. Decidiram a Alemanha e
a Finlândia e, por elas, a Europa. Quando disse “temos reservas financeiras
para um ano, que nos protegem de qualquer perturbação externa”, omitiu que essa
almofada financeira, de 10 mil milhões de euros, custa 850 milhões de juros por
ano, retirados à educação, à saúde e à protecção dos mais fracos.
O
discurso de Passos Coelho foi patética propaganda ferida de credibilidade
mínima pelas mentiras da véspera, que o Documento de Estratégia Orçamental
2014-2018 evidenciou. Nada do que ele ou o Governo digam merece crédito.
Garantiram que a carga fiscal não aumentaria. Mas subiram o IVA e a TSU.
Compararam pateticamente a saída da Troika, a 17 de Maio, ao 25 de Abril e a
1640. Até inauguraram relógios em contagem decrescente. E agora, afinal, todos
sabemos o que eles sabiam desde o princípio: que a tutela da Comissão Europeia
e do FMI vai manter-se até 2037 e 2021, respectivamente.
“Fazer
com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos
utilizados para o seu controlo e escravidão” é estratagema para manter os
cidadãos na ignorância, insiste Chomsky. Há 3 anos que Passos assim procede,
querendo fazer-nos acreditar que o sonho de modernizar o país foi um erro, que
devíamos ter continuado pobres e sem ambições, numa palavra, que fomos
irresponsáveis e vivemos acima das nossas possibilidades. Mas diz-nos uma outra
análise, mais fina, que a verdadeira história é diversa. Que o modelo de união
monetária (sem união política verdadeira, sem união fiscal e sem união
bancária) intensificou as desigualdades entre as economias europeias, com o
norte a apossar-se das empresas produtivas dos países periféricos. É este
desequilíbrio que acentuou o défice comercial dos países do sul e gerou excedentes
nos do norte, particularmente na Alemanha. Com este pano de fundo, surgem os
irresponsáveis alternativos aos cidadãos “irresponsáveis” do sul: os bancos
alemães e todos os bancos que se financiaram junto dos bancos alemães. Com
efeito, a grande quantidade de dinheiro drenada para os bancos alemães pela
assimetria descrita (700 mil milhões de euros) foi usada para especular,
financiando dívida de bancos irlandeses, bolha imobiliária espanhola e mil e um
negócios de outros bancos, que se aprovisionaram junto dos bancos alemães. Foi
este sôfrego desatino (de bancos que não de cidadãos comuns) que encheu a banca
alemã de activos tóxicos. E não resisto a abrir um parêntesis para recordar que
Jonathan Alpert, conhecido como o terapeuta de Wall Street, citado pelo
Expresso de 17/9/11, disse, referindo-se aos que gerem o modelo económico que
nos domina, que “eram gente impulsiva, narcisista, que mede o sucesso pela
quantidade de dinheiro, que adora o risco e tem dificuldade em gerir o
equilíbrio dos vários elementos da vida (família, trabalho e lazer), cuja
maioria (60%), consome drogas, álcool e gasta milhares de dólares em
prostitutas".
Quando
a crise rebentou, Merkel protegeu os seus banqueiros e todos os banqueiros
estrangeiros. Os bancos, irresponsáveis pela forma imprudente com que
emprestaram sem rei nem roque, não faliram. Mas os países resgatados (e logo os
cidadãos respectivos) ficaram com as suas dívidas. Os nacionais de cada país
pagaram aos bancos alemães. E os coelhos deste mundo, reverentes a Merkel,
agradeceram-lhe a “ajuda” e acusaram os seus povos de terem vivido acima das
suas possibilidades. Mais ainda. Foi a mesma Alemanha que impediu o Banco
Central Europeu de fazer o que devia e com isso criou nova e escandalosa
vantagem para si mesma: enquanto os juros da divida pública dos outros foram
subindo, os seus foram descendo.
No
próximo dia 25 de Maio, a Europa vai a votos e com ela as suas políticas de
austeridade. Diga o Governo o que disser, é altura de proceder à higiene mínima
necessária para lidar com a nossa “saída limpa”. Uma “saída limpa” suja por
três anos de voragem, que imolaram os jovens, desempregaram os pais,
perseguiram os avós, reduziram o PIB, aumentaram a pobreza e colocaram o país
dependente de decisões de fora, com uma dívida pública que cresceu em vez de
diminuir.
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