Os
europeus revelaram este domingo uma forte tendência para a abstenção nas
eleições para o Parlamento Europeu. Portugal não foi excepção, mas isso não
significa que nos alheemos do premente problema que constitui o afastamento das
populações da participação democrática na escolha dos seus representantes no
processo governativo. Pelo contrário, devemos procurar as razões que levam os
cidadãos a achar que o seu voto em nada contribuirá para melhorar a nossa vida,
quer a nível individual quer colectivo.
Sobre
este tema achámos muito interessante deixar aqui o seguinte excerto do artigo
de opinião que José Vitor Malheiros assina hoje no Público.
A
nota mais relevante para o nosso presente e para o nosso futuro, de Portugal e
da Europa, para o futuro da democracia. Nas eleições europeias de domingo
tivemos em Portugal a mais elevada abstenção de sempre: mais de 66%. E isto num
momento histórico em que a importância da Europa no quotidiano de todos nós era
evidente e gritante. Não é uma novidade e a maior parte dos países onde o voto
não é obrigatório tem níveis de abstenção semelhantes, mas isso não torna o
problema menos importante. Pelo contrário, torna-o mais importante.
Apesar
dos ocasionais lamentos de circunstância, a maior parte dos políticos olha para
este problema com indiferença: “As pessoas podiam ir votar se quisessem. Não
foram porque não quiseram. Estão no seu direito. Não votar é uma forma tão
aceitável de participar como votar.” É a mesma atitude que tem a direita quando
olha para os bairros de lata: “As pessoas vivem nestes bairros porque não se
esforçam, porque não se preocuparam em estudar e em adquirir as competências
que lhes garantam um emprego, porque não se esforçam em encontrar emprego ou em
criar o seu próprio emprego, porque não têm ambição.” Trata-se, nos dois casos,
do mesmo discurso de exclusão, de justificação da exclusão.
Só
que a democracia é o governo do povo. Do povo todo, não apenas dos que votam. E
os abstencionistas não abdicam da sua soberania. Escolhem não a exercer neste
momento, ou não a exercer desta forma ou são impelidos de alguma forma a não a
exercer. E esta soberania por usar é um golpe no flanco da democracia por onde
a sua vida se esvai.
Os
abstencionistas ou escolhem ficar de fora da democracia, ou escolhem ficar de
fora desta democracia, ou são empurrados para ficar de fora desta democracia.
Qualquer uma das hipóteses representa uma bomba-relógio no coração da
democracia.
Uma
das justificações benignas da abstenção é que ela representa “um voto de
protesto” contra o sistema, contra os partidos, contra a União Europeia. É uma
explicação benigna, porque pressupõe que os abstencionistas se estão a exprimir
e que o seu protesto tem consequência. Simula que também eles participam. Só
que um protesto que não tem voz não é um protesto, porque nem sequer
conseguimos saber contra o que se manifesta.
Esta
abstenção é apenas distanciamento, alheamento em relação a esta forma de fazer
política e de se fazer ouvir – ainda que não seja indiferença. Este
alheamento da democracia por parte da maioria esmagadora do povo não é um
pormenor, porque não há democracia sem o povo. A democracia não é uma
formalidade. A realização de eleições não chega para definir uma democracia.
Uma democracia em que a maior parte do povo não participa nas
escolhas não é uma democracia e não há peneira que consiga tapar esta
evidência.
Muita
desta abstenção vem de pessoas que já foram há muito excluídas do sistema e que
não têm razões para confiar na democracia. Pessoas desempregadas, desmotivadas,
desesperadas, pobres, abandonadas, sem voz. Ou de pessoas que, simplesmente,
não acreditam que seja possível escolher outra coisa, que é outra forma de
descrer da democracia.
Não há nenhum projecto mais
urgente para a democracia do que recuperar para o exercício da sua soberania as
pessoas que não fazem ouvir a sua voz.
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