quinta-feira, 8 de maio de 2014

CONCENTRAÇÃO DA RIQUEZA E DESIGUALDADES


O problema das desigualdades, sem dúvida ligado à cada vez maior concentração da riqueza, está a atingir tais proporções que começa a preocupar até as organizações e personalidades mais insuspeitas de radicalismo anti-sistema. Depois que o capital financeiro tomou o freio nos dentes, com a ajuda do seu braço ideológico, a doutrina neoliberal, temos vindo a assistir a uma crescente transferência de riqueza, dos mais pobres para os mais ricos. Seria muito importante “uma acção concertada dos poderes públicos” no sentido de inverter esta situação mas, a verdade é que os governos, contaminados por aquela doutrina, mais não têm feito do que contribuir para o crescimento das desigualdades.
No seguinte texto que transcrevemos do Diário de Coimbra de hoje, o seu autor (*) aborda esta importante problemática que, não sendo resolvida, levará a conflitos gravíssimos e à própria destruição da democracia.
Os relatórios de conhecidas organizações internacionais têm-se multiplicado, nos últimos sete anos, alertando para a necessidade de regulação dos mercados, o incremento das desigualdades ou para uma extraordinária concentração da riqueza.
Agora é a vez da OCDE que, através do seu secretário-geral, o liberal José Ángel Gurria, considera que sem uma ação concertada dos poderes políticos, o hiato entre ricos e pobres se irá acentuar nos próximos tempos.
Esquecendo-se que durante anos defendeu uma liberalização total dos mercados, como, aliás, o seu homólogo à frente da organização mundial do comércio (WTO), o socialista Pascal Lamy (2005/13), Guerria surge, agora, apoquentado com a extraordinária concentração de riqueza, pelos dados que deve ter recebido e constantes dos anexos do trabalho do economista Thomas Piketty (O Capitalismo no século XXI), que referi no meu último comentário, já um verdadeiro “best-seller” nos Estados Unidos.
Assim e como exemplo, cito o caso de Portugal, em que 1% dos mais fortunados viram mais do que duplicar a sua riqueza nas últimas três décadas, para atingir 10% do PIB.
Enquanto os nichos fiscais, a lavagem de dinheiro, a otimizaçao da fiscalidade praticada, não pelo comerciante da esquina, mas pelas poderosas multinacionais, proliferam, eis que rebenta mais um escândalo – o dos câmbios – alegadamente praticado por uma dúzia de instituições da elite bancária, desde o Crédit e UBS suíços, HSBC, Bank of America, JPMorgan até ao habitual Goldman Sachs, processo que se encontra em investigação e que envolve verbas  da ordem dos 5 mil milhões de dólares/dia.
Existe na opinião pública uma quase unanimidade em reconhecer e identificar os mercados de capitais como a selva do mundo pós-moderno, pelo que não é fácil qualquer intervenção moderadora, cumprindo aqui recordar as últimas investigações do “Corporate Europe Observatory”, revelando que a indústria financeira dispõe de 700 organizações de lóbi, envolvendo 1700 pessoas, só no perímetro da União Europeia, junto da comissão, do parlamento, do conselho e das comissões especializadas.
Neste contexto, falar de “saída limpa” quando nos espera uma dependência temporal de profissionais do “crime organizado”, para utilizar uma expressão de um economista e alto funcionário na administração pública francesa (Jean-François Gayraud, Le capitalisme sauvage, Jacob, 2013), só poderá significar mais sacrifícios para os já sacrificados.
Ao escrever a palavra sacrifícios, lembrei-me das palavras da minha filha, a frequentar o 10º ano, na Escola Joaquim de Carvalho da Figueira da Foz, avisando-me para o contexto religioso, inerente ao seu significado. De facto, no antepositivo sac(r)encontramos o sacramento, o sagrado, em que o conceito sacrum é conexo com o divino e oposto ao profanum, da ordem leiga.
Lembrei-me que esta questão filológica ou epistemológica, como outras, não integra o núcleo de preocupações dos governantes e, muito menos, dos que dispõem apenas de um poder de subserviência para a sua sobrevivência política.
Depois disto só me resta obsecrar. A uma divindade não, pois a Grécia já não está na moda. Então a quem? Aos portugueses para não se demitirem das suas responsabilidades como cidadãos.
(*) João Marques, diplomado em ciências da comunicação    

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