O
problema das desigualdades, sem dúvida ligado à cada vez maior concentração da
riqueza, está a atingir tais proporções que começa a preocupar até as organizações
e personalidades mais insuspeitas de radicalismo anti-sistema. Depois que o
capital financeiro tomou o freio nos dentes, com a ajuda do seu braço ideológico,
a doutrina neoliberal, temos vindo a assistir a uma crescente transferência de
riqueza, dos mais pobres para os mais ricos. Seria muito importante “uma acção
concertada dos poderes públicos” no sentido de inverter esta situação mas, a
verdade é que os governos, contaminados por aquela doutrina, mais não têm feito
do que contribuir para o crescimento das desigualdades.
No
seguinte texto que transcrevemos do Diário de Coimbra de hoje, o seu autor (*) aborda
esta importante problemática que, não sendo resolvida, levará a conflitos
gravíssimos e à própria destruição da democracia.
Os
relatórios de conhecidas organizações internacionais têm-se multiplicado, nos
últimos sete anos, alertando para a necessidade de regulação dos mercados, o
incremento das desigualdades ou para uma extraordinária concentração da
riqueza.
Agora
é a vez da OCDE que, através do seu secretário-geral, o liberal José Ángel
Gurria, considera que sem uma ação concertada dos poderes políticos, o hiato
entre ricos e pobres se irá acentuar nos próximos tempos.
Esquecendo-se
que durante anos defendeu uma liberalização total dos mercados, como, aliás, o seu
homólogo à frente da organização mundial do comércio (WTO), o socialista Pascal
Lamy (2005/13), Guerria surge, agora, apoquentado com a extraordinária concentração
de riqueza, pelos dados que deve ter recebido e constantes dos anexos do
trabalho do economista Thomas Piketty (O Capitalismo no século XXI), que referi
no meu último comentário, já um verdadeiro “best-seller” nos Estados Unidos.
Assim
e como exemplo, cito o caso de Portugal, em que 1% dos mais fortunados viram mais
do que duplicar a sua riqueza nas últimas três décadas, para atingir 10% do
PIB.
Enquanto
os nichos fiscais, a lavagem de dinheiro, a otimizaçao da fiscalidade
praticada, não pelo comerciante da esquina, mas pelas poderosas multinacionais,
proliferam, eis que rebenta mais um escândalo – o dos câmbios – alegadamente praticado
por uma dúzia de instituições da elite bancária, desde o Crédit e UBS suíços,
HSBC, Bank of America, JPMorgan até ao habitual Goldman Sachs, processo que se
encontra em investigação e que envolve verbas
da ordem dos 5 mil milhões de dólares/dia.
Existe
na opinião pública uma quase unanimidade em reconhecer e identificar os
mercados de capitais como a selva do mundo pós-moderno, pelo que não é fácil
qualquer intervenção moderadora, cumprindo aqui recordar as últimas
investigações do “Corporate Europe Observatory”, revelando que a indústria
financeira dispõe de 700 organizações de lóbi, envolvendo 1700 pessoas, só no
perímetro da União Europeia, junto da comissão, do parlamento, do conselho e
das comissões especializadas.
Neste
contexto, falar de “saída limpa” quando nos espera uma dependência temporal de
profissionais do “crime organizado”, para utilizar uma expressão de um
economista e alto funcionário na administração pública francesa (Jean-François
Gayraud, Le capitalisme sauvage, Jacob, 2013), só poderá significar mais sacrifícios
para os já sacrificados.
Ao
escrever a palavra sacrifícios, lembrei-me das palavras da minha filha, a
frequentar o 10º ano, na Escola Joaquim de Carvalho da Figueira da Foz,
avisando-me para o contexto religioso, inerente ao seu significado. De facto,
no antepositivo sac(r)encontramos o sacramento, o sagrado, em que o conceito sacrum é conexo com o divino e oposto ao
profanum, da ordem leiga.
Lembrei-me
que esta questão filológica ou epistemológica, como outras, não integra o
núcleo de preocupações dos governantes e, muito menos, dos que dispõem apenas
de um poder de subserviência para a sua sobrevivência política.
Depois
disto só me resta obsecrar. A uma divindade não, pois a Grécia já não está na
moda. Então a quem? Aos portugueses para não se demitirem das suas
responsabilidades como cidadãos.
(*) João
Marques, diplomado em ciências da comunicação
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