O
livro “Os Burgueses”, da autoria dos nossos camaradas Francisco Louçã, João Teixeira
Lopes e Jorge Costa, está a ser alvo do interesse dos leitores portugueses,
como prova a entrada directa, esta semana, para o 2º lugar dos 10 livros mais
vendidos na área da não ficção. Outra evidência de que a obra atingiu os seus obectivos
é a análise crítica de que está a ser alvo por parte daqueles sectores que se
sentem atingidos. Dois exemplos ressaltam como é ocaso de Marcelo Rebelo de Sousa
na sua homilia do passado domingo na TVI e de Martim Avillez Figueiredo na
penúltima edição do Expresso. É precisamente na edição de ontem deste semanário
que os autores de “Os Burgueses” respondem às críticas feitas ao livro.
As
recensões de “Os Burgueses” por Marcelo Rebelo de Sousa (M.R.S.,TVI) e Martim Avillez
Figueiredo (M.A.F.,no Expresso) são reveladoramente contraditórias.
Para
M.R.S., o livro não revela suficientemente a dependência externa crescente do
capital português que, numa década, será deglutido pela finança global. O processo,
incontornável, é porventura uma das condições de inviabilidade da direção de Portugal.
Mas é tema do livro, que demonstra que os 20% do capital estrangeiro na
economia em 1970 se multiplicaram para 40% do atual capital bolsista. Pela dívida
externa ou pela presença interna o capital estrangeiro submete o Estado e
domina parte importante da economia (pp. 104-13). Assim , o caminho desta
burguesia colaboracionista e rentista, é a primeira condição histórica do risco
de Portugal.
Em
contrapartida, M.A.F. preferiu uma versão leve para tranquilizar o país. Afinal,
escreve, “a mais bárbara das leis da humanidade” determina que a nascença em
berço de ouro perpetue a vantagem e, por isso, esta burguesia é aquilo a que
temos direito. Os autores de “Os Burgueses” reduziram esta inevitabilidade a um
“enredo de filme negro”, com base em casamentos endogâmicos, amparados pela
ditadura e outras “tecelagens”.
Ora,
sem muita maçadoria, M.A.F. teria descoberto que a nossa análise exclui a
teoria conspirativa. Os casamentos são estratégias suficientemente banais para
só ser surpresa que não tenham sido ainda estudadas em Portugal, mas os Mellos,
Champalimauds, Espíritos Santos e Moniz Galvões são de facto primos por sangue
ou afinidade e isso é um facto simples. No entanto, estas dinastias são uma
situação e não um destino: muitas fortunas desapareceram (Burnay, Bullosa,
Pinto Magalhães) e outras emergiram (Amorim, Soares dos Santos, Belmiro, como
antes Duarte Ferreira e outros). O que distinguiu os triunfadores foi sempre a
solidez da base de acumulação e alianças, ou, recentemente, a sua recomposição com
as privatizações e as novas rendas do Estado.
Mas
se a burguesia fosse unicamente a reprodução social das famílias abastadas,
estas mil pessoas – que são unicamente 0,01% da população – não dominariam Portugal.
Por isso, o livro estuda em detalhe a cooptação social dos governantes, que
explica tanto a organicidade social dos principais partidos como o continuismo
dos governos. Ao verificar os percursos dos 776 membros dos governos constitucionais,
o livro regista como 230 deles têm cargos na direção dos bancos, 170 nos
grandes grupos e 107 nas empresas que dirigem as parcerias público-privado. A estrutura
do poder replica-se neste mecanismo social.
Estas realidades da organização
do poder desta classe estavam por estudar entre nós. Ao completar a nossa
análise com o estudo da produção do senso comum, através de exames
universitários, publicidade, relatórios dos bancos, livros infantis, discursos
de poder, literatura Kitsch e telenovelas, mapas e regras dos condomínios e dos
colégios, sublinhamos como a criação do desejo cria uma intensidade emocional
que organiza o consenso social. Para compreender os burgueses, é preciso estudar
todas as dimensões sociais, e o preconceito ofendido é sempre desvantajoso.
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